Blog do Flavio Gomes
F-1

ACENDERAM AS LUZES, CRUZES! (3)

SÃO PAULO (embalou) – Foi mais ou menos como um jogo de basquete, o GP de Cingapura. A corrida foi se arrastando, arrastando, como aquela partida em que são dois pontos pra cá, dois pra lá, e vai empatado até o fim, e nos últimos segundos, estes sim emocionantes, a coisa se resolve. Por isso […]

gregroypeckSÃO PAULO (embalou) – Foi mais ou menos como um jogo de basquete, o GP de Cingapura. A corrida foi se arrastando, arrastando, como aquela partida em que são dois pontos pra cá, dois pra lá, e vai empatado até o fim, e nos últimos segundos, estes sim emocionantes, a coisa se resolve. Por isso que jogo de basquete, assisto só aos últimos dois minutos. Que costumam levar 20.

A prova de agora há pouco na feérica cidade-estado do sudeste asiático, onde quem cospe chiclete no chão vai para a masmorra, foi um pouco assim. As últimas voltas foram divertidas, do ponto de vista estético. Boas ultrapassagens, posições definidas a poucos metros da bandeira quadriculada, alguns dramas e tal. Antes disso, deu um pouco de sono.

Mas teve uma coisa muito interessante: a excepcional atuação de Hamilton na sua disputa contra o cronômetro, por ter optado, nas suas duas primeiras paradas, por pneus supermacios. Isso o obrigou, como obrigaria qualquer um, a usar o macio depois da terceira parada — força de regulamento, precisa usar os dois tipos de borracha disponíveis em todo GP, imagino que todos saibam disso. Só que rolou um safety-car aí no meio, e ele não parou. E o pelotão chegou. E alguns pararam, e outros, que já estavam com pneus macios, não precisariam parar mais — ao menos, tentariam ir até o fim.

Isso tudo significava que, depois da relargada, Lewis teria de abrir mais de 25s para o segundo colocado, fosse quem fosse, para poder parar pela terceira vez e ainda sonhar em ganhar a corrida. E essa batalha de abrir segundo por segundo a cada volta foi bem bacana.

Mas vamos ao início, porque se Comandante Amilton tinha apenas a ampulheta como adversária, era porque seu único rival no ano, Rosberguinho, a despeito do favoritismo que lhe imputei ontem (e errei, claro), sifu. “Sifu” é uma palavra do idioma tâmil, quase extinto, que quer dizer “fodeu-se”. E foi antes mesmo da largada. No grid, notava-se um certo agito em torno de seu carro. Quando foi liberada a volta de apresentação, o pobre Nico ficou estancado na pista.

“O que aconteceu?”, perguntou Hamilton pelo rádio. “Nico sifu”, respondeu seu engenheiro. “Sifu?”, questionou Lewis, sem entender patavina. “Não posso falar claramente, as novas regras proíbem que eu responda qualquer pergunta sua”, continuou seu engenheiro. “Mas use o tradutor on-line no painel e coloque ‘sifu'”, orientou. “Estou sem sinal de 3G”, reclamou o piloto. “Use wi-fi, procure a rede ‘sabotage’, que é a nossa”, instruiu o engenheiro. “Achei. Qual é a senha?”, prosseguiu o britânico. “Anota aí: ‘nicosifu’, tudo junto, em minúsculas”, informou. E finalmente Lewis descobriu o que queria dizer “sifu”. Essas novas orientações da FIA sobre mensagens codificadas realmente vão dar muito trabalho às equipes.

Bem, Nico sifu. Foi empurrado para os boxes e teria de largar do pit lane. A corrida começou, com Hamilton sossegado na frente, seguido por Alonso. O espanhol, porém, no entanto e contudo, passou Ricciardo e Vettel por fora da pista, pelo estacionamento de um supermercado, e devolveu a posição ao alemão, livrando-se de uma punição. Aliás, aconteceram várias, por uso de pista que não é pista. Mas nada muito sério, e apenas uma quase resultou em algo relevante, para Vergne. Mas ele terminou a corrida brilhantemente em sexto, e na penúltima volta da corrida passou três de uma vez só.

Mas voltemos ao início. Enquanto a filinha indiana se formava lá na frente, Nico não conseguia passar nem Marussia, nem Caterham, nem tuc-tuc. Seus tempos eram cerca de 5s piores que os de Hamilton, o líder. Oh, o que está acontecendo?, perguntava-se o povo. Na primeira imagem on-board, ficou claro: uma pane dos diabos nos sistemas eletrônicos de seu carro. As marchas pulavam. Quando ele estava em segunda e queria engatar terceira, o câmbio saltava para quarta. E de terceira para quinta. E de quarta para sexta. E aí não tem Cristo que faça um carro render.

