Blog do Flavio Gomes
F-1

IS’SAKHIR Ô, Ô (3)

SÃO PAULO (com o sol na cara) – Ôrra, meu. (“Ôrra meu” vou precisar explicar. Tenho certeza que os não-paulistanos estão se perguntando, porque isso não é jeito de começar texto na internet, já que a internet é global, este texto aqui pode estar sendo lido agora tanto na Mooca quanto em Bayeux, em Demerval Lobão […]

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SÃO PAULO (com o sol na cara) – Ôrra, meu.

(“Ôrra meu” vou precisar explicar. Tenho certeza que os não-paulistanos estão se perguntando, porque isso não é jeito de começar texto na internet, já que a internet é global, este texto aqui pode estar sendo lido agora tanto na Mooca quanto em Bayeux, em Demerval Lobão e Tutuala, em Calheta de São Miguel e Nampula, então, vou explicar. São Paulo é uma cidade curiosa. Quando os portugueses chegaram ao Brasil, ninguém queria vir para cá. Fazer o quê aqui? Não tinha praia, sol, coqueiros, índias peladas. Lugar de difícil acesso, cheio de jesuítas chatos e bandeirantes violentos e mal-encarados. Entendo a opção da maioria por lugares mais bonitos e divertidos. Mas sempre houve aventureiros neste mundo, e mesmo os sítios mais inóspitos e sem graça, um dia, foram explorados e visitados pelo ser humano. E assim foi por estas bandas. Tudo começou quando um italiano de Gênova, fugindo da crise econômica em seu país, acabou chegando ao Algarve, onde funcionava uma estrepitosa indústria naval. Passou a trabalhar como carpinteiro em Sagres, e embarcou como cozinheiro numa caravela da renomada Costa Cruzeiros numa excursão que viria a bater no Brasil. Não se sabe bem como veio parar em São Paulo depois que desembarcou em São Vivente, mas parece que caiu sem querer, depois de encher a cara numa taverna, num cortejo de mulas carregadas com especiarias que estava “a subir a serra”. Quando aqui chegou, aparentemente na região do Brás, perguntou onde estava e ouviu de um padre: “Vós estais na Vila de São Paulo de Piratininga de Nosso Senhor Jesus Cristo Abençoada pelo Espírito Santo”. Espantado, arregalou os olhos e disse: “Porra, meu, como isso vai caber numa placa de carro? Vou chamar só de São Paulo”. Há registros escritos em tupi desse diálogo, donde se conclui que indígenas nativos também podem ter disseminado o uso da expressão, mas sabe-se, igualmente, que ele foi ouvido também por um moleque travesso que morava um pouco mais para o leste da cidade e trabalhava como estafeta no centro, e quando ele chegou em casa de noite, a mãe serviu o jantar, uma honestíssima macarronada com molho à bolonhesa, e o menino, que era gordinho e falante, exclamou: “Porra, meu, que delícia!”. Então a mãe, dona Fausta, e seu nome tudo que se sabe dessa família, deu um tapa na orelha dele que estralou e deixou seu ouvindo zumbindo uma semana, e ralhou: “Não fala palavrão em casa, moleque!”, e daí em diante ele passou a falar “ôrra”, sem o “p”. O menino era gordinho)

[bannergoogle] E por que minha exclamação “ôrra, meu!”, depois desse GP do Bahrein?

Sei lá, ando gostando de qualquer corrida, estava com saudades da F-1. E não acho, mesmo, que tenha sido ruim, apesar da previsível vitória da Mercedes. É importante enxergar beleza onde normalmente o olhar não para com muita atenção. Vi beleza nas atuações de Grosjean, Vandoorne e Verstappen. E até no desempenho de Rosberguinho, que começa a acumular números interessantes, como essa quinta vitória seguida. Porque ela foi conseguida com segurança, sem erros, e mais uma boa largada.

E uma largada desastrosa de Hamilton.

O Comandante fez a pole ontem. Andava levando fumo do platinado alemão e conseguiu dar um troquinho. Mas, de novo, partiu como costuma partir meu DKW numa ladeira quando abre o farol e as velas estão sujas. Nico-Nico no Fubá aproveitou e pulou na frente. E Sapattos, que também aproveitou a vacilada britânica e de Ricardão, foi em frente e enfiou o bico na primeira curva.

Lembremo-nos de que Vettel não estava no grid. O alemão, coitado, abandonou antes de largar. Na volta de apresentação o motor quebrou e isso, de certa forma, determinou o que viria a acontecer depois — um “player” como Tião Italiano fora da disputa muda as coisas sempre.

