Blog do Flavio Gomes
F-1

NO PARQUE DO ALBERTO (4)

CURITIBA (logo mais, é nóis) – Ah, foi legal pra caralho esse GP da Austrália! (“Pra caralho” parece uma coisa grosseira, mas não é. A expressão tem vários significados, e sempre muito precisos, o que faz dela uma das mais brilhantes que um idioma pode produzir. Porque é a única que pode ser usada como […]

aus16bCURITIBA (logo mais, é nóis) – Ah, foi legal pra caralho esse GP da Austrália!

(“Pra caralho” parece uma coisa grosseira, mas não é. A expressão tem vários significados, e sempre muito precisos, o que faz dela uma das mais brilhantes que um idioma pode produzir. Porque é a única que pode ser usada como medida de tempo, comprimento, altura, peso, ou ainda para definir um determinado grau de beleza, feiura, talento, burrice, sorte, azar. Vale para rigorosamente tudo, e quando adicionada a qualquer adjetivo, substantivo ou verbo, exprime exatamente o que se quer dizer. “Esse prédio é alto pra caralho”, “O atendimento demorou pra caralho”, “Esse carro é bonito pra caralho”, “A Haas andou pra caralho”. A origem dela é controversa, mas a explicação mais aceita vem ainda dos tempos bíblicos, descoberto em um desses evangelhos apócrifos que rolavam pela internet da época, a partir de um episódio envolvendo José, o carpinteiro. Quando recebeu a inesperada visita dos Reis Magos cedeu a eles um quartinho improvisado com um beliche e uma cama de solteiro, esta feita meio no tapa, mal-acabada pela pressa — era para receber o cunhado e a família, que chegariam nos próximos dias. Melquior, parece que foi ele mesmo, e não Gaspar, nem Baltazar — que se acomodaram no beliche –, deu uma topada no pé da pequena cama e machucou o dedinho. Saiu xingando em persa, já que era rei por aquelas bandas, e José perguntou: “Doeu?”. Ao que Melquior, desbocado, respondeu gritando: “!صدمه زیادی ، لعنتی”. É preciso ler de trás para a frente, para entender. José, ou Zé das Madeiras, como era conhecido nas quebradas de Nazaré, achou a expressão do caralho e passou a utilizá-la, e sendo pai de quem foi, a coisa se popularizou. “Do caralho” não sei se foi ele quem criou, porém.)

[bannergoogle]O dia em Albert Park começou com uma reunião de emergência para discutir um dos grandes micos da história. Nem foi preciso conversar muito para decidir: o novo formato de classificação, batizado por nosotros de “dança das cadeiras”, dançou. Já a partir da próxima corrida volta o sistema anterior, com Q1, Q2 e Q3 sem eliminações a cada minuto e meio. “Não deu certo, foi uma merda, acabou”. Resumiu Niki Lauda.

À corrida, então. Sol, dia bonito em Melbourne, 24°C, menos para Kvyat — que empacou no grid, antes de alinhar. Abandonou, e mais uma volta de apresentação foi dada, com a distância original da prova caindo de 58 para 57 voltas. Pobre soviético.

A largada de Hamilton, o pole, foi uma tragédia. Tão ruim, que parecia ter algo errado com seu carro. As duas Ferrari saltaram na frente, com Vettel em primeiro. Kimi veio logo atrás e sobrou para a Mercedes um terceiro com Rosberguinho, e olhe lá. Verstappinho apareceu em quarto e Massacrado, em quinto.

E Wehrlein em 14º… Que coisa legal, ver uma nanica andando direito. Mas seria outra, a pequena mais linda e maravilhosa do dia. Leiam e saberão.

Lewis passou por Massa assim que a direção de prova liberou a asa móvel e foi para quinto. A brincadeira foi menos divertida quando ele chegou no jovem Max. “Não consigo passar esse moleque!”, reclamou pelo rádio.
Sapattos, punido com cinco posições no grid por troca de câmbio, se arrastava lá atrás. Levou nove voltas para passar Sonyericsson. Felipe também andava mal. Logo foi ultrapassado por Ricardão e caiu para sétimo. Foi para os boxes e trocou pneus: supermacios por macios.