Arrastando-se, Rosberguinho foi para os boxes na volta 14. Trocaram seu volante. Reiniciaram o sistema. Esses carros cheios de softwares são assim, um verdadeiro cu eletrônico. Já era o terceiro volante do dia, com seus infinitos botões e conexões. Depois que a tela deu um “welcome, Nico, faça seu login” e pediu a senha (“Esqueceu a senha?”, deu para ler), ele tentou engatar a primeira para voltar à corrida e apareceu “N” no volante. “N” de “não”, “nenhuma”, “necas”, e tchau. Acabou a prova para o alemão.

Enquanto isso, a primeira janela de paradas já tinha sido aberta e quase todo mundo repetia os pneus supermacios, muito mais rápidos. Hamilton parou na 14ª. Depois dos pit stos, o mercêdico liderava com 7s de vantagem para Vettel, que tinha atrás dele El Fodón, Ricardão, Massacrado, Kimi Dera e Sapattos. Distâncias enormes entre todos eles e corrida chata e sonolenta.

Até a segunda janela para troca de pneus, nada digno de nota aconteceu. Na 23ª volta, Massa parou e colocou pneus macios. A ideia original, claro, era de mais uma parada. Alonso meteu supermacios. Vettel, macios. E perdeu a posição para o espanhol. Na 27ª volta foi a vez de Hamilton seguir para os boxes. Chicletão, também, num pit stop lerdo que permitiu a aproximação de Alonso. Após as paradas, 3s9 o separavam do ferrarista. Então, na volta 31, safety-car. Pérez tocou em Sutil e destroçou sua asa dianteira, cujos destroços ficaram espalhados por milhões de quilômetros quadrados. Foi o sétimo GP de Cingapura. Em todos eles o safety-car foi acionado.

Nessas, Alonso, espertinho, parou e colocou pneus macios. Vettel, Hamilton, Massa, Ricciardo e outros moscaram e não pararam. Foi uma aposta interessante do asturiano, porque os demais teriam uma segunda metade de corrida complicada. Ou tendo de fazer voltas muito rápidas para fazer um terceiro pit stop (caso de Hamilton), ou tendo de poupar borracha para não parar mais — caso dos demais. Mas no fim das contas, a tentativa de Fernandinho não deu muito certo.

A relargada aconteceu na volta 38. Levaram sete voltas para varrer o asfalto. Hamilton, da turma da frente, era o único que tinha obrigação de parar, já falei disso, por conta do regulamento. E saiu acelerando loucamente. Na volta 40, já tinha 6s9 sobre Vettel. Na 43, 12s. Na 45, 15s3. Na 49, 22s7. Viram como fui anotando? Na 52, 25s1. Ops. Agora já dá.

Com a borracha estropiada, foi para o box na volta 53 e conseguiu voltar entre os dois carros da Red Bull, em segundo. Passar Tião seria uma questão de tempo, pouco tempo. Vettel tinha pneus velhos. Ele, novos. E um carro melhor. Na volta 54, passou como quis. A disputa não durou mais do que 20 segundos. E então, as últimas seis voltas (a prova teria 61, mas acabou com 60 porque estourou o tempo de duas horas) foram legais, com Ricciardo e Alonso chegando perto de Vettel, Vergne, depois da punição, atropelando Raikkonen, Bottas e Hülkenberg (tinha colocado pneus novos na volta 44), Massa se segurando com os pneus arregaçados (“Passei a guiar como uma vovó”, disse o brasileiro ao Marcelo Courrege, da Globo; a equipe mandou ele ficar com aqueles pneus até o fim, e ele achou que seria impossível), Pérez voando baixo, Bottas sem pneus (na mesma situação de Massa) errando na última volta e caindo de sexto para 11º, e fim de papo.

Assim, os dez primeiros: Comandante Amilton, Tião Alemão (voltando ao pódio depois de sete corridas; o último tinha sido no Canadá), Ricardão Sorrisão, El Fodón de la Cuarta Posición, Massacrado, Verme, Maria do Bairro, Kimi Dera Eu Tivesse Pneus Novos Também, Incrível Hulk e Magnólia Arrependida (que durante o safety-car erguia os braços contra o vento para resfriar as mãos; esquisitinho, esse rapaz, mas é preciso ser justo, coitado: seu cockpit aqueceu além da conta e ele teve de ser atendido com sintomas de queimaduras na bunda depois da corrida).

Foi a sétima vitória de Hamilton no ano, 29ª na carreira. Como Rosberguinho zerou, o britânico muito zen voltou à liderança do Mundial, condição que não conhecia desde 11 de maio, depois do GP da Espanha. Em Mônaco ele perderia a ponta para Rosberg, recuperando só agora. O placar aponta 241 a 238. Querem saber? Está demais, este campeonato. Ainda temos cinco GPs pela frente. O momento é de Hamilton, neste sobe-desce interminável. Pode mudar a qualquer momento. Poucas disputas foram tão apertadas nos últimos anos. Só consigo lembrar, mesmo, de Senna x Prost.

Quando se tem uma reedição de Senna x Prost tanto tempo depois, não dá para reclamar da vida.