Blog do Flavio Gomes
Gomes

KOMBOSA TRIP, DIAS #11, #12, #13 E #14

SÃO PAULO (saco) – Eu tinha anotado tudo num treco chamado “notas” no celular, mas desapareceu. Não dá para confiar nessas tecnologias. Resolução de ano novo: usar apenas e tão somente papel e caneta para anotar as coisas. Mas não tem importância, está tudo fresquinho na memória. Aliás, no papel usado nos primeiros dias está tudo […]

SÃO PAULO (saco) – Eu tinha anotado tudo num treco chamado “notas” no celular, mas desapareceu. Não dá para confiar nessas tecnologias. Resolução de ano novo: usar apenas e tão somente papel e caneta para anotar as coisas.

Mas não tem importância, está tudo fresquinho na memória. Aliás, no papel usado nos primeiros dias está tudo anotadinho, a começar do começo: 6/12, 4h35, saída de casa.

E hoje, 20/12, 2h53, chegamos em casa.

Foram 5.160 km em duas semanas com a velha Kombi modelo luxo, vermelha e branca, fabricada em 1965, já com motor 1.500 cc, passando por quatro Estados e mergulhando no Uruguai. No início — aliás, bem no início, apenas no primeiro dia –, anotamos gastos com gasolina e quilometragem em marcos importantes como as passagens pela divisa de São Paulo com o Paraná, depois com Santa Catarina, um pouco adiante com o Rio Grande e, mais para a frente, com o Uruguai, onde nos fixamos por dez dias na Casa Tatu, em frente ao Teatro Solís.

Depois, não anotamos mais nada e tratamos de nos divertir.

Os relatos neste blog pararam em Colônia, creio. Então, vamos aos últimos dias.

Na terça, a Kombi ficou praticamente de folga. Reservamos a manhã para procurar um lugar onde pudéssemos trocar o óleo, só por precaução. Já tínhamos rodado quase 3 mil km. O nível não baixou e a cor e textura estavam ótimas, mas mesmo assim trocamos. Demorou para achar um lugar legal, mas deu tudo certo.

Depois do almoço, fomos às compras num shopping, porque sempre tem de comprar alguma coisa, e no fim da tarde resolvemos passear de bicicleta na rambla. Não trouxemos as nossas, e não deu para pegar aquelas de aluguel porque precisa de cadastro e tal. Mas o cozinheiro e o garçom do café que fica embaixo da Casa Tatu emprestaram as deles. Café Bacacay. Conheçam, se puderem.

Começamos a longa jornada de volta na quarta, sem pressa. No caminho, paramos para comprar azeite direto do produtor num campo de oliveiras e aprendemos um bocado sobre azeitonas e fabricação. Mais sobre as plantas, na verdade. Soubemos, por exemplo, que elas entram no auge da produção aos dez anos de vida. E que vivem para sempre. Algumas citadas na Bíblia devem existir, ainda.

Mas foi rápida, a visita. Pé na estrada, com Aguena ao volante, porque de noite ela não gosta de dirigir. Aí, nas proximidades de San Carlos, acho que era essa a cidade, a Kombosa fraquejou. Começou a perder potência e imaginei que podia ser vela, algo assim. Parecia estar com cilindro a menos.

Entramos na cidade atrás de um mecânico, porque eu até podia trocar as velas, mas queria ter certeza que era isso mesmo, para não ter trabalho à toa. Não achamos uma alma sequer capaz de olhar a Kombi, até que passando em frente a um borracheiro, para perguntar onde poderíamos encontrar um mecânico vivo e acordado, o rapaz dos pneus perguntou o que era e pediu para dar uma olhada. Disse a ele que achava que era vela, e resolvemos trocar. As duas dos cilindros mais próximos à tampa do motor estavam carbonizadas. Trocamos, e a Velha Senhora voltou a roncar com saúde. Eu tinha as velas, levei de reserva. Nunca se sabe.

Preço: nada, camaradagem. Demos 140 pesos ao rapaz e tocamos em frente.