Na volta seguinte, a 13ª, quem parou foi Nico-Nico no Fubá. Macios, também. Lewis estava tão aparvalhado que pediu aos boxes para mudar a estratégia. “Faremos um stint mais longo”, ouviu, pelo rádio. Mas lá na ponta é que o bicho pegava. Vettel foi chamado rapidinho porque Rosberg saiu voando com pneus novos. Parou, colocou supermacios e voltou na frente, ainda, mas com Nico fungando em seu cangote tedesco.

Lewis, que não parou, ficou em segundo. Tião Alemão foi lá e passou. Rosberguinho, idem. Quando parou, Hamilton enfiou pneus médios. Realmente, o stint seria bem mais longo. Até o final da corrida. Estávamos na volta 17. Faltavam 40.

Foi quando um mega-acidente aconteceu. Alonso com Gutiérrez. O carro de Fernando virou uma paçoca. Safety-car na hora, na volta 18. Moeu a McLaren. Assustador. Só sobrou o piloto. Na sequência, bandeira vermelha. Decisão acertadíssima. Para tudo, limpa a pista, vamos começar de novo.

Foi erro de Alonso. Ao tentar a ultrapassagem sobre o mexicano, El Fodón del Pancadón calculou mal a distância e sua roda dianteira direita tocou na esquerda traseira da Haas. Decolou, bateu no muro, voltou, capotou na brita, voou até a grade. Felizmente, não se machucou. Saiu meio grogue, foi abraçado por Gutiérrez, tirou o capacete e foi andando até o carro-médico para ser levado ao hospital do circuito para exames. Um psicólogo seria legal, também. Pobre Fernandinho. Mas assumiu o erro. Ficou apenas manquitola, e saiu no lucro — com vida.

A prova foi interrompida com Vettel em primeiro, seguido por Rosberg, Raikkonen, Ricciardo, Verstappen, Sainz Jr. e Hamilton em sétimo. Logo atrás, Massa e… Grosjean! Espetacular, a Haas em nono.

Foram 20 minutos de interrupção até a nova largada. Que se deu com o safety-car liderando o pelotão a partir dos boxes. O único que não voltou, pena, foi Haryanta. Problemas insolúveis em seu Manor tiraram o indonésio de seu primeiro GP.

Como a troca de pneus foi permitida, Rosberg também colocou médios, para tentar ir até o final sem parar mais. Era uma aposta, dada a lerdeza dessa borracha. Mas vai saber…

O recomeço, na volta 19, foi tranquilo. Desespero, mesmo, só de Lewis, empacado atrás de dois tororrôssicos e da Red Bull de Ricardão. E com pneus médios, sem muitas chances de passar. O terceiro lugar de Kimi foi para o saco pouco tempo depois. “Acho que quebrou alguma coisa”, informou, pelo rádio. Parou no box e começou a sair fogo do motor. Fim de prova para Kimi Dera Pegasse em Tudo.

Àquela altura, no entanto, meus olhos se voltavam apenas para Grojã, torcendo feito louco por um pontinho na estreia. Já pensou?

[bannergoogle]Mas voltemos à ponta, que é lá que as coisas acontecem. Os pneus de Vettel começaram a acabar. Rosberguinho, a se aproximar. Esses alemães… Sim, parece que a ideia de não parar mais foi interessante. Ao menos para Nico-Nico, já que Hamilton seguia empacado atrás das duas Toro Rosso, sem conseguir passar — e já nem reclamava no rádio.
Mercedes incapaz de passar uma Toro Rosso, ainda que com pneus médios, era, sem dúvida, uma novidade. Uma boa novidade, diga-se. OK, era só primeira corrida do ano, sempre acontecem algumas cagadas com os favoritos, mas saboreei o momento. Hamilton só passou Sainz Jr. quando o espanhol foi para os boxes, na volta 30. Logo depois, Verstappinho também fez seu pit stop – demorado, e o menino reclamou de ser chamado depois de Sainz Jr., ficou puto dentro do macacão. Lewis subiu para quarto.

