Blog do Flavio Gomes
#69

CURITIBA, DIA #2 (E FINAL)

SÃO PAULO (valeu muito, no fim das contas) – Quando uma corrida é decidida praticamente na última volta, em geral a tristeza de quem perde é maior que a alegria de quem ganha. Bom, ao menos é o que penso sempre que vejo alguma coisa assim acontecer. De primeira, sem puxar muito pela memória, lembro […]

SÃO PAULO (valeu muito, no fim das contas) – Quando uma corrida é decidida praticamente na última volta, em geral a tristeza de quem perde é maior que a alegria de quem ganha. Bom, ao menos é o que penso sempre que vejo alguma coisa assim acontecer. De primeira, sem puxar muito pela memória, lembro de umas 500 Milhas recentes em que o moleque, JR Hildebrand, “rookie”, viu a glória escapar por seus dedos na última curva de Indianápolis. Dan Wheldon herdou a vitória.

Bem, fui o Dan Wheldon de domingo em Curitiba, com todo respeito à memória do piloto inglês — que viria a morrer naquele ano mesmo, numa tragédia em Las Vegas. Ganhei graças à quebra de Rafael Gimenez, que estourou o motor no fim e deu adeus a uma vitória certa na nossa categoria. Outros também quebraram, ao longo da prova. Em certo momento, me senti como Olivier Panis em Mônaco, 1996. Todo mundo foi ficando pelo meio do caminho, o francês ganhou com a Ligier.

É o que fica para a história, enfim. Na minha medíocre história de piloto amador de carros velhos, uma vitória, afinal. Deve haver algum mérito em se manter na pista, fugir de eventuais confusões — houve pouquíssimas, na corrida –, cuidar do carro para não quebrar nada. Mas, na prática, caiu no colo, mesmo.

[bannergoogle]Larguei em 12º num grid de 28 carros, graças à posição final na corrida de sábado. Que foi boa, afinal larguei em 23º depois de fazer apenas um treino, o de classificação — não cheguei a tempo de fazer nenhum treino livre nem na sexta, nem no sábado. Na minha categoria, a Turismo N, terminei a prova em segundo, e essa era minha posição no nosso grid particular, que tinha seis carros. Fisicamente, estava alinhado atrás do vencedor da primeira prova, o Voyage #53 de Milton Vieira, que é do pedaço.

Larguei muito mal, cauteloso demais, sem atacar ninguém e sem me defender de um monte de carros que estavam atrás no grid por circunstâncias, apenas — eram de outras categorias, mais velozes, que tiveram problemas na primeira corrida e só por isso largaram atrás. Mas tudo bem. Num estilo declaradamente de “corrida de resultados”, estava preocupado apenas com meus colegas de Turismo N, para tentar terminar no pódio de novo.

Tais pretensões acabaram já na primeira volta, porque fui ultrapassado pelo Uno da dupla Nodari/Pacheco antes mesmo do “S” no fim da reta dos boxes, e pelo Rafinha, que largara em último, no cotovelo que acho que se chama Pinheirinho — não sei direito os nomes das curvas de Curitiba. Como não conseguia alcançar o Voyage #53, me vi em quarto lugar sem muitas chances de chegar num piloto bem acostumado com a pista e que provavelmente guia bem melhor do que eu.

Assim, fiquei quietinho no meu canto sabendo que os outros dois da categoria estavam bem para trás — um deles o valente Escort de Luc Monteiro, colega jornalista de Cascavel que conheci quando ele tinha 15 anos, hoje consagrado locutor de corridas de várias categorias pelo Basil. Fui tocando o barco e ganhei uma posição de brinde com a quebra do Uno, logo no começo. OK, um podiozinho razoavelmente garantido, se não fizesse nenhuma cagada — e não estava disposto a virar herói, sequer fui buscar o melhor tempo do fim de semana, estava mais concentrado em ficar na pista torcendo para não se repetirem os probleminhas da prova de sábado, quando algumas marchas teimavam em não entrar e, no fim, me custaram a vitória.

[bannergoogle]A cinco voltas do final, quem ficou foi o Milton do Voyage da casa, depois soube que quebrou a bomba de álcool. Um segundo lugar no bolso, estava bom demais, bem melhor que a encomenda. Fui levando, procurando não atrapalhar os líderes que já me encontravam como retardatário (foram seis), até a penúltima volta, quando saí do tal Pinheirinho e vi o Rafinha encostado na grama.

Fiquei muito chateado por ele, um parceiro de primeira hora nas nossas corridinhas, cara dedicado, que trabalha no carro como poucos, e guia como ninguém. Claro que meu altruísmo durou apenas o tempo suficiente para me dar conta de que estava em primeiro e que, como diria Téo José, não perderia mais — faltava uma volta, precisa ser muito burro para deixar escapar uma chance assim. Tirei o pé, fiz a última volta como uma tiazinha indo à feira de Aero Willys, liguei a ventoinha mais uma vez para baixar a temperatura de tudo, passei a trocar as marchas a menos de 6 mil rpm, tratei de receber a quadriculada sem maiores sustos.

Ganhar deixa a gente feliz, e fiquei feliz — em tempo, fui 13° na classificação geral, em prova vencida de novo pelo já imbatível Caio Lacerda, com um Passat que melhora a cada corrida. Afinal, foi um fim de semana esquisito, sem treinar, pouco tempo de pista, mal vendo o pessoal por conta das madrugadas de F-1, alguma solidão, sono interrompido, diferente das corridas fora de São Paulo que costumamos fazer e que são festivas e divertidas.

Voltei para casa com dois troféus, e foi a segunda vitória do Bon Voyage — a outra foi na estreia em Londrina, no fim do ano passado. É um carrinho simpático, me entendi com ele desde o dia em que o vi na oficina da LF, minha incrível equipe, e mais ainda depois que sentei nele pela primeira vez. Estamos longe de formar uma dupla espetaculosa, mas nos viramos dentro de nossas possibilidades. Com um time tão forte e azeitado por trás — Nenê, Finottão, Marcônio, Léo e Cláudio, nesta corrida –, as coisas fluem e acabamos conseguindo um ou outro bom resultado, apostando na fórmula “cuidar do carro + não fazer bobagens”. É algo que venho aprendendo com o tempo, depois de bater cabeça de DKW e de Lada, sempre tentando fazer mais do que eu e os carros éramos capazes de realizar.

E assim me despedi do autódromo de Curitiba, onde tinha estado apenas uma vez, em 2002, para comentar corrida de Fórmula Renault ao lado do querido Luciano do Valle. Soube hoje que a venda do terreno foi finalmente formalizada e homologada pela Justiça de São Paulo — não me perguntem por quê não foi a do Paraná a cuidar disso. Vai virar condomínio, ou centro empresarial, ou cemitério, ou terminal ferroviário de carga, ou usina de asfalto, sei lá. De certa forma, o pequeno Voyage #69 rabiscou algumas linhas na história do circuito, ainda que não tenham sido memoráveis. Mas deixou sua marquinha, o que já é alguma coisa.