Blog do Flavio Gomes
Museus & coleções

SALVEMOS O MUSEU

SÃO PAULO (respostas?) – Hoje de manhã o Roberto Nasser me ligou. “Acabaram de lacrar o museu”, me disse, com a serenidade de quem sabia que ia acontecer, mais cedo ou mais tarde. Sem nenhum desespero na voz, sem vociferar contra ninguém. Fecharam e lacraram o Museu do Automóvel porque o Ministério dos Transportes requisitou […]

SÃO PAULO (respostas?) – Hoje de manhã o Roberto Nasser me ligou. “Acabaram de lacrar o museu”, me disse, com a serenidade de quem sabia que ia acontecer, mais cedo ou mais tarde. Sem nenhum desespero na voz, sem vociferar contra ninguém. Fecharam e lacraram o Museu do Automóvel porque o Ministério dos Transportes requisitou o prédio para guardar seu arquivo morto que está apodrecendo em algum canto no Rio de Janeiro. Vai-se gastar uma boa grana para transportar esse arquivo morto. Alguém vai ganhar bastante dinheiro com isso.

A insensibilidade das pessoas é inacreditável. Algum burocrata do ministério, e aí não importa se o governo é pestista, tucano, democrata, republicano, comunista ou talibã, assinou essa requisição. Como a maioria dos técnicos e burocratas, não se preocupou com as consequências da assinatura que colocou no papel. Talvez nem saiba que no local requisitado funciona um museu. Ou talvez saiba, mas não deu importância. Foda-se o museu, deve ter pensado o burocrata do ministério preocupado com o arquivo morto. É um idiota, o cara que assinou. Assim como são igualmente idiotas todos aqueles que, diante dos pedidos insistentes de tanta gente, todos com ótimos argumentos, não moveram um dedo para solucionar a questão antes que se chegasse ao ponto de lacrar o museu. São idiotas todos aqueles que, na Justiça, fecharam os olhos para os recursos e petições e não fizeram nada. São uns idiotas os que se viram diante do problema e não ajudaram o Nasser a encaminhar alternativas. Idiotas, só temos idiotas no Brasil.

Agora, vamos à parte prática. O Nasser me explicou que há solução para o acervo mudar de lugar. Sendo assim, que o Ministério dos Transportes faça bom uso do prédio. No fundo, eu desejo que pegue fogo, um dia, no arquivo morto. Mas o que importa, agora, é encontrar uma nova casa para o museu. Há uma possibilidade no Parque da Cidade, e parece que depende apenas da redação de um decreto simples do governador do Distrito Federal que autorize o uso de um prédio vazio. Nasser também conseguiu falar com gente do gabinete da ministra Marta Suplicy, da Cultura. Pode ser que ela o receba em audiência.

Abaixo, e-mail que recebi do Nasser ontem, esmiuçando o assunto. É longo, mas merece ser lido. Como se vê, tem até gente no primeiro escalão que está querendo ajudar, como a ministra do Gabinete Civil Gleisi Hoffmann. Mas a Advocacia Geral da União, aparentemente, está com pressa. Apressadinhos. O juiz da 5ª Vara Federal também estava meio impaciente. Não deu a menor bola para o pedido de reconsideração do Nasser. Vejam:

A proposta do Ministério dos Transportes em fechar o Museu do Automóvel e aproveitar suas boas instalações para abrigar, como justifica “o arquivo morto de órgão extinto “, por mais esdrúxula e inadequada possa parecer, cresce insidiosamente. Após as contestações, recursos, agravos, um nunca acabar de contatos no âmbito do judiciário e político nos estamentos federal e distrital, pensei que a situação estivesse calma, à espera de uma solução administrativa ou de uma pacificação política. Paulo Dubois, administrador do Parque da Cidade, individualizou prédio sem uso e capaz de ser rapidamente adequado a sediar o museu. Toda a documentação foi encaminhada ao governador do DF, Agnelo Queiroz, para a assinatura do necessário decreto de mudança de destinação da área. No campo jurídico, a Advocacia Geral da União, após constatar que ninguém assumiria a responsabilidade de tomar conta do acervo, sua riqueza, veículos únicos e a biblioteca, maior do país, propôs apresentar um plano de mudança para o museu.

Em paralelo, a ministra-chefe do Gabinete Civil enviou aviso à AGU recomendando providências para uma solução amigável. Ocorre que o decreto do Ggovernador não surgiu; a AGU descobriu que, fosse fácil transferir o museu, isto já teria sido feito, e do aviso da Ministra não se considerou. Assim, a AGU reconheceu a dificuldade da remoção do acervo e solicitou ao iuiz da 5ª Vara Federal que mandasse lacrar o museu.