Bottas e Hamilton se tocaram, sem carinho. Milhões de voltas depois a direção de prova resolveu punir o finlandês da Williams. Achei um exagero. Tinha espaço, colocou o carro. Lewis não viu e fez a tangência que faria se ninguém estivesse ali. Incidente de corrida claro na opinião deste escriba que, antigamente, fazia umas largadas assim e enfiava o carro em qualquer buraco, porque era a única forma de se divertir nas corridas – depois todo mundo passava, mas agora, de Voyage, as coisas melhoraram, e disso falamos mais tarde. Mas se o próprio Bottas achou que freou tarde, então tá bom.

Nessa largada de esfrega-esfrega, deu-se muito bem Felipe Massa, saltando de sétimo para segundo, com chances de estabelecer uma estratégia de corrida que poderia até, num sopro da fortuna, resultar num pódio. Só que a Williams, mais conservadora que o Grande Pato Amarelo, de novo fez uma cagada em cima da outra.

[bannergoogle] Lewis caiu para nono depois do toque e quase rodada, ficou com o assoalho danificado, e seguiu soltando faísca – pelo carro e, imagino, pelas ventas, irritado com Bottas. A Haas, minha equipe do coração, apareceu em sexto e sétimo logo de cara, com Grojã e Gutierros. O inglês, ainda que com o carro meio esquisito, começou a abrir caminho e na volta 5 já estava em sexto. Outro que vinha rompendo o lacre era Kimi, que acordou da letargia na sexta volta e, de repente, passou Ricciardo e Bottas e colocou-se em terceiro.

Hamilton, já em quinto na sétima volta, estava 12s atrás do líder, uma diferença que acabaria se mantendo a corrida toda, variando apenas antes e depois dos muitos pit stops previstos. Com o Mercedão rendendo bem, apesar do assoalho detonado, na oitava volta ele já estava em terceiro – já que Massa fora para o primeiro pit stop, abrindo a sequência de escolhas erradas da Williams ao colocar pneus médios de pau, caindo para 11º.

Felipe I até que voltou bem, com pneus mais novos, sem perder tempo com carros mais lentos. Mas na hora em que os outros trocassem e calçassem borracha mais gosmenta, o brasileiro se tornaria presa fácil.

Na 12ª volta, o lindo Grosjean já estava em quarto, e então fez o primeiro pit stop da história da Haas em corrida. Trocou supermacios por supermacios. A estratégia, acertadíssima e clara, era andar o maior tempo possível com os pneus mais rápidos – a Williams optou pelos mais lentos, e não vou me cansar de falar mal da equipe até o fim.

Raikkonen parou na volta 13 e na saída dos boxes, com macios, jantou Massa com facilidade. Rosberg veio na passagem seguinte e colocou macios. Hamilton, na mesma volta, parou e espetou médios – errou, também. Mesmo assim, logo em seguida passou por Massa e subiu para quinto. Grosjean veio junto. Com supermacios, 2s mais rápidos que os médios, obviamente passou o brasileiro na volta 17. Uma corrida espetacular do francês e de seus amigos ianques.

Rosberguinho tinha uma vantagem muito confortável sobre Raikkonen. Era só administrar, ainda que a corrida estivesse no começo. Enquanto isso, incrédulo, todo mundo se perguntava: será que a Williams fez bem com esses pneus médios? Bom, se fosse para parar uma vez a menos, talvez. Talvez.

Uma escapadinha para o pelotão intermediário, agora. Nasr em 10º. Sonyericsson em 11º. Wehrlein em 13º. Alemãozinho porreta, esse da Manor. Boas performances, das equipes nanicas. Mas pouco relevantes.

Então, voltemos ao pessoal da frente. Com seus médios e lentos, Massa é ultrapassado por Verstappinho na volta 20. Não, não foi uma boa ideia. Na 22, é Hamilton que se coloca em terceiro de novo, a 20s de Rosberg. O pódio estava formado. Muito cedo, mas assim é a vida.

Desta forma, as atenções se voltavam mesmo para o magnífico Grosjean. Na volta 23, ele chegou no Canguru Sorridente Cheio de Dentes para lutar pelo quarto lugar. QUARTO LUGAR. Com pneus supermacios contra os macios de Ricciardo, passou lindamente.

Grojã parou na volta 28. E tome supermacio de novo. É isso aí. Corrida é pra correr, o mais rápido possível. Viu, Williams? Box para Hamilton na 29ª, corrigindo a cagada de colocar médios. Meteu supermacios, também. Romain voltou em oitavo e já passou Bottas, começando a remar de novo. Massa, com pneus muito usados, além de duros, voltou a ser ultrapassado pela turma que parou de novo, previsivelmente.