A esticada previa como destino final Pelotas. Depois de trocadas as velas, seguimos tranquilos, passando inclusive pela intrigante pista de pouso no meio da Rota 9 (alguém me conte uma boa história dessa pista?) e parando na Punta del Diablo para conhecer a praia “roots” antes de chegar ao Chuí, por volta das 19h30. Saímos do Uruguai e entramos no Brasil sem nenhum tipo de problema, nem controle. É normal, e espero que um dia essas fronteiras sejam como na Europa, totalmente livres.

Demos uma paradinha no Free Shop, que tem isso em fronteira seca, para quem não sabe. Compramos mais uns badulaques e seguimos adiante, sem sermos parados também na aduana brasileira. Nada, nenhum controle. Ah, se tivesse sido assim uns aninhos atrás…

No caminho, num posto nas franjas de Santa Vitória do Palmar, conhecemos, tarde da noite, o casal Extremidades Vermelhas e Passe Livre. Ela de Santa Catarina, ele de Brasília. Estavam viajando até Ushuaia. Com uma barraca e o dedão para pedir carona. Uau. O rapaz falou até com certa indignação do pouco tempo que tem para viajar por ano. “Só três meses.” Uau de novo. Um pouco adiante, paramos na BR471 e apagamos os faróis para ver as estrelas.

Há algumas vantagens em viajar de carro, sem hora para nada. Uma delas é ver as estrelas. Vimos também uma tartaruga atravessando a pista no Taim e um tatu. Além de um monte de capivaras atropeladas

Chegamos a Pelotas entrando pela madrugada, de novo direto para o Motel Arizona, e ainda nos deram o mesmíssimo quarto da ida.

Quinta-feira, destino Floripa. Aguena de novo ao volante na abertura da jornada, num trecho duro da BR116 rumo a Porto Alegre. Falei outro dia que o governo não podia demorar tanto para duplicar essa estrada. OK, mantenho a opinião. Mas que é uma megaobra, é. E está andando. Que se apressem.

Pegamos a Freeway de dia, desta vez, e portanto não levamos nenhuma pedrada. Chegamos a Floripa bem tarde, também, procurando um bom motel na beira da estrada para facilitar as coisas. Encontramos um horrível, Dallas, mas achamos conveniente seguir a linha “Estados Americanos” para dormir.

A sexta foi de outra esticada enorme, Floripa-SP, sem passar pela Serra do Cafezal. Decidimos ir por Peruíbe, Itanhaém, Praia Grande. Mas a Kombosa fraquejou de novo num trecho complicado, a serra entre Joinville e Curitiba, debaixo de uma puta chuva. Por sorte, em Guaratuba, apareceu um mecânico num recuo da estrada. Acir, o nome dele. Paramos, achei que eram as velas de novo, no fim trocamos platinado e rotor. Preço: 30 reais. As velas estavam OK. O platinado, mais ou menos. Eu também tinha de reserva. Perdemos uma horinha na brincadeira, nada muito grave.

E assim fomos, passando por Curitiba, pela Serra do Azeite, Registro, pelos postos da vida (há ótimos, Túlio, Graal, Rodo Rede), antes disso cruzamos um casal doido de argentinos que está indo para o Alasca e pretende viajar dez anos num motorhome Dodge bem feio e fedido, e eles tinham 60 reais no bolso, e compramos artesanato deles para ajudar, e duvido que cheguem a Criciúma, e pegamos a Imigrantes de madrugada, a Kombi sofreu para subir a Serra do Mar, e às 2h53 estacionei a mocinha na porta de casa, acordei Aguena, e assim terminou nossa trip, com suavidade e ternura.

Não sei quanto gastei de gasolina, e o saldo com mecânicos foi de 64 reais, sendo 24 de caixinha, três velas trocadas (uma do fundo não sai nem por decreto), um fio que se soltou do alternador, um platinado e um rotor do distribuidor idem, uma regulada na boia do carburador em Pinheira, no começo da viagem, um prisioneiro do escapamento apertado em Montevidéu pelo Richard, e mais nada. Nos últimos 200 km o farol travou no alto e a buzina, por alguma razão, deixou de funcionar.

O que não é nada para um carro que nos deu tanto nestas últimas duas semanas.