Blog do Flavio Gomes
F-1

FOI MAO

SÃO PAULO (cidade linda, vazia) – É sabido que na China, apesar da exuberância comercial, arquitetônica e consumista, persiste um regime duro em que o governo procura controlar seu bilhão e cacetada de habitantes, além dos estrangeiros que ciscam por lá — seja a trabalho, seja por turismo. Assim que o serviço secreto chinês designou […]

foimao1SÃO PAULO (cidade linda, vazia) – É sabido que na China, apesar da exuberância comercial, arquitetônica e consumista, persiste um regime duro em que o governo procura controlar seu bilhão e cacetada de habitantes, além dos estrangeiros que ciscam por lá — seja a trabalho, seja por turismo.

Assim que o serviço secreto chinês designou um espião-jornalista para a corrida do fim de semana, que foi credenciado e ficou encarregado de identificar os inimigos da revolução em Xangai.

Conheço o rapaz, porque na Olimpíada de Pequim ele cumpriu a mesma função e descobri que era espião quando o vi escondendo um gravador de rolo com a tecla REC acionada dentro da minha mochila. Perguntei o que era aquilo e ele acabou confessando que estava de olho em mim desde o início dos Jogos e que pretendia entregar as gravações de meus diálogos aos seus superiores para provar que eu era trotskista, e portanto oferecia risco aos princípios capitalistas da nova China se saísse por aí conversando com o povo chinês, algo que eu não faria, de qualquer maneira, porque a única palavra que sabia dizer em chinês era “obrigado”.

Acabamos ficando amigos e ele me vendeu o gravador de rolo, equipamento meio defasado para a missão que lhe foi encomendada. E hoje de madrugada, nas imagens da TV, reconheci o rapaz perambulando pelos boxes. Ele estava disfarçado, mas na hora vi que era ele por causa de outro gravador de rolo pendurado no ombro e pela minicâmera que grava em VHS escondida debaixo do sobretudo.

Faço esta breve introdução para explicar os títulos das notas que serão usadas neste fim de semana sacro de corrida na China, já que meu amigo espião, De Doduling, tem uma característica muito própria: ele sempre leva boas notícias aos seus chefes porque não gosta de encrenca, já que é igualmente sabido que na China os caras costumam matar o mensageiro se a mensagem não for muito agradável, isso desde os tempos imemoriais da Dinastia Ming.

E foi precisamente o que aconteceu hoje. De Doduling foi encarregado de espionar Maldonado e ficou na cola do venezuelano o tempo todo, uma vez que o piloto da Lotus é suspeito de ser bolivariano, comunista e chavista. Procurou monitorar todas as entrevistas e inclusive as comunicações de rádio para produzir um relatório caprichado que fizesse algum sentido e, ao mesmo tempo, mostrasse aos seus chefes que Pastor não oferecia perigo algum, e assim agradá-los mostrando que a grande China não corre nenhum risco com sua presença. Muito pelo contrário. De Doduling confeccionou um relatório que deixou seus chefes felicíssimos, já que provou por A + B que Maldonado reza pela cartilha do Partido, concorda com tudo que prega o governo da China e admira seus líderes históricos.

Para tal, pinçou uma gravação do rádio e em torno dela construiu toda uma história que encantou os chefes e garantiu a ele, De Doduling, tranquilidade para seguir seu trabalho no sábado e no domingo. Quando Maldonado, de forma bizarra, bisonha e grotesca, bateu na entrada do box no segundo treino de hoje, acionou o rádio meio constrangido e disse para a equipe: “Foi mal”.

Usando sofisticados recursos de edição, De Doduling montou uma entrevista fictícia para provar que Maldonado “é dos nossos”, como escreveu na conclusão de seu relatório. Na montagem em áudio, inseriu uma pergunta em espanhol que conseguiu gravar nos boxes da Ferrari assim que terminou o treino, quando Alonso saiu de seu carro feliz com o segundo lugar: “Quem foi que conseguiu melhorar tanto isso aqui?”, exultou o asturiano, que tinha sido o mais rápido no treino da manhã, incrivelmente.

Na transcrição da entrevista fajuta que entregou aos chefes para tranquilizá-los sobre eventuais falhas no sistema de segurança do país, que teria permitido a entrada de alguém perigoso como Maldonado (e se eles, os chefes, concluíssem que Maldonado era um risco, poderia sobrar para ele, De Doduling, já que seu tio trabalha no controle de passaportes do aeroporto de Xangai), o espião escreveu:

Um jornalista da Venezuela ficou admirado com o progresso obtido nos últimos anos pelo Governo Central e o investigado (Maldonado, Pastor) demonstrou todo seu entusiasmo e engajamento quando lhe foi feita a pergunta “Quem foi que conseguiu melhorar tanto isso aqui?”. “Foi Mao”, respondeu o piloto (gravação anexa, fita 004, aos 3min45s). O investigado é um seguidor de nosso Grande Líder e comprou até um relógio na entrada do autódromo que exalta sua figura onipotente e infalível (foto anexa, tirada sobre a mesa no escritório da equipe com a nova máquina fotográfica cedida pelo Escritório, a mini Rolleiflex já com filme colorido).

Muito perspicaz, De Doduling. Seus chefes devem ter ficado mesmo muito contentes com a conclusão do relatório, de que Maldonado é um maoísta empedernido, capaz de qualquer coisa para defender a revolução e o Grande Líder, espalhando sua mensagem para o mundo através das corridas de carros.

E vocês querem saber? O que de mais importante aconteceu na madrugada de hoje em Xangai, no que diz respeito à F-1, está no relatório de De Doduling: a batida de Maldonado na entrada dos boxes e o desempenho surpreendente da Ferrari, com Alonso.

O resto foi tudo absolutamente normal. Mercedes na frente, com Hamilton, Red Bull se aproximando em quarto e quinto, com Ricardão andando mais que Tião Alemão, que já está ficando meio ensimesmado com essa história, Williams bem com Massa (sexto) e o bolo de gente a mais de um segundo dos prateados, novamente favoritos à vitória, mas talvez sem a moleza que tiveram no Bahrein.

Ah, tem previsão de chuva para a classificação. Fez muito frio hoje em Xangai, inclusive. Se isso acontecer, a Williams vai sofrer, porque o carro é ruim de água. O próprio Alonso não demonstra muito entusiasmo com a possibilidade de andar no molhado. Gostou do que aconteceu hoje e, por ele, o clima permaneceria seco até o fim dos tempos.

Voltamos mais tarde, agora tenho TV.