Blog do Flavio Gomes
F-1

NO LESTE (3)

SÃO PAULO (tudo dá tempo em dois tempos) – Largou na pole e não ganhou na Hungria… Que vexame, Comandante! Mas acontece. E como é bom quando uma corrida é boa, ainda que apenas na largada e em alguns momentos nas últimas 30 voltas. É assim mesmo. Uma boa prova nem sempre é boa durante o […]

SÃO PAULO (tudo dá tempo em dois tempos) – Largou na pole e não ganhou na Hungria… Que vexame, Comandante!

Mas acontece. E como é bom quando uma corrida é boa, ainda que apenas na largada e em alguns momentos nas últimas 30 voltas. É assim mesmo. Uma boa prova nem sempre é boa durante o tempo inteiro. Muitas vezes algo imprevisível cai do céu e transforma uma corrida ruim numa corrida espetacular, e foi assim hoje em Budapeste. Caiu do céu um safety-car. E caíram do céu algumas trapalhadas de Hamilton e a disposição de Ricciardo.

E o inacreditável azar de Rosberg.

Vettel ganhou a partir de uma excepcional largada, e no fim das contas foi o único que, depois que as luzes se apagaram, não teve muito com que se preocupar — verdade que teve Nico em seu retrovisor por bastante tempo, mas sem que o piloto da Mercedes tentasse qualquer ataque.

Atrás de Tião Italiano, reinou o caos. E no meio do caos, do qual foi importante protagonista, Lewis ainda conseguiu chegar à frente de Rosberguinho. Seu título está escrito nas estrelas.

A destacar do resultado final, o fato de Vettel ter igualado Senna, 41 vitórias na carreira, tendo largado nove vezes menos que o brasileiro. E Alonso ter chegado em quinto. Sim, quinto! E nenhuma Mercedes foi ao pódio. E duas Red Bulls foram!

E apesar disso, de um pódio potencialmente feliz, claro que ninguém rasgou o sorriso. Afinal, há pouco mais de uma semana todos perderam um amigo depois de nove meses de agonia.

[bannergoogle] A reunião dos pilotos em círculo 15 minutos antes da largada para homenagear Jules Bianchi foi muito emocionante. Silêncio absoluto no autódromo, capacetes no chão, lágrimas discretas. Não é fácil para um piloto velar um colega que deveria estar ali — e abala qualquer um. Como muito emocionante foi Vettel no rádio, assim que recebeu a quadriculada. Em italiano, agradeceu à equipe. Em francês, dedicou a vitória a Jules. Em inglês, disse: “Cedo ou tarde você faria parte desta equipe. Você vai viver sempre nos nossos corações”.

À corrida.

Houve um piripaque na largada. Massa parou o carro no lugar errado, o procedimento foi repetido e a distância original de 70 voltas caiu para 69. O brasileiro teve de pagar 5s no primeiro pit stop, como punição.

E na largada para valer, a Ferrari foi sensacional. Vettel foi espetacular. Raikkonen foi magnífico. E os mercêdicos, vacilões. Tião Italiano e Kimi Dera Fosse Sempre Assim partiram para cima dos prateados e numa sequência de três curvas assumiram P1 e P2, posições conhecidas também como primeiro e segundo. Nos boxes da Ferrari, os mecânicos pularam como se fosse gol da Juve na final da Champions.

Hamilton caiu para quarto e, no desespero, perdeu uma freada quando atacava Rosberguinho e foi para a brita no meio da volta. Conseguiu retornar à pista, mas em décimo, atrás de Massa — que largara mal. Hülkenberg, de 11° para sexto, e Pérez, de 13º para oitavo, foram os outros dois que partiram de forma épica, histórica e inesquecível. Pulavam de alegria dentro do capacete, porque ganhar tantas posições num circuito como Hungaroring é coisa para dar festa no domingo à noite.

As posições nas primeiras voltas expressas no gráfico do volta-a-volta aí embaixo indicavam bem o drama de Lewis e a alegria de forceíndicos e ferraristas. Olhando para a posição de Hamilton, dava para notar como ele teria trabalho para recuperar o que perdera na largada e, depois, na escapada. Faria a famosa “corrida de recuperação”, expressão que faz parte do nosso léxico há anos.

Mas foi só na décima volta que Hamilton conseguiu passar Massa, por fora, no fim da reta. Manobra bonita, muito bonita. Felipe vendeu caro a posição, mas talvez tenha sido seu único bom momento na prova — resistir à Mercedes. Lewis foi firme e decidido e eles tocaram rodas. Depois, passou Pérez. Felipe, então, desapareceu da corrida.

Na volta 14, com Bottas, começaram os trabalhos de boxes. Corrida agitada nos pit stops, com previsão de até três paradas para alguns.

E Hamilton vinha escalando o pelotão… Quando parou, na volta 20, fez das tripas coração para voltar na frente de mais alguém. Conseguiu. Saiu dividindo a bola com Bottas e ganhou a posição do finlandês. Já era quinto. Na volta 22, Vettel parou. Na 23, Raikkonen. Tudo na paz com a Ferrari. E Lewis ralando para recuperar o prejuízo do início — por que as pessoas não falam mais “correr atrás do prejuízo”?

Na altura da 25ª passagem, o inglês estava mais de 30s atrás do líder, e brigar pela vitória estava fora de cogitação. Para Rosberguinho, em terceiro, a desvantagem era de 16s. Ali dava para sonhar com algo, se o parceiro tivesse algum azar monumental. E as coisas foram se acomodando, com um período de relativa calma na corrida. Pintava uma improvável dobradinha da Ferrari, o que já estava de bom tamanho para um GP normalmente previsível e pouco disputado.

