Blog do Flavio Gomes
F-1

MONT-MELHORES (3)

SÃO PAULO (foda demais) – Há muito a se falar sobre o GP da Espanha. Mas antes da elegia a Max Verstappen, duas coisinhas. A primeira: o que aconteceu na Mercedes é realmente inaceitável. Mas não se pode colocar os dois pilotos no mesmo balaio e sair falando, genericamente, que “as coisas precisam mudar nessa equipe!”. […]

esp16a

SÃO PAULO (foda demais) – Há muito a se falar sobre o GP da Espanha. Mas antes da elegia a Max Verstappen, duas coisinhas.

A primeira: o que aconteceu na Mercedes é realmente inaceitável. Mas não se pode colocar os dois pilotos no mesmo balaio e sair falando, genericamente, que “as coisas precisam mudar nessa equipe!”. Não. O que está errado na Mercedes é Lewis Hamilton. Com todo respeito e reverência ao seu passado recente, que é nada menos do que exuberante, não pode. Não pode se comportar desse jeito infanto-juvenil de criancinha que não sabe brincar.

Lewis perdeu a ponta na largada. “Fair and square”, como se diz. Mas antes da terceira curva da primeira volta tentou uma manobra suicida, meteu o carro na grama, rodou e acertou Rosberg, que partiria para mais uma provável vitória.

Nico defendeu a posição como qualquer um defenderia. Ocupa a pista toda, tira espaço, absolutamente nada de errado. Hamilton foi afobado, inábil, arrogante na tentativa, impaciente, burro e, no limite, desonesto com sua equipe e seu companheiro. Há limites. Uma coisa é ser aguerrido, lutador. Outra, bem diferente, é ser irresponsável e leviano. Ninguém tem o direito de acabar com a corrida de outro piloto desse jeito na primeira volta. Em volta nenhuma.

Para o público externo, depois de se reunir com os pilotos e a cúpula do time no motorhome mercêdico, Toto Wolff descreveu o que aconteceu como “incidente de corrida entre dois pilotos lutando por posição”. Falou também que ambos se desculparam com o time. Claro que nenhuma crise será alimentada de dentro para fora. Mas ainda quero ver o que vão dizer os pilotos individualmente, se é que serão autorizados a falar. A FIA não puniu ninguém. Considerou o incidente normal.

[bannergoogle]A segunda: a Ferrari foi humilhada. Ainda não sei direito o que aconteceu com o carro de Vettel para que ele fizesse aquela terceira parada antes do previsto, praticamente tirando dele a chance de lutar pela vitória. Ao que parece, os pneus médios não funcionaram. E me incomoda um pouco a passividade de Raikkonen. Ele não tentou passar Verstappinho nenhuma vez, embora tenha ficado mais de dez voltas a menos de um segundo do jovem holandês. Nenhuma tentativa real, zero.

Acho pouco para quem tem nas costas um título mundial, um caminhão de GPs nos ombros, para quem correu com o pai do menino. Faltou disputa. Eu, se fosse chefe da Ferrari, questionaria o comportamento de meu piloto. Há uma frase de Lamarca: ousar lutar, ousar vencer. Kimi não fez nem uma coisa, nem outra. E se disse “decepcionado” com ele mesmo. Aff.

Agora, Verstappinho.

Aos 18 anos, 7 meses e 16 dias, tornou-se o mais jovem piloto a vencer um GP de F-1. Superou em quase três anos a marca de Sebastian Vettel, que venceu o GP da Itália pela Toro Rosso, em 2008, aos 21 anos, 2 meses e 11 dias de vida. Tal recorde, o de Max, dificilmente será superado. Ele estreou na temporada passada aos 17 anos e meio e, por conta da precocidade, a FIA determinou que, de 2016 em diante, nenhum piloto com menos de 18 anos poderia participar do Mundial. Imaginar que alguém vá chegar tão cedo e ainda ter a chance de vencer antes dos 18 anos e 7 meses de Verstappinho é bem difícil, embora não seja impossível. Ele é também o mais jovem pontuador, o mais jovem a chegar no pódio e o mais jovem a liderar uma corrida.

Max se transformou, igualmente, no primeiro holandês a ganhar uma corrida na categoria. São, agora, 23 nacionalidades detentoras de vitórias na F-1, considerando Escócia e Inglaterra países diferentes — algumas estatísticas reúnem os dois sob o chapéu da Grã-Bretanha.

Enfim, recordes caem, e sempre que isso acontece a gente tem a sensação de que está vendo a História, com H maiúsculo, sendo escrita.

