Blog do Flavio Gomes
F-1

N’AREIA (3)

SÃO PAULO (gosto pra tudo) – Veje bem. Isso mesmo, veje. Eu adorava quando meu colega Cyro Cesar, locutor da Pan, me parava no corredor e dizia: “Veje bem”. Cyro falava um português perfeito. E não se conformava quando entrevistados soltavam um “veje bem” no ar. Ou um “previlégio”. Sempre que ele mandava um “veje […]

nareia3SÃO PAULO (gosto pra tudo) – Veje bem. Isso mesmo, veje. Eu adorava quando meu colega Cyro Cesar, locutor da Pan, me parava no corredor e dizia: “Veje bem”. Cyro falava um português perfeito. E não se conformava quando entrevistados soltavam um “veje bem” no ar. Ou um “previlégio”. Sempre que ele mandava um “veje bem”, era melhor “vejar”, porque vinha coisa boa.

Pois vejem bem. A corrida de hoje no Bahrein teve uma caralhada de ultrapassagens e, possivelmente, recorde de pit stops. Foram 71 passagens pelos boxes. Se não foi recorde, ficou perto. Depois levanto esses números. Muita gente ficou empolgadíssima com a prova.

Eu não.

Ainda sou um pouco reticente com algumas dessas novidades nem tão novas assim que, verdade, aumentaram bastante o número de ultrapassagens na F-1. A que mais me incomoda é a asa móvel. Desde o início acho uma covardia. O cara da frente não tem como se defender. Por isso que hoje Galvão, sabiamente, sepultou o famoso “chegar é uma coisa, passar é outra”. Passar ficou fácil. Passar é uma coisa igual a chegar.

Eu costumava fazer uma comparação grosseira entre Indy e F-1 com uma analogia usando basquete e futebol. É óbvia. O basquete tem dezenas de cestas por jogo, e a gente não se lembra de nenhuma em especial, com raras exceções. O futebol, não. Poucos gols, resultantes de jogadas construídas, da habilidade especial de um ou outro, aquela coisa toda. E a gente lembra dos gols. São mais escassos que cestas. Mais marcantes e decisivos.

Na Indy, que perdeu relevância, mas vá lá, em algum momento da história foi usada como parâmetro para criticar a F-1, as ultrapassagens são fartas por motivos diversos. Sempre foram. Na F-1, mais raras, certas ultrapassagens são lembradas com admiração por serem parecidas com os gols: estudadas, elaboradas, o bote na hora certa, o talento se sobrepondo à facilidade.

Claro que é melhor corrida com ultrapassagens à farta do que trenzinhos entediantes. Mas em alguns momentos acho que elas estão sendo banalizadas. Hoje foi assim. Apesar de Pérez, que lutou bravamente por posições o tempo todo, com alguma agressividade, sem olhar o adversário — com Button, eu diria que ele foi, em alguns momentos, meio deselegante. Pérez passou onde era mais difícil. Brigou onde era mais perigoso. Talvez pudesse fazer o mesmo que fez de forma menos complicada usando vácuo e asa móvel. Mas ainda bem que preferiu o inesperado ao previsível.

Outros duelos também foram bonitos. Hamilton contra Webber, por exemplo, no final da corrida. E devo estar esquecendo alguns outros. Talvez, justamente, porque foi tudo tão frenético que resvalou na banalidade. No geral, o para-para e o passa-passa foram resultado desses componentes que têm tornado as corridas um pouco mais artificiais do que o desejado. Pode ser uma questão de gosto. Não é nostalgia barata, garanto. Na média, a combinação pneus complicados + asa móvel tem produzido mais corridas boas do que ruins. Só que, sei lá por quê, hoje não curti muito.

De qualquer maneira, vamos à corrida, e com um olhar não tão amargo assim.

Começando com números. Vettel chegou a 28 vitórias e deixou para trás Jackie Stewart nas estatísticas. É o sexto da lista agora, atrás de Schumacher, Prost, Senna, Mansell e Alonso. Raikkonen, o segundo colocado, completou 21 corridas seguidas nos pontos. A última prova em que ele zerou foi o GP da China do ano passado. O recorde pertence a Schumacher, 24 corridas pontuando direto e reto entre os GPs da Hungria de 2001 e da Malásia de 2003. Alonso tem 23 consecutivas, de Europa/2011 a Hungria/2012. Kimi subiu ao pódio pela terceira vez em quatro corridas neste ano e tem 72 troféus na estante. É o quinto maior frequentador de pódios da história, perdendo para Schumacher (155), Prost (106), Alonso (88) e Senna (80).

Isso posto, ao GP.

Muito quente, 29 graus. Galvão falou que eram 38 duas vezes, não sei bem por quê. Talvez o ar-condicionado da cabine não estivesse funcionando. Arquibancadas vazias, tempo meio nublado, sem aquele sol de rachar, temperatura caindo a ponto de, na segunda metade da corrida, Hamilton melhorar barbaramente seu desempenho por conta de alguns graus a menos no asfalto. Estão muito sensíveis, esses carros.

