Blog do Flavio Gomes
Gira mondo

GIRA MONDO, GIRA

SÃO PAULO (quase) – Se tinha um lugar para cair um meteoro impunemente, era mesmo a Rússia. Hoje pela manhã o bólido enviado por Thor via Unidos da Tijuca adentrou nossa querida e anil atmosfera nos Urais e apavorou a população de Chelyabinsk, a 1.500 km de Moscou. Há relatos de mais de 500 feridos, […]

SÃO PAULO (quase) – Se tinha um lugar para cair um meteoro impunemente, era mesmo a Rússia. Hoje pela manhã o bólido enviado por Thor via Unidos da Tijuca adentrou nossa querida e anil atmosfera nos Urais e apavorou a população de Chelyabinsk, a 1.500 km de Moscou. Há relatos de mais de 500 feridos, a maioria atingida por estilhaços de vidro.

Não sou especialista em absolutamente nada nesta vida, especialmente na vida propriamente dita, mas estudei astronomia por alguns anos e posso cagar regra sobre algumas coisinhas. Uma delas poderia ser a diferença entre meteoro, meteoroide e meteorito, e todos os termos serão usados nos relatos ao longo do dia. Grosso modo, pode-se dizer que está todo mundo mais ou menos certo e mais ou menos errado. Meteoro está mais para o fenômeno luminoso do que para o objeto em si, que é um meteoroide. Meteorito é quando a bagaça atinge a terra, o que não parece ter sido o caso do nosso meteoro russo. Ele se desintegrou na atmosfera e as vidraças quebradas foram resultado da onda de choque causada pela explosão. Assim, correto seria dizer que um meteoroide resultou num meteoro e não virou um meteorito. Mais ou menos isso, mas não tem importância. Como meteoroide é uma palavra ruinzinha, fiquemos com meteoro, mesmo. Que não é tão amado pelos cientistas quando um meteorito — se tem uma coisa que cientista adora é analisar pedaços de qualquer coisa que despenca do espaço.

Mas eu dizia que tinha de ser na Rússia, porque é lá, e só lá, que um fenômeno desse seria registrado instantaneamente com tantos detalhes. A explicação: todo mundo na velha União Soviética anda com uma câmera de vídeo no carro. Esse voyeurismo asfáltico tem a ver com crise moral do país pós-dissolução da URSS. Se tem um lugar onde o trânsito é uma tragédia, as pessoas dirigem como animais e a polícia é corrupta até o último fio de cabelo, é a Rússia. Assim, muita gente usa essas câmeras para se defender em processos judiciais, seja contra a polícia, seja contra as bestas que cometem barbaridades nas ruas. Além do mais, quem tem câmera no carro ganha desconto no seguro. A GoPro ama a Rússia.

Sendo assim, o meteoro foi gravado por milhares de pessoas. Neste link aqui, enviado pelo Rodrigo Lombardi, ele pode ser visto por vários ângulos em vídeos e fotos. Aqui tem mais. E aqui dá para escutar o estrondo da explosão. O que vai dar mais trabalho para os editores de telejornais hoje vai ser selecionar as melhores imagens entre tantas que, durante o dia, vão pingar no YouTube. Mas se vocês virem essas aí indicadas, provavelmente terão visto quase tudo. Uma das mais legais é a do casal num escritório, o cara aparentemente xavecando a bela moça, convidando-a para um café ou um chocolate quente, quando a onda de choque entra pela janela. O malandrov perde totalmente a pose… Mas ninguém se machuca.

O curioso é que esse meteoro que riscou os céus de Ladaland foi aparecer no mesmo dia em que um asteróide respeitável vai passar ao largo da Terra, coisa de menos de 28 mil km de distância, com diâmetro de cerca de 50 m. Vai ser hoje à tarde pelos lados de Sumatra, mas os astrônomos dizem que ninguém vai ver picas.

Em 1908, lá mesmo na Rússia, mas sem câmeras, um pedregulho semelhante adentrou solenemente a atmosfera e a onda de choque destruiu 2 mil km quadrados (não sei fazer aquele “2” pequenino no alto) de floresta. Matou guaxinins, ursos, marmotas, lobos e toupeiras. O bonitão que possivelmente extinguiu os dinossauros há 65 milhões de anos tinha 10 km de diâmetro, mais ou menos (esses valores são sempre meio chutados), e caiu na terra da Terra. Abriu um rombo dos diabos, levantou poeira pra cacete e os pobres personagens de Jurassic Park se foderam sem sol e luz. Foram para o saco e para as telas de cinema, o que acabou sendo um bom destino para bichos tão desengonçados, barulhentos e fedidos.

Tudo isso para dizer que não, o mundo não vai acabar por causa desse meteoro, nem por causa do asteróide que vai passar por aqui a caminho não se sabe de onde hoje à tarde, nem por causa da renúncia do papa — figura que, ultimamente, só serve “para dar sentido à famosa expressão usada quando não ligamos para a reclamação de outrem”, como escreveu no Twitter uma guria amiga minha. O que acaba sendo uma má notícia, porque esse aqui já deu faz tempo.