E como Verstappen ganhou?

Guiando como se nunca tivesse feito outra coisa na vida.

Claro que uma vitória não-Mercedes em 2016 só aconteceria em circunstâncias muito excepcionais. Como hoje, por exemplo: um movimento auto-destrutivo que apeou seus dois pilotos da corrida.

A partir daí, Red Bull e Ferrari se transformaram nas herdeiras naturais do espaço deixado aberto pelos prateados. E numa corrida como a de Barcelona, de ultrapassagens difíceis, tudo se resolveria na base da estratégia. O circuito catalão come borracha. Uma estratégia de três paradas seria o normal para todo mundo. Ou quase. Para Max, foram duas. Para Kimi, também.

É difícil determinar características definitivas para alguém que está há tão pouco tempo na estrada. Até 2013, Max andava de kart. Correu de F-3 em 2014 e no ano seguinte estava na F-1. É cerebral? É ousado? É paciente? É aguerrido? É constante? Poupa pneu? Ataca as curvas? Freia mais tarde? Acelera antes? Guia limpo? Briga com o carro?

Não se sabe exatamente. Sabe-se que é bom, muito bom. Excepcional. O maior talento que a F-1 conheceu desde Vettel — que também apareceu outro dia, estamos falando de 2008, quando ganhou sua primeira corrida.

O moleque corria na Toro Rosso até o GP da Rússia. Numa decisão rumorosa e muito criticada pela crueldade com a vítima, ganhou a vaga na Red Bull após o rebaixamento de Daniil Kvyat para o time B. Hoje, o russo deve ser a pessoa mais arrasada do planeta. Helmut Marko, o guru rubro-taurino, bancou a troca. Levou cacetada de todos os lados. Como fazer isso com um piloto que no GP anterior, na China, tinha conseguido um pódio maravilhoso?

Pois é. Pode-se continuar questionando a crueldade, se a decisão foi correta ou não. Mas dá para dizer que não deu certo? Resultado: Marko, coisa rara — senão inédita —, foi o representante da equipe escalado para receber o troféu no pódio. Com seu olho de vidro e cara de mau.

O que mais impressionou em Verstappen hoje foi sua calma nas voltas finais. Não cometeu nenhum erro, não fritou pneu, não pisou fora da linha nenhuma vez, mesmo com uma Ferrari no seu cangote. Já falei da passividade de Raikkonen, que facilitou as coisas. Mas quando se coloca no liquidificador tudo que poderia dar errado — ansiedade, nervosismo, um retardatário, um pneu furado (Ricciardo teve um…), sensação de irrealidade, uma fritadinha numa freada um pouco além do ponto, vontade de espirrar, coceira no nariz, uma mosca na viseira, um disco-voador —, foi incrível vê-lo pilotando sob a pressão inacreditável de estar perto de uma vitória aos 18 anos de idade na primeira corrida por uma equipe nova e com um campeão mundial de carro vermelho no retrovisor.

Max foi ao pódio com o sorriso dos vencedores, daqueles que estão acostumados com a vitória, daqueles que buscam que elas sejam regra, não exceção. Sempre reparo nessas coisas. Atleta que chora demais quando vence é porque sabe que vai vencer pouco. Não, não é nenhuma indireta a Barrichello. O caso dele se encaixa nesse perfil, claro, mas estou falando genericamente, e de todos os esportes.

Max sorriu, não chorou. Dedicou a vitória ao pai e à equipe. Não caiu na tentação de se debulhar em lágrimas para lembrar da infância triste e sofrida. Nada disso. Sua vida é correr, desde pequeno. O pai foi piloto de F-1. A mãe, uma das maiores kartistas da Europa. Para ele, o ritual de subir ao pódio, receber um troféu e estourar champanhe é, por assim dizer, tão corriqueiro quanto assoprar velinhas num bufê infantil para uma criança de classe média no Brasil.

E o que de resto aconteceu no GP da Espanha perdeu importância diante da magnitude da vitória de Verstappen e da dimensão do acidente fratricida da Mercedes. Para registrar, Raikkonen e Vettel também receberam seus troféus, e na sequência Ricciardo, Bottas, Sainz Jr., Pérez, Massa, Button e Kvyat completaram a zona de pontos. Algumas atuações até podem ser elogiadas, como de Sainz Jr. e Button.

Mas foi dia de Max, que com seu brilho ofuscou tudo mais. Dia de reconhecer que a Red Bull, com seus métodos um tanto ortodoxos, mais acerta do que erra.

Dia de olhar para o menino imberbe no alto do pódio e enxergar o futuro.