Rosberg, com paciência de Jó, ia chegando em Sebastian. Alguns décimos aqui, outros ali, mais alguns acolá (adoro “aqui, ali, acolá”), e quando Vettel percebeu, era ele quem tinha outro alemão no cangote. Não teve jeito. Foi para os boxes e colocou pneus macios. Era a volta 36. E a parada foi ruim, uns 2s além da conta porque o pneu dianteiro esquerdo enroscou.

Tião Alemão voltou em quarto, 10s atrás de Hamilton. Ricciardo era o segundo, mas teria de parar de novo. Dobradinha da Mercedes à vista. A corrida de Vettel passou a ser pelo pódio, quem sabe uma briga com Lewis nas voltas finais. O “local hero” da Red Bull, quando parasse, voltaria bem atrás. Não foi à toa que a Mercedes testou tanto em Barcelona com pneus médios. Dezenas, centenas, milhares de voltas.

E eu de olho em Grojã. Em sexto, já, com Hulk atrás, colado, mas sem conseguir passar. A dupla tororrôssica voltou em 10º e 11º, atrás do amarelão Palmer. Também aí uma briga ótima, com Max pedindo/avisando aos boxes que ia tantar passar. “OK”, respondia o time, olimpicamente.

Foram quatro voltas de briga de foice no escuro, até que ambos passaram Palmer – resistiu bem, encardido, esse menino. Hamilton passou Ricciardo, que também ficou sem borracha e fez seu último pit stop. Voltou em quinto, atrás de Massa. Em sexto? GRO-JÃ.

O Canguru Sorridente não teve dificuldades para passar Felipe e se estabilizou em quarto. Daí até o final, o sonho de uma noite de verão seria uma briga pelo segundo lugar. Rosberg liderava com 10s para Hamilton, que pagou o preço da má largada. Vettel vinha a menos de 5s do inglês, com pneus um pouco melhores, tirando tempo de pouquinho em pouquinho. Verstappinho seguia vociferando em décimo, irritado porque não conseguia passar Sainz Jr. Uai. Não consegue, não passa, meu filho. Deixa de frescura. À frente deles, Bottas, Hulk e o fenomenal Grosjean. No fim, numa fritada de Sainz Idade, Max chegou a tocar nele e rodou. Ficou mais puto ainda, mas perdeu a chance de passar o parceiro.

O sonho ferrarista parecia perto de se realizar. Com pneus muito desgastados, Hamilton começou a errar e Vettel chegou de vez a cinco voltas do final. Médios velhos para o inglês, macios relativamente velhos para o alemão. A perseguição era frenética. Mas, faltando duas voltas, Sebastian exagerou e deu uma escapada. Perdeu o contato e a possibilidade de lutar pelo segundo lugar. “Sorry, guys”, disse pelo rádio. Humildade é tudo.

E assim foi até o final. Nico, Lewis e Vettel no pódio, Ricardão em quarto, Massa em quinto e… GRO-JÃ! Que espetáculo, sexto lugar para uma equipe estreante, que coisa linda, emocionante, comovente! Hulk, Bottas, Sainz Jr. e Verstappinho fecharam a zona de pontos.

Foi uma dobradinha um pouco mais complicada que o normal para a Mercedes, por conta da má largada do atual campeão do mundo. Acabou resultando num domingo perfeito para Rosberguinho, que terminou a temporada passada em alta e começou esta da mesma forma, disposto a derrubar o favoritismo do companheiro — que lhe deu um carinhoso abraço ao final da prova. Foi a 15ª vitória de sua carreira. Uma corrida boa, que teve bons momentos e belas atuações. A melhor delas, sem dúvida, de Grosjean e da Haas.

“Guys, listen to me, this is a win for us! This is a win for us! Unbelievable”, disse Romain à equipe assim que recebeu a bandeirada e foi informado que tinha terminado em sexto. Deixo no original em inglês porque me parece mais eloquente. O sexto lugar de um time estreante lava a alma de quem ainda ama uma garagem.

FRASE DO DIA
“Estou feliz de estar vivo, conversando com vocês. A culpa foi minha, o erro foi meu.”
Alonso, que sofreu um dos mais violentos acidentes de sua carreira