Blog do Flavio Gomes
Gira mondo

GIRA MONDO, GIRA

SÃO PAULO (London, London) – Eu e o Seixas tínhamos combinado de nos encontrar na Avis de Heathrow na quinta-feira. Nossos voos chegavam mais ou menos no mesmo horário, vínhamos de Paris por companhias diferentes, acho que era isso. A dobradinha França-Inglaterra era das mais esperadas do ano, porque a gente engatava duas semanas na Europa […]

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SÃO PAULO (London, London) – Eu e o Seixas tínhamos combinado de nos encontrar na Avis de Heathrow na quinta-feira. Nossos voos chegavam mais ou menos no mesmo horário, vínhamos de Paris por companhias diferentes, acho que era isso. A dobradinha França-Inglaterra era das mais esperadas do ano, porque a gente engatava duas semanas na Europa sem ter de voltar ao Brasil. O Seixas, na verdade, morava em Londres na época. Para ele, as coisas estavam mais tranquilas na temporada europeia. Para mim, o desgaste das viagens já começava a dar no saco depois de 18 anos fazendo aquilo.

Depois de Magny-Cours, fomos para Paris de carro e passamos alguns dias por lá. Mas dei um perdido na programação oficial e fui fazer meu turismo particular, que incluiu uma passada por Le Bourget para conhecer de perto um Polikarpov.

(O perdido foi porque o Seixas me convidou para ficar na casa de uma amiga brasileira que morava em Paris. Gente boa, mas meio esquisita. O apartamento era minúsculo e dormimos empilhados em colchões no chão, com as malas separando uma “cama” da outra. Problema é que quando acordei tinha uma porção de grãos de café no meu lençol. A menina disse que colocou para espantar energias negativas, ou coisa que o valha. Achei aquilo tudo muito estranho e me mandei para um hotel.)

Sei que no meio da manhã de quinta cheguei a Londres e já me dirigia à locadora pegar o carro e seguir para Silverstone quando, num dos corredores do aeroporto, vi uma TV com imagens de um ônibus arrebentado e a tarja vermelha dizendo “breaking news”, e apressei o passo, me aproximei do aparelho, e ao ler sei lá quantos mortos comecei a correr já pegando o celular.

[bannergoogle] O Seixas já tinha desembarcado, atendeu e antes que dissesse “alô” saí falando, explodiram a porra toda, já tô sabendo, vamos pra lá, e dez minutos depois estávamos na M4, ou na M25, ouvindo o rádio e falando no rádio. Sim, porque trabalhávamos em rádio e todas as emissoras do Brasil, quando souberam que estávamos lá, começaram a nos telefonar loucamente para que déssemos algum tipo de informação sobre os atentados que mataram 52 pessoas e deixara mais de 700 feridos em três explosões no metrô e num double-decker na superfície.

Sabe-se lá como, com tudo fechado e bloqueado pela polícia, pelo exército e pelo MI6, conseguimos chegar de carro a poucos metros de uma das estações mais atingidas, acho que Russell Square, e passamos o dia na cidade levantando informações, observando a reação dos londrinos, o trabalho das autoridades, e passando boletins para nossa emissora a cada cinco minutos.

Silverstone ficou obviamente para depois, fomos chegar ao autódromo na sexta à noite ou no sábado, nem lembro direito. Nessas horas, o que se chama de “cor local” no jornalismo vale muito, e pudemos contar às pessoas que nos ouviam no Brasil aquilo que víamos de muito perto numa cidade inicialmente chocada com tudo, mas que em pouquíssimo tempo voltou à vida normal.

O que mais me espantou naquela quinta-feira, 7 de julho de 2005, exatamente dez anos atrás, foi que com todos os funcionários de escritórios no centro da cidade tendo sido dispensados do trabalho, e sem serviços de ônibus ou metrô, a happy hour foi antecipada em algumas horas e os pubs e bares ficaram cheios de gente no meio da tarde, conversando animadamente sobre tudo — inclusive as bombas que haviam explodido pela manhã.

O mundo é muito louco, comentei, sagaz. Eu e o Seixas, eméritos apreciadores de pints em pubs ingleses, não conseguimos nos juntar àquela alegre confraternização sabendo que debaixo de nós ainda havia corpos, fumaça e horror. Arrebentados de fome e cansaço, quando anoiteceu, e anoitece tarde na Europa no verão, encontramos alguma porcaria para comer e voltamos para casa.

Ainda tive tempo de escrever um texto meio bobo. Está aqui. Vale pela memória.

Nunca mais voltei a Londres depois daquilo, mas não por algum motivo especial — apenas não voltei.

Voltarei, claro.