Mas na volta 42, algo de errado começou a atormentar Raikkonen. Seu carro perdia potência e até Alonso, uma volta atrás, passou o tagarela finlandês. Foi quando Hulk bateu, na volta 43, e tudo começou a mudar. Primeiro, a  direção de prova colocou seu safety-car virtual para trabalhar e todo mundo foi para os boxes. Na sequência, volta 44, entrou o carro de verdade para juntar o pelotão. A asa dianteira da Force India arrebentou sozinha no fim da reta. Muito esquisito. Felizmente o piloto não se machucou. Mas ficou muita sujeira na pista. Para limpá-la, foi necessário até que o pelotão passasse pelo pit-lane duas vezes.

O problema é que deu confusão na hora de agrupar todo mundo, embora ninguém tenha reclamado do assunto. Tinha muita gente na condição de retardatário, e quando estes puderam passar o safety-car para reagrupar demoraram muito para chegar na turma da frente de novo. Só sei que a relargada foi muito doida, na volta 49, com apenas oito carros no campo de visão do líder e das câmeras de TV. Os demais estavam perdidos em algum canto de Hungaroring.

Nesse momento, Vettel, Raikkonen, Rosberg, Hamilton, Ricciardo, Bottas, Verstappen e Kvyat eram os oito primeiros. Ricardão foi para cima do Comandante Amilton e os dois se estranharam. Bottas foi junto. Esfrega daqui, esfrega dali, Hamilton deu um chega pra lá no australiano da Red Bull e um pouco mais atrás Kvyat, sem querer, tocou na roda de Bottas e furou o pneu da Williams.

Kimi se arrastava, sem o ERS. A equipe pedia desculpas pelo rádio. Ele parou nos boxes um pouco mais tarde, tentou voltar, mas acabou abandonando. Hamilton, por conta do pega-pra-capar com Ricciardo, teve de ir aos boxes para trocar o bico. Voltou em 13°. Àquela altura, Rosberguinho era só alegria. Com o segundo lugar, marcaria 18 pontos. Hamilton, se zerasse, simplesmente perderia a liderança do campeonato! E para ajudar ainda mais, a direção de prova deu um drive-through para Lewis, por bater em Ricciardo. Oh, Hungria, como te amo!, cantarolou Rosberg.

Hamilton voltou novamente em 13º depois do pênalti e ainda pediu desculpas à equipe pelo rádio. Sacou que só fez cagada. Lá na frente, Ricciardo, com pneus macios, chegava em Rosberg e ameaçava um ataque. Cisca daqui, cisca dali, uma hora daria o bote. Hamilton, na volta 61, entrou na zona de pontos ao passar Nasr. Depois, atropelou Sonyericsson e Button e foi a oitavo. Nas contas, voltava a ser líder do campeonato. Mas Nico ainda tinha motivos para agradecer aos deuses magiares. A diferença de 17 pontos estava evaporando.

Então, na volta 64, a sorte do alemão começou a virar. Ricciardo se jogou na freada no fim da reta e passou o alemão. Rosberg fez o que se faz nessas horas: esperou o adversário se atrapalhar na saída da curva para dar o X. Tudo sossegado, manobra tão clássica quanto dar uma largadinha no vôlei por cima do bloqueio.

Só que deu azar demais. Sua roda traseira esquerda tocou na asa do Red Bull. O pneu furou. Uma volta inteira sem borracha até chegar nos boxes. Um segundo lugar garantido, na pior das hipóteses um terceiro, jogado no lixo. Olha, se chovesse Xuxa hoje em Budapeste, caía um Pelé no colo de Rosberguinho.

(Observação: esta é uma piada antiga. Eu poderia mudar os personagens, para que ninguém viesse aqui me chamar de racista. Por exemplo: “Se chovesse Angélica hoje em Budapeste, caía um Luciano Huck no colo de Rosberguinho”. Só que isso seria uma viadagem sem tamanho. A piada nasceu nos anos 80 com Xuxa e Pelé. Então, serei fiel ao modelo original. E não me encham.)

Ricciardo também foi aos boxes trocar o bico e perdeu a posição para Kvyat. Voltou em terceiro ainda, tinha uma certa folga para quem vinha atrás. E a direção de prova distribuía punições. Verstappen levou uma. Maldonado tomou três. Kvyat, um acréscimo de 10s ao seu tempo final de prova — não alteraria o resultado. Quando Rosberguinho conseguiu voltar à pista, era o décimo. Hamilton já passara por Grojã e estava em sexto. O mercêdico bafejado pelo infortúnio ainda teria tempo para ganhar mais duas posições e terminaria em oitavo. Os 17 pontos que tinha de desvantagem para Hamilton, no fim das contas, engordaram para 21.

Vettel, segunda vitória no ano, Kvyat, primeiro troféu na F-1, e Ricciardo, sem o sorriso cheio de dentes, fizeram um pódio contido. Verstappinho chegou em quarto, seu melhor resultado no ano de estreia. Alonso veio logo depois, e não foi propriamente uma posição herdada. Fez ultrapassagens, parou na hora certa, buscou os pontos e fez por merecê-los. Comandante Amilton, Grojã, Rosberguinho, Bonitton e Sonyericsson fecharam a zona de pontos.

“O pódio está batendo na trave”, disse Alonso ao final da corrida. “Um passo de cada vez. Primeiro um top ten, depois um top five, depois um topless.”

Foi legal, esse GP da Hungria. Vão ser legais, as férias, para recuperar as baterias. Dois GPs seguidos na categoria de “melhor da temporada” são sempre um alento.