Na volta 30, foi Kimi quem parou pela segunda vez. Supermacios. Voltou em segundo, normal. Massa, então, foi para seu segundo pit stop. Oh, até que enfim. Que coloque pneus macios, ou supermacios, e vá à luta, pensamos do lado de cá.

Médios. Putaquelospariu (depois explico o que é, expressão nascida na Andaluzia).

Felipe caiu para décimo, atrás do ótimo Stoffel Nãodoorme, estreando com a McLaren e mostrando personalidade – até Alonso ficou espantado. Bem, se fosse até o final da corrida, sem mais paradas, talvez essa história de médios de novo pudesse se pagar. Talvez.
Mas ninguém estava fazendo isso, era possibilidade cada vez mais remota.

Rosberguinho parou na 31 e enfiou supermacios. O pit stop foi mais ou menos e ele perdeu um tempinho, mas nada muito grave. Hamilton ensaiou uma aproximação a Kimi. Grojã, o cara, vinha em quinto fazendo ótimos tempos. Lá atrás, Nasr, que chegou a andar bem no início, reclamava com a Sauber pelo rádio. Ô carro ruim. Ôrra, meu.

Raikkonen fez a última parada na volta 38 e colocou macios. Hamilton assumiu o segundo lugar, 15s atrás de Nico-Nico. O alemão parou na 39, macios para ir até o fim, e Lewis assumiu a liderança só para sentir o gostinho, porque teria de fazer a última parada.

Antes dela, quem parou foi Grosjean, agora para colocar pneus macios. A Haas se atrapalhou um tiquinho, mas a esse time tudo se perdoa.

Hamilton parou na 42, pneus macios, e na reta final da prova, a 15 voltas da quadriculada, Rosberg tinha 4s8 de vantagem para Kimi Dera Fosse Champanhe Aqui Porque Vai Dar pódio e 15s para seu companheiro baladeiro.

Sem se abater com mau pit stop, Romain, The Man, saiu atropelando todo mundo e chegou em Massa na volta 46, para brigar pelo sexto lugar. Felipe, de novo com pneus de jacarandá, não teve como resistir. Na TV, o comentarista que pilota tentava animar as coisas: “O Kimi está tirando do Rosberg, vai ter briga”. Não, apesar da TV, não ia ter golpe. Nico deu uma aceleradinha e ampliou a distância, na verdade.

Verstappinho fez sua última parada na volta 47 e Grosjean assumiu o quinto lugar. Na 52, o jovem Max já estava de volta à luta e passou o brasileiro. K-Vyado faria o mesmo logo depois. Massa caiu para oitavo. Não, não deu certo. Mesmo parando uma vez a menos. Deu muito errado. Errado demais. Uma bosta, essa ideia da Williams.

Rosberg ganhou a segunda no ano e empilhou a quinta vitória seguida com méritos – na carreira, são 16. Neste momento, apenas a segunda de 21 etapas, é favorito ao título se conseguir manter a cabeça no lugar. Foi a 50 pontos, contra 33 de Hamilton. A classificação, aliás, é muito interessante. Tem Ricciardo em terceiro (24), seguido por Raikkonen e… GROSJEAN – ambos com 18 pontos. Sensacional.

Entre as equipes, os 83 pontos da Mercedes na liderança contra 33 da Ferrari, segunda colocada, mostra bem o que será o campeonato. A Red Bull tem 30 em terceiro, e a briga a partir daí será legal — depois vêm Williams (20), Haas (18) e Toro Rosso (11). Tiremos a Force India dessa disputa. Maior mentira de pré-temporada da história. Hülk e Maria do Bairro ficaram em 15º e 16º. Ridículo.

Além dos três do pódio, que receberam lindos troféus e não demonstravam muita alegria, exceto Rosberg, claro, pontuaram Ricciardo, Grosjean, Verstappen, Kvyat, Massa, Bottas e Vandoorne – primeiro ponto de um belga na F-1 desde Thierry Boutsen, quinto com a Ligier na Austrália em 1992.

Os dois de cara fechada tinham motivos diferentes para a chateação. Kimi, que se tornou o quinto maior dono de troféus da história – com 81 pódios, passou Senna e Vettel e só está atrás de Schumacher (155), Prost (106), Alonso (97) e Hamilton (89) –, porque no Bahrein não pode tomar champanhe, e jogaram aquele troço doce e gaseificado nele. Hamilton, porque sabia que tinha feito bobagem de novo.

E sem mais a relatar por enquanto, vamos almoçar um frango assado e voltamos depois.

FRASE DO DIA
“Este é o verdadeiro sonho americano!”
Grosjean, quinto colocado no Bahrein