Eu estava fora do país quando informado, abortei minha viagem, mudei agenda, cancelei palestra que faria em São Paulo, para acompanhar o negócio de perto. A Secretaria de Patrimônio da União, onde meu pedido transitou durante dez anos, recebeu ordem do citado juiz para apor o lacre. Redigi um pedido de reconsideração, e fui recebido para despacho com o juiz que, aparentemente não se mostrou interessado em analisar as razões, sequer o pedido para manter o museu funcionando até a sentença na ação. Até agora trabalha-se sobre uma liminar, cujos fundamentos foram afastados pelo pedido da mesma AGU.

Lacrar o museu significa fechá-lo. O acervo fica mais ou menos protegido, entre paredes, mas não pode ser limpo, mantido, ou os motores serem funcionados. Ou seja, é o início da catástrofe que todos assistimos no Museu Paulista de Antiguidades Mecânicas, em Caçapava. A entrada no prédio pode ser feita pelo pessoal do museu apenas para retirar itens pessoais. Na prática do inexplicável, a solução nada serve às partes. Nem entrega o imóvel ao Ministério dos Transportes para ali guardar as preciosidades alegadas do “arquivo morto de órgão extinto” como explica na petição inicial — aliás este entulho elegante está guardado no Rio de Janeiro —, nem deixa o Museu cumprir sua missão social, estar aberto ao público.

Solicitei uma audiência com o governador, outra com a nova ministra da Cultura, a senadora Marta Suplicy, que tomou posse com discurso sobre a importância dos museus. São as duas autoridades objetivamente ligados ao tema. Estou ao aguardo de ambos com expectativa de resolução.

Sou um otimista, embora de pouca paciência para convívio com a ignorância institucional. A importância do tema para a cidade tem gerado manifestações de apoio de antigomobilistas e gente que não é do ramo, mas entende a importância do existir um equipamento como este. Afinal, reúne raridades, duas exclusividades mundiais, quatro unidades tombadas pelo patrimônio público de São Paulo, já recebeu mais de 120 mil visitantes. As assinaturas à petição pública na internet têm aumentado, assim como as mensagens nas redes sociais divulgando a situação. Amplo leque de manifestações positivas. O tricampeão Nelson Piquet, do exterior, mandou mensagem se disponibilizando para levar o tema às autoridades. O Museu do Caramulo, o mais importante de Portugal, quer saber como auxiliar ! A bobagem vaza.

O descrédito do Brasil no cenário mundial será chaga difícil de fechar. Cerrar equipamento cultural às vésperas dos eventos internacionais, e quando os turistas já têm chegado à capital, será enorme. Brasília nada tem investido para a Copa exceto o estádio, de desconhecido uso posterior à Copa. Sem ampliar as opções turístico-culturais, ainda fecha um ponto importante de atração para a cidade. Além do apoio de gente esclarecida, a disputa tem parceiro importante: o Ministério Público do DF baixou procedimento para que o governo local e secretarias criem uma solução para impedir o fechamento, eis que vedado pela Lei Orgânica do DF. Mas, neste país que nos desorienta, uma instância recomenda solução para impedir o fechamento. Outra, federal, manda fechar.

Acredito numa solução rápida e positiva. São muitos os argumentos favoráveis e apenas um em contrário. Vejo os advogados da AGU e o magistrado como pessoas de extremada coragem. Nestes tempos de redes sociais, bullying, comunicação imediata, suas ações pró fechamento serão comentados por largo tempo pela lamentável vitória em fechar um museu e expor o país e suas autoridades maiores. Esta imagem profissional de insensibilidade com o país irá acompanhá-los em toda análise para promoção. Um outro aspecto que não se deve desconsiderar é o período pré-eleitoral. A divulgação dos atos ou omissões de dois governos do PT, o federal e o brasiliense, é carga adicional que os candidatos do partido dispensam neste momento de julgamento do “mensalão” e de desgaste de imagem.

Enfim, reitero a certeza que, com tantos argumentos, apoios, ajudas de pessoas que sequer conheço, estamos fazendo uma barreira sólida para evitar um resultado que em nada interessa, desde o aluno de primeiro grau à presidente da República. Entretanto, quero tranquilizar meus amigos: todos sabem, gosto de automóveis, sua história, mantenho minha convicção que em nossa passagem por aqui devemos construir e não apenas gastar e usufruir, tenho crença na obrigação social de dividir conhecimentos. Entretanto, o que pode se chamar generosidade não se confunde com desvario ou falta de noção. Se o governo do país nas esferas federal e na distrital entendem que museus são desnecessária frescura, que o obscurantismo é melhor que a luz, paciência. Fecharei o Museu, exportarei o acervo, venderei a biblioteca e, talvez, ainda agradeça aos agentes da justiça e da política ter-me poupado dos continuados esforços, da aplicação de tempo, recursos, emoções, e lamentarei ter nascido no país errado.

Você acha que pode ajudar ? Proteste, fale, coloque nas redes sociais, escreva aos políticos de sua região, proteste junto ao gabinete da presidente, ao governador do DF, à ministra da Cultura, ao advogado-chefe da União.

Melhores saudações antigomobilistas do Roberto Nasser, curador

Aqui está a petição pública para quem quiser assinar. Todos que puderem ajudar, ajudem.