Blog do Flavio Gomes
F-1

FAJITAS (5)

SÃO PAULO (daqui a pouco vou ficar com fome) – A corrida foi bem pior que o evento. A volta do México à F-1 depois de 23 anos ficará marcada muito mais pelo entusiasmo do público do que por algo de excepcional que tenha acontecido na pista. Não aconteceu nada. OK, alguma coisa sempre acontece, Raikkonen […]

all_in_one_steak_fajitasSÃO PAULO (daqui a pouco vou ficar com fome) – A corrida foi bem pior que o evento. A volta do México à F-1 depois de 23 anos ficará marcada muito mais pelo entusiasmo do público do que por algo de excepcional que tenha acontecido na pista. Não aconteceu nada. OK, alguma coisa sempre acontece, Raikkonen e Bottas bateram de novo, o jovem da Williams chegou ao pódio mesmo assim, Vettel fez a pior corrida de sua vida, e Rosberg venceu.

Isso era importante para o alemão. Bater Hamilton, mostrar ao mundo — e a si mesmo — que não é um lambe-botas, um pobre coitado destinado a ser humilhado e espezinhado pelo companheiro de equipe.

Pois Rosberguinho provou. Fez barba, cabelo e bigode. Pole, vitória e melhor volta. Recuperou o segundo lugar no campeonato. Recuperou a auto-estima. Tem hífen? Autoestima. Autoeestima. Autooestima. Auto-estima. Autoes-tima. Sei lá. Cansei dessas merdas de hífens. Recuperou a confiança. Pronto.

[bannergoogle] Única crítica a Nico-Nico no Fubá hoje: naquela salinha antes do pódio, tinha de pegar o sombreiro (sim, amigos, um sombreiro da Pirelli, e achei engraçado demais) do segundo colocado e atirar para Hamilton. Ah, se fosse eu… Esse Hamilton aí iria passar por maus-bocados. Maus bocados tem hífen? Não, não tem. Maus bocados. Hífens de merda.

E se me perguntarem por que a corrida foi ruim, não saberei dizer. O circuito é praticamente o mesmo de antigamente, e não seria a ausência da Peraltada o motivo para a falta de disputas, graça, emoções. Já mexeram barbaridade em Silverstone, por exemplo, e tudo bem. O mesmo pode-se dizer de Interlagos, Spa e outros circuitos. Trocaram a Peraltada por um trecho lento para os carrinhos serem vistos de perto. Nada muito interessante do ponto de vista técnico, mas tudo bem, faz parte do show. A Peraltada era legal para ver os caras errarem, saltitando em seu asfalto mais ondulado que estradinha vicinal do interior de Minas. Não alterava demais o resultado final. Era uma curva divertida, ponto. O resto da pista é que determinava o que iria acontecer numa corrida. E também não lembro se os GPs do México eram espetaculares com a Peraltada, sinceramente. Estamos falando de outra era, outro planeta, faz tempo pacas. Enfim, vai ter corrida boa, vai ter corrida ruim. Sochi, no ano passado, foi uma droga. Neste ano, foi legal. Só Abu Dhabi faz corrida ruim todo ano.

Voltemos ao 15º ano do século 21, hoje, Cidade do México, sol, 19 graus, 100 mil almas nas arquibancadas do histórico Hermanos Rodríguez, puta festa, maior animação, cores e sabores, cheiros e sons, mariachis, tortillas, fajitas, guacamole, ¡Arriba Mexico! Lá no asfalto, 20 carrinhos prontos para dar um bom espetáculo. Largaram! Vai, Hamilton, embute no Rosberg, 900 metros de vácuo, vai pra cima!

Pff.

Rosberguinho se segurou tranquilo, tranquilo em primeiro. Um pouquinho para trás, Vettel e Ricciardo se tocaram, o pneu de Tião Alemão furou, e isso foi tudo que aconteceu na largada. Acreditava-se que um pit stop poderia ser o bastante para as 71 voltas da corrida, mas já na nona Bottas foi para os boxes, seguido por Massa na volta seguinte — indicando que parar duas vezes seria mais seguro e óbvio.

