Blog do Flavio Gomes
Cinema

RUSH

SÃO PAULO (vejam) – Fui ver “Rush” ontem. Num cinema metido a besta, que tem poltronas enormes e dá até para deitar nelas. Contando comigo, havia três pessoas na plateia. Isso não tem muita importância, era segunda à noite, ninguém vai ao cinema numa segunda à noite. Mas, de qualquer forma, fica o registro. Foi […]

bruhlrushSÃO PAULO (vejam) – Fui ver “Rush” ontem. Num cinema metido a besta, que tem poltronas enormes e dá até para deitar nelas. Contando comigo, havia três pessoas na plateia.

Isso não tem muita importância, era segunda à noite, ninguém vai ao cinema numa segunda à noite. Mas, de qualquer forma, fica o registro. Foi o filme com menor plateia que vi na vida num cinema.

Isso tem a ver com o gosto (ou a falta de) do brasileiro pela F-1? Não sei, pode ser. Vocês aí que devem ter assistido ao filme em dias menos esquisitos que segunda-feira, e em cinemas menos metidos a besta, devem ter uma noção melhor da aceitação do tema pelo público em geral. Se eu fosse julgar pelo que havia naquela sala ontem à noite, é zero.

Pelo tema, duvido que pelo filme.

Porque “Rush” é muito bonito. Encantador, eu diria. Menos pela Fórmula 1, mais pelos personagens escolhidos.

Deixando de lado todos os rigores de quem se acha entendido do assunto e fica procurando errinhos factuais aqui e ali, fui ver “Rush” como espectador de cinema, apenas. Tentei, pelo menos, não ser chato. E acho que é por isso que gostei tanto.

Lauda e Hunt não foram os maiores rivais da história. Mas o campeonato de 1976 talvez tenha sido, sim, o maior de todos pelo drama do austríaco e pela maneira como terminou. É difícil imaginar algo mais cinematográfico. O cara quase morre, recebe a extrema unção, volta a correr todo estropiado depois de 40 dias e abre mão do título por uma convicção rara naquele e em qualquer tempo. Ainda assim, perde por um ponto, arrancado pelo rival nos instantes finais de uma prova inesquecível.

Na verdade, Lauda e Hunt foram personagens muito ricos, e é isso que justifica a escolha dos dois como protagonistas de um filme que tem a F-1 como pano de fundo. Há quem considere que os dois foram estereotipados ao longo das duas hora da fita. É impossível não ser assim. Todos estereotipamos figuras públicas. Prost era o professor frio e calculista. Senna, o herói arrojado e destemido. Piquet era o malandro agulha e genial. Mansell, o bobalhão veloz e irresponsável. Schumacher era o vilão maquiavélico e desonesto. Barrichello, a vítima desamparada e injustiçada. Pode-se fazer uma lista interminável de esportistas, políticos, artistas, cantores, escritores, de gente conhecida, enfim, a quem atribuir duas ou três palavrinhas para defini-los. Vivemos estereotipando todo mundo.

Hunt e Lauda eram, de fato, personalidades opostas. O que não quer dizer que se odiavam, como viria a calhar numa história de opostos. Niki chega a ser caricato e engraçado, em algumas cenas. Bem, quem o conhece sabe que ele é mais ou menos assim, mesmo. E a atuação de Daniel Brühl é extraordinária. O ponto alto do filme, acredito, que tem várias outras qualidades e algumas bobagens irrelevantes, como aquela escola de samba no grid do GP do Brasil de 1976.

(Nem sei se naquela corrida, da qual não me lembro, havia passistas de bunda de fora no grid. Mas me irritam essas representações do Brasil como terra do samba e do carnaval. Nos tratam como uma tribo exótica.)

É a trajetória de Lauda naquele ano que sustenta o roteiro. A história está bem contada, no fim das contas. Difícil não carregar nas tintas quando se faz um relato do acidente e da inacreditável recuperação do austríaco. Se há rivalidades na história da categoria bem mais sangrentas, não há paralelo nos quesitos sofrimento e superação — o que, no final das contas, é o que comove as multidões no esporte.

Não se pode assistir a “Rush” como um documentário. Não é. É a história de duas figuras de personalidades extremas e muito diferentes, mas unidas por algo. Não sei se os diálogos entre os dois, especialmente no início de suas carreiras e no final, depois da conquista de Hunt, existiram de fato ou foram imaginadas pelo diretor. Suponho que possam ter ocorrido. Lauda foi consultado, afinal, para que a história fosse o mais fiel possível. Pode ser que ele mesmo tenha fantasiado um pouco, o tempo faz isso com as pessoas — tendemos a dramatizar nossas próprias histórias pessoais. De qualquer maneira, a essência do que eram esses dois pilotos está ali, na tela. A F-1, assim como a vida, une gente muito diferente em algum momento. Gente muito diferente em busca da mesma coisa.

Como qualquer esporte, a F-1 é um pouco uma metáfora da vida. Bons personagens, tendo tragédia e sexo como eixo narrativo, produzem boas histórias. “Rush” é bom porque Lauda e Hunt eram personagens que na F-1 a gente não vê mais. Quem é o Lauda de 2013? Quem é o Hunt de 2013? Quem é a Martina Navratilova de hoje? Quem é o novo John McEnroe? Quem é o novo Cassius Clay? Onde estão os gênios, os loucos, os que aceleram quando a maioria breca?

A vida, como a F-1, perdeu riqueza e graça nos últimos tempos, com comportamentos tão padronizados e patrulhados. São tempos, os nossos, medíocres e de gente medíocre. Qualquer história dos anos 70 será sempre melhor que qualquer uma de hoje. Hamilton, Vettel e Alonso não serão nunca personagens de um filme de cinema capaz de emocionar alguém.

Por isso “Rush” é legal.