Blog do Flavio Gomes
Brasil

A FICHA

SÃO PAULO (eu não estou…) – Curiosa a história publicada hoje no Grande Prêmio sobre a “ficha” de Senna no DEOPS — órgão que na ditadura servia para espionar cidadãos, fichá-los, montar arquivos, prender, torturar. O DEOPS, que também foi DOPS, é uma dessas coisas que tem gente que, ainda hoje, defende. Nunca é demais […]

SÃO PAULO (eu não estou…) – Curiosa a história publicada hoje no Grande Prêmio sobre a “ficha” de Senna no DEOPS — órgão que na ditadura servia para espionar cidadãos, fichá-los, montar arquivos, prender, torturar. O DEOPS, que também foi DOPS, é uma dessas coisas que tem gente que, ainda hoje, defende. Nunca é demais lembrar que hoje, 1° de abril, faz 49 anos da mentira que foi a “revolução” militar de 1964. O golpe começou no dia 31 de março com as tropas saindo de Minas e foi consolidado ao longo da madrugada, para derrubar João Goulart, presidente constitucional.

E foi a merda que todos conhecemos pelos 21 anos seguintes.

Mesmo depois do fim do regime militar, o DEOPS continuou funcionando. Já não servia para muita coisa, a julgar pela “ficha” de Ayrton. Estou colocando entre aspas porque chega a ser ridículo alguém ser pago pelo Estado, na época, para fazer relatos como esses que se veem na pasta do piloto.

 

Era só comprar os jornais. Não se tratava de nenhuma informação secreta ou levantada em trabalho de campo pelos competentíssimos arapongas semiaposentados do DEOPS. Desse recorte da “Folha” mencionado no informe, com a data de 15 de novembro de 1990, eu lembro bem. Era editor de Esportes do jornal e a gente tinha sido furado alguns dias antes pelo pessoal de Polícia do “Estadão” com a história do sequestro. Assim, mandei um de meus melhores repórteres, Antonio Rocha Filho, para a porta da casa da família Senna na zona norte da cidade. Me traga alguma notícia, pedi.

Rendeu uma capa do caderno, essa matéria aí catalogada na “ficha” de Senna — que era um malufista juramentado, conservador e carola, e por isso mesmo jamais representaria alguma ameaça ao regime militar, muito pelo contrário. Aliás, são raríssimos os esportistas não alinhados a governos ao longo da história, em todos os países. Aqui no Brasil, os atletas contestadores a gente conta nos dedos das mãos. A turma dos esportes, em geral, é politicamente muito sem graça.

Pedi ao Victor Martins para aproveitar o ensejo e procurar minha ficha nos arquivos do DEOPS — que pelo jeito foram liberados. Afinal, nessa época, 1990, eu já tinha 26 anos e trabalhava no maior jornal do país. Cobri greves e áreas importantes, como educação, ciência e tecnologia, além de ter participado de manifestações pelas “Diretas Já” e de ter xingado uma comitiva do presidente Figueiredo na Paulista uma vez. Alguns anos antes, também rasguei um adesivo de “Ame-o ou Deixe-o” quando fui tirar do vidro da Belina do meu pai. Merecia uma ficha, como não?

Martins não encontrou ficha nenhuma com meu nome, uma enorme decepção. Nem para incomodar o DEOPS eu servi.