Blog do Flavio Gomes
Nas asas

NAS ASAS

SÃO PAULO (merece) – O Alexandre Santiago mandou a notícia. O jornalista Carlos Bighetti, da TV Cultura, quer fazer um documentário sobre a história da Varig. Quando realizava uma reportagem sobre antigas companhias brasileiras para um quadro de telejornal da emissora (vídeo abaixo), Bighetti se deparou com algumas dezenas de horas de filmes inéditos de […]

SÃO PAULO (merece) – O Alexandre Santiago mandou a notícia. O jornalista Carlos Bighetti, da TV Cultura, quer fazer um documentário sobre a história da Varig. Quando realizava uma reportagem sobre antigas companhias brasileiras para um quadro de telejornal da emissora (vídeo abaixo), Bighetti se deparou com algumas dezenas de horas de filmes inéditos de empresas que já encerraram suas atividades, como a Real, a Panair, a VASP e a Transbrasil. E teve a ideia de registrar a trajetória da companhia gaúcha que parou de voar em 2006. Da Varig, são pelo menos três horas de imagens que, segundo ele, são “inacreditáveis”. Acredito. E adoraria vê-las.

[bannergoogle] Para fazer o filme, Bighetti precisa de grana, claro. Aqui está a página para quem quiser participar. Tomara que dê certo. Tenho muitas saudades da Varig, certamente a empresa pela qual mais voei na vida. Durante um bom período de cobertura de F-1, eu era “Repórter Varig”, um esquema de permuta do jornal que trocava publicidade por passagens aéreas. Apesar do acordo, era só de Econômica que eu voava. Raramente, quando algum comissário ou comandante camarada me reconhecia, pingava uma Executiva se sobrasse lugar. Primeira, quase nunca. Mas chegou a rolar, em 747 — não me conformo que nenhuma companhia brasileira, hoje em dia, tem pelo menos um Jumbo, o avião dos aviões.

Mas não era um problema, viajar lá atrás. Sempre me acomodei bem em qualquer poltrona, miúdo que sou. E o serviço era muito legal — OK, no ocaso da Varig as aeromoças viviam de mau humor, o que era mais do que compreensível. Guardo algumas “nécessaires” daqueles tempos, assim como copinhos e talheres. Uma dessas bolsinhas, inclusive, de couro marrom, abriga as chaves dos meus carros até hoje. Os escritórios da Varig no exterior eram como embaixadas brasileiras, onde eu parava de vez em quando para tomar café e ler jornal do dia anterior.

Uma vez, voltando de um GP do Canadá com escala em Miami, me roubaram tudo do carro alugado no estacionamento de um shopping (a escala era de algumas horas e saí para comprar umas bobagens), inclusive passaporte e passagem. Naqueles tempos, não havia controle de passaporte da imigração americana para sair do país — ele tinha de ser apresentado no check in da companhia. Mas como era Varig, e tínhamos amigos que nos acompanhavam o ano inteiro, emitiram uma passagem na hora e me deixaram embarcar sem passaporte. Era legal, muito legal.

Sei da história da Varig e das sacanagens que fizeram nos anos 60, uma mutreta com os militares para arrebentar a Panair. Mas seus funcionários, mais de vinte anos depois, não tinham culpa disso. Faziam dela uma empresa aérea digna e respeitada.

Pena que acabou. Hoje não sinto grande empatia com as nacionais que dominam o mercado, como a Gol e a TAM. Falta alguma coisa que não sei bem o que é. Sinto saudades também das outras que concorriam com a Varig na época, porque o padrão era alto e todas queriam ser como a empresa gaúcha. Por isso, VASP e Transbrasil também se esforçavam para agradar. Fiz alguns voos internacionais nas duas, para a Europa, em aviões novinhos e com serviço impecável. Salvo engano, voavam para destinos pouco populares, como Bruxelas e Viena — a Varig tinha algum acordo com o governo que lhe garantia as rotas mais rentáveis, como Paris, Londres, Nova York e Tóquio.

Enfim, o mundo da aviação nunca foi tocado por vestais, a briga era de gente grande e milhares de pessoas se estreparam com o fechamento dessas três, Varig, VASP e Transbrasil. Dívidas milionárias, calotes, corrupção, extorsão, estelionato, tudo isso fazia parte do dia a dia dessas companhias na relação quase criminosa com os diversos governos com os quais conviveram. Quem se deu mal, claro, foi a turma da ponta mais frágil — os funcionários.

Nós, os passageiros, também ficamos na mão. Porque hoje, me parece, falta paixão nos ares. E aviação é paixão.