Blog do Flavio Gomes
Grande Prêmio

O FIM DO TAZIO

SÃO PAULO (acaba logo, 2013) – Sete anos atrás, pouco mais, pouco menos, o amigo Fábio Seixas veio ao meu escritório, na Paulista, no maior formalismo do mundo. Só faltou colocar terno e gravata. Achei aquilo esquisito porque se tem uma coisa que eu e o Seixas nunca exercitamos foi qualquer traço de relação formal. […]

Tazio Nuvolari: o grande piloto dos anos 30 foi a inspiração para o nome do site que hoje encerra suas atividades
Tazio Nuvolari: o grande piloto italiano dos anos 30 foi a inspiração para o nome do site criado pelo jornalista Fábio Seixas, que hoje encerra suas atividades

SÃO PAULO (acaba logo, 2013) – Sete anos atrás, pouco mais, pouco menos, o amigo Fábio Seixas veio ao meu escritório, na Paulista, no maior formalismo do mundo. Só faltou colocar terno e gravata. Achei aquilo esquisito porque se tem uma coisa que eu e o Seixas nunca exercitamos foi qualquer traço de relação formal. Fala logo, meu filho, o que aconteceu? “Eu e o Odinei vamos montar um site”, ele disse.

Foi, talvez, a única vez em que o Seixas se dirigiu a mim sem me chamar de “anão”, “seu bosta” ou “seu merda”. O Fábio se achou na obrigação de me comunicar que dali a alguns meses colocaria no ar o Tazio, em sociedade com o narrador da Rádio Bandeirantes, Odinei Edson. Por quatro anos, nas temporadas de 2002 a 2005, nós três formamos o time da emissora na cobertura e transmissão das corridas de F-1. O site seria um novo negócio dele, que passaria a ser meu concorrente. Daí ele ter se sentido obrigado a me dar alguma satisfação. Que me lembre, o único comentário que eu fiz, na hora, foi: que porra de nome é esse?

Esse tipo de coisa é muito rara, dar satisfação, ser leal, honesto e transparente. E foram estas as características do Tazio e de todos que nele trabalharam nos anos seguintes, inclusive depois de ser vendido ao empresário Caio Maia: um site feito por gente leal, honesta e transparente.

O Tazio sempre foi um rival de peso, entre outras coisas por estar hospedado no UOL, portal concorrente do iG e do MSN — no primeiro, onde o Grande Prêmio esteve de 2000 a março de 2012; no segundo, onde está desde então. Na estrada havia muito tempo (o site Warm Up estreou modestamente em 1996, quando a gente não sabia direito o que seria a internet, mas por via das dúvidas foi entrando), o Grande Prêmio não foi propriamente afetado pela chegada do Tazio. Nossa audiência sempre foi muito sólida, formada por leitores chatos e fiéis, nossa reputação, idem, e o modelo de negócios que adotamos desde o início não se alteraria em função de qualquer espécie de concorrência. Mas a gente se aprumou, claro.

Melhoramos, passamos a observar atentamente o que “eles” faziam, criamos algumas coisas novas e fomos em frente. Dividimos audiência e notícias nesse tempo todo e os dois sites acabaram praticamente monopolizando a informação sobre esportes a motor na internet brasileira. Sem que um tirasse leitores do outro, diga-se. Público de automobilismo é sedento por informação boa, de qualidade. Quanto mais, melhor. Ambos, Tazio e Grande Prêmio, ofereciam isso.

Pois o Tazio não vai oferecer mais. A empresa que assumiu o site alguns anos atrás decidiu concentrar suas atividades em outras áreas e nosso concorrente sairá do ar hoje, dia 31 de dezembro como informa a equipe do site neste link.

Não cabe aqui discutir as razões dos novos donos. Cada um sabe o que faz com seus negócios. Mas cabe, sim, lamentar e refletir sobre o fim de uma página importante, conduzida desde o início por profissionais sérios, competentes e comprometidos com o bom jornalismo. Viabilizar qualquer projeto editorial na internet, hoje, é um exercício de criatividade e sacrifício. Sei bem do que estou falando. O mercado publicitário relutou durante muito tempo em entender o que significa a rede, ainda reluta, e as mudanças na própria são muito velozes e por vezes difíceis de acompanhar.

Aos trancos e barrancos, o Grande Prêmio sobreviveu a um período muito difícil entre 2002 e 2005, mais ou menos. Só não fechou as portas por insistência deste que vos fala, pela competência e dedicação dos que aqui trabalharam e ainda trabalham e por uma crença cega no futuro da internet. Não erramos em insistir. Não há dúvidas de que é aqui que as pessoas passaram a se informar, embora a solidez financeira de negócios independentes seja semelhante à de uma gelatina Royal. No fim das contas, quem continua ganhando dinheiro e concentrando investimentos na internet são os grandes grupos de comunicação e tecnologia, com seus portais e aplicativos. Isso não mudou muito. E o crescimento arrasador de ferramentas como o Facebook e outras redes sociais achatou os valores da publicidade, fez com que gigantes como o Google atacassem esse mercado e passassem a concentrar verbas que foram matando páginas independentes e passaram a ameaçar até os grandes portais.

É um mundo novo e incerto, que vai deixando mortos e feridos pelo caminho. Os jornais e revistas impressos que o digam. São abatidos como moscas, muito em função da enorme oferta gratuita de informação (nem sempre boa e confiável) na internet, muito em função do mau jornalismo que passaram a praticar quando tiveram de cortar custos para enfrentar a concorrência das novas mídias.