Rosberg manteve a ponta na largada, Alonso saltou bem e passou Vettel, mas nem teve o gostinho de fechar a primeira volta em segundo, porque o alemão deu o troco. Foi na terceira volta que Rosberguinho não resistiu ao assédio de Sebastião — ele nunca resiste — e perdeu a liderança. Na quinta, Fernandinho fez o mesmo. Na sexta, Resta Um. Uma festa. A Mercedes, moedora de borracha, precisa se entender com esses pneus. “Mas eles são iguais para todos e temos de encontrar uma forma de usá-los melhor”, disse Ross Brawn, num rasgo de sinceridade, depois da corrida. Nico teve de fazer quatro paradas e terminou em nono. Não lembro de um pole ter chegado tão atrás numa corrida em condições normais, sem toques, falhas, erros de pit stops ou pneus furados.

Alonso estava na briga, tinha carro para enfrentar Vettel. Mas na oitava volta sua asa móvel travou aberta. Ele foi para os boxes e os mecânicos deram-lhe uns cascudos. Na asa, não no Alonso. Ele voltou, abriu e travou de novo. Aí danou-se. Mais um pit stop na volta seguinte, novos cascudos e a conclusão óbvia: não ia poder mais abrir aquela asa dos infernos e teria de passar todo mundo na marra. “Ah, por que não trocaram a asa?”, pode perguntar alguém. É demorado. Não é como um bico, que você arranca com dois ou três parafusos. Asa traseira demanda um certo trabalho e não valeria a pena.

Massa, que tinha largado de pneus duros para tentar a liderança quando os de pneus médios começassem a parar, não logrou grande sucesso. Porque teve de parar cedo, também. Na 11ª lá estava o brasileiro no box, assim como o líder Vettel. Di Resta e Raikkonen, com carros mais amiguinhos da borracha, ficaram na pista e assumiram a ponta. O forceíndico parou na 15 e Kimi, na 17. Vettel reassumiu a ponta e, já naquele momento, precocemente, era possível dizer que estava decidida a corrida.

Felipe teve um pneu furado logo depois e aí já era. Antes, na largada, tocou em Sutil e furou o pneu do piloto da Force India. Está nas tábuas de Moisés: quem pneu furou, pneu terá furado. Foi o que acabou acontecendo com o brasileiro. E não uma, mas duas vezes. Acabou a prova em 15°, um resultado bem decepcionante para quem largara com expectativas tão altas.

Na altura da 20ª volta abriu-se a segunda janela de paradas. Vettel cuidava bem de seus pneus e só foi trocar na 26ª. Mais para trás, outra corrida acontecia, com uma intensa alternância de posições muito em função das estratégias diferentes de cada um. A impressão que eu tinha era que a maioria das ultrapassagens era desnecessária. As trocas de posições aconteceriam do mesmo jeito nos boxes, uma ou duas voltas depois.

Na metade da corrida Button e Pérez começaram a se esfregar pela primeira vez. Jenson se espantou com a fome do jovem devorador de nachos. Apetite que a gente gosta de ver de fora, mas que poderia resultar num Mal de Montezuma se um dos toques do mexicano na traseira do gentil britânico desse num pneu furado. Bonitton deixaria a gentileza de lado, certamente, e enfiaria uma tortilla no rabo do companheiro depois da corrida.

Não foi necessário, porém. Pérez livrou-se da tortilla no rabo e ainda chegou bem na frente de Button: sexto, em sua melhor corrida pela McLaren, contra um décimo do inglês.

Romã Grojã foi um dos grandes destaques do domingo barenita, num ritmo próximo do alucinante o tempo todo, saindo de 11° no grid para terceiro no final. O pódio, aliás, foi idêntico ao do ano passado: Tião, Tagarela e Grojã. Muito interessante. O francês parou três vezes. Kimi, duas. Di Resta foi o quarto também com duas paradas e Hamilton, que ninguém nem lembrava que estava na corrida na primeira metade, surgiu em quinto com um bom ritmo por conta dos já supracitados graus a menos no asfalto.

Lá na frente, Vettel passeava. Fez seu terceiro pit stop na boa e ganhou sem dificuldades. Alonso, aos trancos e barrancos, passando gente sem asa móvel e abrindo caminho do jeito que dava, salvou uns pontinhos com um oitavo lugar. Webber, em seu 200° GP, foi o sétimo, perdendo duas posições na última volta.

Lendo tudo isso, dá para depreender que foi uma corrida bem agitada. OK, foi. OK, deixemos a amargura de lado e OK, coloquemos esse GP do Bahrein na categoria “corridas legais”. Mas não na coluna de “corridas excepcionais”. Pronto, fica todo mundo feliz.

Na classificação, Vettel foi a 77 pontos, contra 67 de Raikkonen, 50 de Hamilton, 47 de Alonso, 32 de Webber e 30 de Massa. A diferença de 30 pontos entre o tedesco rubrotaurino e o asturiano vermelho certamente preocupa a Ferrari e é mais do que El Fodón esperava em quatro corridas. Vai ter de remar e torcer para seus adversários começarem a gastar logo suas cotas de infortúnios. Alonso já teve dois, na Malásia e hoje, com a asa travada.

Enquanto isso, o finlandês vai comendo pelas beiradas. É um belo carro, esse da Lotus. Só precisa classificar melhor para brigar de verdade por vitórias. Se isso acontecer, Kimi pode sonhar em ser campeão, embora isso não vá mudar muito sua vida.