Blog do Flavio Gomes
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SAUDOSA MALOCA (1)

SÃO PAULO (eleição verificada pela ONG do Jimmy Carter) – Um processo eleitoral é sempre difícil. Ainda mais num sistema pluripartidário como o deste blog, que oferece nada menos do que dez opções para seus leitores. Democracia é isso. Todo poder ao povo. No pasarán! Foram computados por nossos sistemas informatizados, que usam a moderníssima […]

SÃO PAULO (eleição verificada pela ONG do Jimmy Carter) – Um processo eleitoral é sempre difícil. Ainda mais num sistema pluripartidário como o deste blog, que oferece nada menos do que dez opções para seus leitores. Democracia é isso. Todo poder ao povo. No pasarán!

Foram computados por nossos sistemas informatizados, que usam a moderníssima linguagem Cobol, indevassável e inviolável, criptografada com recursos do Enigma, exatos 271 votos.

Há um resultado matemático. E outro homologado pelo Tribunal Internacional Eleitoral do Congo Belga, onde este pleito foi registrado. Primeiro, os números:

1. E O CHICO? – 68 votos (25,09%)
2. CHICO CITY – 60 votos (22,14%)
3. ÔRRA MEU – 29 votos (10,70%)
4. EM NOME DO ROSA – 28 votos (10,33%)
5. JE SUIS CHICÔ – 26 votos (9,59%)
6. SAUDOSA MALOCA – 23 votos (8,48%)
7. SE PÁ, É NÓIS – 11 votos (4,05%)
8. TRUTAS & TRETAS – 10 votos (3,69%)
9. SAMBA DE UMA NOTA SÓ – 6 votos (2,21%)
10. O NOME DO ROSA – 6 votos (2,21%)
Nulos e brancos – 4 votos (1,47%)

Muito bem. Quando levamos nossos disquetes ao egrégio Tribunal Internacional Eleitoral do Congo Belga, os distintos julgadores nos informaram que várias ações de impugnação haviam sido protocoladas antes mesmo de fechadas as urnas. Não compreendemos bem, uma vez que desconhecíamos eventuais reclamantes em tão inocente escrutínio, dada também a conhecida lisura do processo. Assim, pedimos apenas que eles proclamassem o resultado final, porque tínhamos mais o que fazer.

Estávamos, pois, prontos para declarar “E O CHICO?” a proposta vencedora, quando um togado com sotaque valão informou: “Este está impugnado”. Por quê?, perguntamos. “Consta do Regulamento Geral das Eleições do Congo Belga. Trocadilhos com ‘e o quico?’ estão vetados, em respeito aos Kikos Marinhos, animais-símbolo do país.”

Não reclamamos, já que a segunda colocada também fazia referência ao nosso querido Chico Rosa, dispensado do cargo de administrador do autódromo e a quem nos solidarizamos desde sempre e para sempre, e solicitamos que fosse homologado incontinenti “CHICO CITY”. “Nenhuma chance”, cortou outro magistrado, este com sotaque da Antuérpia. “É marca registrada por uma emissora de TV.”

Não queremos ser processados, nem pagar direitos autorais. Sendo assim, que seja declarado “ÔRRA MEU” como a sugestão ganhadora, e vamos embora. “Vocês estão malucos?”, questionou o primeiro desembargador. “Palavrões são proibidos neste país. Favor não repetir esta expressão horrível, sob risco de lhe dar ordem de prisão imediatamente.”

Ficar preso no Congo Belga não era uma alternativa muito sedutora, e diante da fúria do juiz nos desculpamos e encerramos a questão. Quem leva é “EM NOME DO ROSA” e não se fala mais nisso, mas na hora um advogado italiano se levantou dos assentos reservados para observadores se aproximou, entregou um cartão e disse: “Prazer, represento Umberto Eco”. O que eliminou no mesmo instante “O NOME DA ROSA”, também.

Não havia muito mais o que fazer, fomos à sugestão seguinte, “JE SUIS CHICÔ”, e requisitamos que fosse anunciada como vencedora sem mais delongas. Mas lá no canto da sala notamos uma figura soturna, de barba longa e escura, erguendo os olhos ameaçadores em nossa direção. Uma espécie de estafeta do tribunal, parecia, e percebendo um mal-estar geral na sala, perguntamos: quem é aquele rapaz? O julgador se aproximou e sussurrou: “Mohamed Ahmed. Iraniano.”

Esquece “JE SUIS CHICÔ”, pedimos, e essa opção foi de súbito impugnada por questões de segurança, e então, compreendendo os critérios estranhos que norteavam as decisões naquele recinto, requeremos que fossem igualmente anuladas “SE PÁ, É NÓIS” (“coisa de quebrada”, alegou um auxiliar), “TRETAS & TRUTAS” (“não pega bem mexer com os peixinhos”), “SAMBA DE UMA NOTA SÓ” (“a família do Tom Jobim é muito atenta”) e “O NOME DO ROSA” (o advogado italiano recolheu o cartão).

Sobrou “SAUDOSA MALOCA”, escolhida por 23 eleitores, 8,48% do total. “Pode?”, perguntamos. O douto árbitro das causas mais diversas consultou um volumoso compêndio chamado “Regras Gerais Para Declaração Definitiva de Resultado de Pesquisa Nominativa no Congo Belga”, parou em determinada página e leu em voz alta, pedindo ao meirinho que consignasse em ata: “De acordo com o descrito no capítulo 30 do livro XII, página 266, parágrafo segundo, ‘é declarada vencedora a proposta cujo total de votos represente número primo, desde que a soma dos algarismos relativos ao percentual em relação ao total de votos resulte em 20, o número da sorte de nossa nação’. Sendo assim, é proclamada ganhadora no referido processo a proposta ‘SAUDOSA MALOCA’, que atende a todos os requisitos exigidos por nossa magnânima lei. Registre-se e cumpra-se. Depois eu assino a papelada. Boa noite”.

Deixamos o tribunal satisfeitos com a decisão, e olha que até combina com nosso querido autódromo de Interlagos, em obras eternas como as malocas deste país — que podem ganhar tinta nova, esquadrias de alumínio, porta de madeira-de-lei, telhado bonito, mas serão sempre nossas queridas e saudosas malocas.