Blog do Flavio Gomes
F-1

SAUDOSA MALOCA (13)

SÃO PAULO – Rosberguinho está impossível nas classificações. O platinado alemão fez sua quinta pole seguida no ano em Interlagos, a sexta na temporada. E a 21ª na carreira. Mais uma, empata com Alonso. E daí? Como ficar falando de corrida de carro num dia como hoje, enquanto Paris conta seus mortos e o mundo se pergunta […]

prayparis

SÃO PAULO – Rosberguinho está impossível nas classificações. O platinado alemão fez sua quinta pole seguida no ano em Interlagos, a sexta na temporada. E a 21ª na carreira. Mais uma, empata com Alonso.

E daí? Como ficar falando de corrida de carro num dia como hoje, enquanto Paris conta seus mortos e o mundo se pergunta que porra está acontecendo?

Cheguei tarde aqui hoje. Meio-dia. Nunca tinha chegado tão tarde num autódromo num sábado. Passei a noite atônito na TV, da CNN para a BBC, da BBC para a Globonews, até capotar de cansaço. Acordei e me pendurei de novo no computador e na TV, e quando vi eram mais de dez da manhã, e o trânsito para o autódromo estava terrível, nem sei por quê.

A F-1 vai fazer um minuto de silêncio amanhã. Nas redes sociais, todo mundo se manifestou durante a noite e a madrugada. Hamilton foi um dos primeiros, essa imagem aí no alto. Interlagos geralmente é uma corrida festiva. Ou decide o título, ou já decidiu. As pessoas gostam de vir para cá. Se trombam o tempo todo no paddock meio maloqueiro, perifa de São Paulo, almoçam juntos, dão risada, fazem planos para o ano que vem, curtem este ar retrô, essa coisa meio “roots” que o autódromo paulistano sempre teve e sempre terá.

Mas não se viam tantos sorrisos hoje. Alonso à parte. O espanhol conseguiu ajudar a descontrair um pouco o ambiente quando quebrou no Q1 (“stop immediately”, disse o engenheiro pelo rádio, e ele “stopou” na Junção), sentou-se numa cadeirinha e fingiu que estava tomando sol. Assim que chegou aos boxes, trazido por um carro se serviço, pegou Button pelo braço e os dois subiram no pódio, sorridentes, para alegria de quem via na TV e das arquibancadas na reta. “Obrigado pelo apoio, meninos, nós vamos voltar um dia, e logo”, escreveu a McLaren no Twitter, com a hashtag #BelieveInMcLarenHonda.

Eu dizia que cheguei tarde. Parei o carro, subi as rampas e as escadas e quando me vi diante da tela resolvi escrever sobre Paris. Não saiu uma linha que prestasse, e depois de meia hora apaguei tudo e parei para ver a classificação.

Queria estar em Paris, hoje, não em Interlagos.

Mas já que estava aqui, tentei me concentrar na pista, mesmo sabendo perfeitamente o que iria acontecer: Mercedes na primeira fila, Ferrari na segunda.

Foi uma classificação absolutamente comum. O Q1 tirou Maldonado, Button, Rossi, Stevens e Alonso. Hamilton e Rosberg fizeram uma volta cada e voltaram para as garagens, para fugir do sol implacável. Nasr atrapalhou Massa numa volta boa e teria de dar explicações na torre ao final do treino. Ficou em 12º. O Felipe da Williams, em 10º.

No Q2, temperatura altíssima, 30°C com 50°C no asfalto, Hamilton ficou de novo em primeiro e Vettel foi o segundo. Massa passou na conta do chá, em décimo. Ficaram pelo caminho Nasr (que foi punido com a perda de três posições no grid por ter atrapalhado a volta de Massa no Q1), Sainz Jr., Pérez, Ericsson e Grosjean — o único francês do grid, que correrá com uma bandeira do país colada na manga do macacão.

A definição da pole não ofereceu nenhuma emoção especial a ninguém. Rosberg fez sua primeira volta em 1min11s461 e Lewis respondeu com 1min11s549. Na segunda rodada de voltas, Nico se manteve à frente, agora com 1min11s282, contra 1min11s360 do inglês. A comemoração foi contida. Na coletiva, nenhuma brincadeira. Os atentados de Paris foram tema de uma pergunta aos três primeiros colocados — além da dupla da Mercedes, Vettel. “O que aconteceu ontem faz com que qualquer outra coisa perca importância. Com os meios de comunicação que temos hoje, Twitter, essas coisas, tudo parece estar muito perto, ainda que esteja acontecendo longe, e isso faz com que seja mais intenso, chocante”, disse Rosberg. Hamilton murmurou alguma coisa. Sebastian era quem parecia mais abalado, falou pausadamente, disse que soube dos atentados quando estava no carro voltando para o hotel. “É muito chocante. Foi estranho até para pegar no sono.”

Ninguém sabe direito o que dizer.

Bom, vamos até o fim. Bottas foi o quarto, mas perdeu três posições porque ontem fez uma ultrapassagem com bandeira vermelha e larga em sétimo. Assim, a segunda fila terá Vettel e Raikkonen. Hülkenberg larga em quinto, Kvyat parte em sexto e Massa vem logo depois do deslocado Bottas, em oitavo. Ricciardo ficou em nono, mas porque trocou de motor será jogado em 19º, deixando o posto original para Verstappen.

Pronto, escrevi sobre a corrida. Mas queria escrever sobre Paris, e não sei se vou.

Ontem à noite, o Grande Prêmio esqueceu a corrida de Interlagos e mergulhou na cobertura dos atentados de Paris, informando em tempo real o que acontecia na capital francesa e também reproduzindo as repercussões do caso no meio automobilístico. Victor Martins, Pedro Henrique Marum e Gabriel Curty foram os responsáveis pelo acompanhamento da situação. Quem entrou no site à noite para ver notícias de F-1, viu notícias de Paris. Quando contrato esses meninos e meninas para trabalhar no site, e foram algumas dezenas em mais de 15 anos de existência, uma das exigências é que eles não sejam bitolados em automobilismo. Se percebo que para um candidato a única coisa importante no mundo é corrida de Fórmula 1, dispenso. Ontem à noite, o Victor decidiu subir para a manchete do site o noticiário dos atentatos. Não me pediu autorização, não me consultou, fez o que achava que devia fazer. Honrou sua profissão.