Blog do Flavio Gomes
Imprensa

ACABOU

SÃO PAULO (mas na net…) – Nos meus tempos de “Folha”, uma corrida de F-1, qualquer uma, enchia uma página inteira em época de crise de papel e pelo menos duas em tempos normais. Isso faz tempo. Saí de lá em 1994, quando ainda não existia a internet. E quando a imprensa escrita era formada apenas […]

paperboy3SÃO PAULO (mas na net…) – Nos meus tempos de “Folha”, uma corrida de F-1, qualquer uma, enchia uma página inteira em época de crise de papel e pelo menos duas em tempos normais.

Isso faz tempo. Saí de lá em 1994, quando ainda não existia a internet. E quando a imprensa escrita era formada apenas por jornais e revistas. E eles eram importantes, relevantes, sérios.

Por muitos anos ainda escrevi para jornais. Já não faço mais. Eles diminuíram, ou acabaram, ou se prostituíram para seguir existindo, em alguns casos. As revistas de notícias, antes aguardadas com ansiedade nas bancas, viraram panfletos patéticos.

Já tem algum tempo que a plataforma de veiculação de informações migrou. Primeiro para os computadores de mesa, depois para os latptops, celulares, tablets. Nesse cenário a gente, por aqui, já se movimenta faz tempo — precisamente desde 1996, com a estréia do Warm Up, e depois, como Grande Prêmio, a partir de 2000. Na esteira do site vieram os blogs, os programas de TV, os podcasts, o GRANDE PREMIUM e todo o resto.

Automobilismo, vocês que acompanham sabem, é tema que começou a minguar nas páginas impressas em papel. Mas, nesta semana, algo bem significativo aconteceu.

Segunda-feira, na mesma “Folha” que lá naqueles meus tempos estampava duas páginas de uma corrida, nenhuma linha foi escrita sobre o GP do Canadá. Em nenhum lugar. Nem uma pequena nota, nem os três primeiros colocados da corrida na seção de resultados. Quem, daqui a 100 anos, pegar a “Folha de S.Paulo” do dia 13 de junho de 2016 para saber o que aconteceu no mundo no dia anterior não saberá que houve um GP no Canadá.

Fui ao acervo do jornal para ver o que escrevi na edição de 15 de junho de 1992, primeira prova que cobri em Montreal. Foram sete textos (ou “retrancas”, como dizíamos), duas fotos bem grandes, um infográfico (ou “arte”, como dizíamos) de meia página com classificação da corrida, dos Mundiais de Construtores e Pilotos e o “biorritmo”, uma espécie de volta a volta dos primeiros colocados. Tinha matéria com Mansell, com Senna, com Berger, com Christian, tudo. Absolutamente tudo.

E isso com o fuso ao contrário, horário de fechamento do jornal apertadíssimo, pressão desgraçada, sem internet para transmitir textos — e, para piorar, a vitória de Berger só foi confirmada três horas depois da bandeirada.

Bem, digo tudo isso para informar que um dos meus sucessores na função de correspondente de F-1 da “Folha”, meu amigo do peito Fábio Seixas, escreveu hoje sua última coluna para o jornal. Em abril do ano passado, depois de 22 anos ininterruptos nas suas páginas impressas, ela já tinha sido sacada do papel e passou a ser publicada apenas na versão “online” da “Folha”. E esses 22 anos de colunas começaram lá em 1993 com o nome “Warm Up”. Era eu que escrevia.

Nem o “online” quer mais F-1. “Acabou” é o título que o Seixas deu ao seu delicado e, ao mesmo tempo, doloroso texto, e que resolvi dar a esta nota, também. Porque o “acabou” dele se refere à coluna, e o meu, ao jornalismo — o velho jornalismo, porque o novo é vigoroso e presente, e basta ler o Grande Prêmio para constatar isso.

Digo que acabou porque não acho aceitável um jornal como a “Folha”, com toda sua história de coberturas automobilísticas, simplesmente eliminar de suas páginas de papel e eletrônicas um tema que é caro ao leitor, que tem tradição, que forjou tantos jornalistas excepcionais. Vou me excluir porque a modéstia não permite, mas foi a F-1 que gerou, na “Folha”, caras como o próprio Seixas, como Mario Andrada e Silva (chefe de comunicação da Rio 2016) e José Henrique Mariante (secretário de Redação da mesma “Folha” até hoje). Caio Túlio Costa, Matinas Suzuki Jr., Clóvis Rossi e Fernando Rodrigues foram outros que, em algum momento, foram escalados para cobrir algum GP no exterior por alguma razão — Rossi, por exemplo, foi meu substituto em Mônaco, quando me demiti depois do GP de San Marino de 1994.

Aí, numa segunda-feira pós GP, não tem F-1 no jornal. Aí, poucos dias depois, o único espaço de opinião sobre o assunto, ainda que na página eletrônica, é descontinuado.

Dá uma tristeza danada. Pela qualidade do texto do Seixas, sem dúvida — hoje ele trabalha no SporTV, tem um blog, acho que vai se virar por lá mesmo. Pelo desprezo a algo importante. Pela falta de noção absoluta de quem, atualmente, dirige esses veículos de comunicação. Dá uma tristeza danada porque em nome de uma economia de troco de pinga, mata-se, aos poucos, aquilo de que um jornal é feito: talento.

Azar deles.