A verdade é que ninguém sabe direito onde isso vai parar. Com a popularização dos smartphones e tablets, então, arrisco dizer que a imensa maioria dos consumidores de informação, hoje, não se importa muito com a origem dela. Batem o olho rapidamente em manchetes e se sentem informados, sem a menor profundidade. Todo mundo virou especialista em generalidades. E esses novos dispositivos, igualmente, concorrem com quem produz informação na medida em que oferecem muito mais entretenimento do que leitura — a saber, coisas como Instagram, Whatsapp, Snapchat, YouTube, Twitter, joguinhos e sei lá mais o quê. Que ninguém se iluda achando que as pessoas hoje leem tudo nos seus celulares, que passaram a ser todos eruditos bem informados e atualizados sobre as coisas do universo. Antes, esses pequenos brinquedinhos do capeta se tornaram centrais de entretenimento, mesmo. Quando se vê alguém com fones de ouvido mergulhado numa telinha de celular dentro de um ônibus ou metrô, num restaurante ou mesmo caminhando na calçada — e todo mundo fica assim o tempo todo —, pode ter certeza: não é Saramago que está chegando ao povo, nem a versão em português do “El País”, muito menos um concerto da Filarmônica de Berlim; é alguém que está vendo um vídeo idiota do Danilo Gentili, lendo notícias sobre o vestido da Claudia Leitte, se informando sobre o próximo Big Brother, ou escrevendo “adorooooo” para uma foto de joelhos bronzeados em Caraguatatuba.

Assim, produzir conteúdo, conquistar leitores e fazer com que o mercado publicitário aposte em páginas que têm como função primordial informar não é fácil. Talvez por isso o Tazio esteja se despedindo hoje. Claro que é legislar em causa própria, mas me parece evidente que as empresas que poderiam e deveriam investir em sites de nicho, que têm milhares de leitores fiéis e exigentes, têm sido muito contemplativas diante desse cenário. As agências que cuidam das contas desses clientes preferem o mais fácil, que é torrar fortunas em comerciais na TV ou nas páginas de uma ou outra revista ou jornal, porque é igualmente mais fácil apresentar resultados genéricos. “Olha aqui, a ‘Veja’ tem um milhão de assinantes, então seu anúncio foi visto por um milhão de pessoas”, dizem. Ou: “O ‘Jornal Nacional’ teve 20 milhões de telespectadores, então seu anúncio foi visto por 20 milhões de pessoas”.

Foi assim por um tempo, mas quem tem noção do que é retorno concreto e da eficácia de qualquer peça publicitária, ainda mais com os recursos que a internet oferece, sabe que não é dessa maneira que as coisas funcionam no mundo real. Primeiro, que os números muitas vezes são inflados ou, simplesmente, inventados. Depois, que nada garante que os 20 milhões de telespectadores estimados de determinado programa de TV tenham visto o comercial X. Ou que o milhão inteiro de leitores (se eles existirem, claro) da revista capenga tenha prestado atenção no anúncio Y. E desse milhão, quantos se interessam realmente por um pufe ou um sofá? Qual o resultado, enfim, além de poder mostrar o anúncio publicado ou gravado num clipping para o cliente?

Na internet, os resultados são mais precisos. Ontem, por exemplo, mais de 300 mil pessoas acessaram o Grande Prêmio para ler notícias sobre Michael Schumacher. É mais do que a tiragem diária da “Folha”. “Ah, mas a ‘Folha’ tem 300 mil leitores diários e vocês só tiveram ontem’, dirá alguém. OK. Mas quantos desses 300 mil leem diariamente o que sobrou do caderno de Esportes? E desses, quantos leem notícias de F-1? Faz sentido alguém pagar caro por um espaço na página do jornal onde se encontra o noticiário de F-1 sem saber quantas pessoas vão, efetivamente, passar os olhos por ali?

Nossa audiência de ontem não é um número estimado, é real. Foram 300 mil almas diferentes que procuraram o site atrás de algo muito específico, pessoas que têm igualmente interesses específicos, que formam uma massa de leitores verdadeira, e não chutada. Por valores muito menores do que os praticados na chamada grande mídia, anunciantes podem atingir públicos muito mais promissores. Todos, sem exceção, gostam de carros, de corridas, consomem produtos ligados ao esporte e ao automóvel, colocam gasolina e álcool no tanque, compram pneus, têm perfil muito claro no que diz respeito à faixa etária, renda, gostos, hábitos de consumo etc.

Não é fácil, porém, romper práticas de décadas. Cedo ou tarde, no entanto, isso vai acontecer. Porque os anunciantes vão perceber que gastar uma fortuna numa página de uma revista que ninguém mais lê (porque é ruim e irrelevante, não porque é uma revista), ou num jornal que vai embrulhar peixe (não porque é jornal, mas porque é tão ruim que só serve para isso mesmo), é rasgar dinheiro. O público migrou para fontes mais confiáveis, ágeis e completas. Na internet tem muita porcaria, claro, mas tem muita coisa boa, também. É, hoje, a mídia mais importante para 88% dos consumidores de informação no Brasil, de acordo com o levantamento “Brasil Conectado – Hábitos de Consumo de Mídia” do IAB Brasil. 38% dos 2.075 entrevistados nesse estudo passam, pelo menos, duas horas por dia navegando na internet, sem contar o tempo gasto lendo e-mails ou trocando mensagens instantâneas; 27% deles gastam o mesmo tempo vendo TV e apenas 7% lendo revistas ou jornais.

O problema é que nem todo mundo tem fôlego, teimosia e disposição, no caso dos sites jornalísticos, para esperar o momento em que esse jogo vai virar. O Tazio resistiu quanto pôde, e cumpriu sua missão com louvor. Nós, do Grande Prêmio, não temos nada a comemorar com a extinção de nosso maior concorrente. Não vamos herdar audiência, nem verbas publicitárias. Vamos, apenas, perder mais uma referência importante na prática do bom jornalismo. Os leitores, também.