Na 14ª volta, Vettel já aparecia em 13º e dava pintas de que poderia ser o showman da tarde com a famosa corrida de recuperação. Na ponta, Rosberg se mantinha seguro na frente, quase 2s de vantagem para um Hamilton burocrático e desinteressado. Kvyat, o terceiro, estava 10s atrás.

Mas Tião Italiano, que já tinha aprontado no início, rodou sozinho na 18ª volta. Caiu para 15º. De showman foi rebaixado a ator fajuto de stand up comedy. Na 22ª, o soviético da Red Bull parou. Foi o primeiro dos ponteiros a trocar pneus. Aí, a primeira briga legal da corrida — demorou, diga-se. Na luta pelo sexto lugar, Bottas atacou Raikkonen, que se defendeu como dava. Quando Sapattos obteve a preferência lado a lado para uma curva à direita, o ferrarista não aliviou. Se deu mal. A roda traseira direita subiu na esquerda dianteira da Williams, Kimi levantou voo e, quando aterrissou, a suspensão estava quebrada. Na Rússia os dois já haviam se estranhado. Os comissários, desta vez, consideraram um incidente de corrida. E foi quase isso. Raikkonen poderia ter evitado, e o preço seria perder a posição. Possivelmente receberia uma punição se não tivesse abandonado. Bottas saiu ileso.

Rosberg e Hamilton fizeram suas paradas nas voltas 26 e 28, respectivamente. A ideia inicial era um pit stop, apenas. Enquanto isso, Vettel acumulava mais algumas cagadas. Ficou horas atrás de Maldonado lutando pela gloriosa 12ª posição, e era um tal de fritar pneu e sair da pista que dava gosto. Foi parar na volta 37 e fez uma troca de pneus espetacular em 2s3 — a única coisa que deu certo para ele no domingo.

Lá pela volta 45, Rosberg e Hamilton seguiam passeando, com Kvyat em terceiro a mais de 30s de distância. Então, a Mercedes entrou no rádio e chamou o alemão para uma segunda parada. “Plano B”, avisaram. Opa. Nico entrou na volta 46. Na seguinte, chamaram Hamilton. E não é que o inglês peitou a equipe? “Como assim? Por quê? E se eu não quiser? Sou obrigado, mesmo?”, e esse lenga-lenga durou duas voltas. Na 48, ele também parou, aparentemente a contragosto. Pelo rádio, passou a impressão de que conseguiria ir até o final sem um segundo pit stop. Aliás, insistiu nisso mesmo depois da prova.

Mas era só jogo de cena. Todo mundo parou duas vezes. Menos Pérez, o herói local, como se diz. Exímio conservador de borracha, levou sua Force India até o fim com um único pit stop e terminou em oitavo, depois de boas brigas no pelotão intermediário. Quem foi ao autódromo para torcer por ele não se decepcionou.

Na volta 50, rara briga na corrida mexicana: Ricardão partiu para cima de Massa pelo quinto lugar. Não demorou muito. Passou. E aí veio o safety-car, causado por… Vettel, claro! Na volta 52, efeitos de um excesso de tequila ontem à noite, talvez, o alemão estampou sozinho no muro. Sua única lembrança positiva destes dias astecas: registrou a maior velocidade do ano, 366 km/h.

Só na volta 58 aconteceu a relargada, Bottas passou Kvyat e assumiu o terceiro lugar, e mais nada a relatar.

Rosberguinho ganhou pela quarta vez no ano, 12ª na carreira — deixando para trás, nas estatísticas, Jacques Villeneuve, Massa e Barrichello. Hamilton recebeu a quadriculada 1s954 depois. Bottas, o terceiro, ficou a 14s592 do alemão. Fecharam os pontos K-Vyado, Ricardão, Massacrado, Hulk, Maria do Bairro, Verstappinho e Grojã. O pódio foi montado dentro do estádio de beisebol construído onde ficava a curva Peraltada — e que também não existe mais; sobraram só as arquibancadas. Nos olhos de Nico, alívio. Na cabeça dos três, sombreiros enormes. Nos rostos de milhares de mexicanos, alegria por ver a F-1 de volta ao seu país.

Depois de duas corridas espetaculares, na Rússia e nos EUA, o México ofereceu uma grande festa. Mas não um grande GP. Paciência. Não dá para querer tudo.