Blog do Flavio Gomes
#96, Superclassic, farnéis

FARNEL, 10

SÃO PAULO (muita, muita saudade) – Já passou, e ter deixado a data passar é o fim do mundo. Foi no dia 10 de junho de 2006 que o primeiro farnel de Interlagos foi realizado num prédio do autódromo que nem existe mais — o antigo HC da Shell sobre o centro médico. Dez anos. Dez […]

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SÃO PAULO (muita, muita saudade) – Já passou, e ter deixado a data passar é o fim do mundo. Foi no dia 10 de junho de 2006 que o primeiro farnel de Interlagos foi realizado num prédio do autódromo que nem existe mais — o antigo HC da Shell sobre o centro médico.

Dez anos. Dez anos, meninos e meninas.

O público do blog mudou. Aumentou, diminuiu, sei lá. Sei que 2006 era, na prática, o primeiro ano deste blog, que entrou no ar no dia 5 de dezembro de 2005. E, graças a ele, um monte de gente começou a se conhecer. Leitores. A “blogaiada”.

Muito por conta dos temas que pingavam aqui. Eu falava — e falo — muito de carros antigos, eu tinha um DKW de corrida, publicava fotos dos anos 60 e 70, e começaram a aparecer blogueiros que viveram aquela época e morriam de saudades de Interlagos. Muitos não iam ao autódromo havia décadas. Sim, décadas. Eram os “Matuzas”, palavra que inventamos a partir de “Matusalém”, velhinhos barbados que resolveram sair da toca.

Vou lembrar de alguns nomes e esquecer de outros? Claro que sim. Mas vá lá. Boa parte deles está na foto aí em cima. Brandão, Joaquim, Ceregatti, Edison Guerra (que me lembrou da data e continua frequentando Interlagos em todas nossas corridas com sua indefectível câmera pendurada no pescoço), Romeu, Pierotti, Dú Cardim, Decanini, e mais os jovens como Caio, o de Santos, Bonilha, Furquim (veio de Floripa!)… E Veloz-HP. Veloz-HP, o misterioso, o blogueiro dos comentários mais engraçados da história, o profundo conhecedor de tudo sobre rodas, o colecionador de revistas estrangeiras, fotos inéditas, histórias idem.

Aqui, um parêntese.

Há um mês e meio, fechei o escritório na Paulista e me mudei para o galpão onde ficam meus carros. Tem espaço aqui, montei o novo escritório, fiz uma sala de troféus, aos poucos vou ajeitando as coisas. Outro dia me liga a sobrinha do Veloz. Ela tinha algumas coisas que queria me dar. Fazia anos que eu não tinha contato com a família dele, e foi uma grande alegria recebê-la. Vieram três caixas. Duas com livros e revistas, parte do acervo de Leandrov Alfonsov. Até uma carta que ele me escreveu, e talvez tenha desistido de mandar. Sim, carta. Veloz escrevia cartas. Falava, nesta que chegou só agora, de motocross, da crise do automobilismo, de uma porção de coisas. Sempre com a letra de forma impecável, inconfundível.

Na terceira caixa, um capacete azul de motociclista, o seu capacete. De certa forma, Veloz está aqui. Tenho certeza. Até porque tem cinco Ladas no galpão. Ele adorava esses pequenos soviéticos. Foi um deles que o levou para onde vamos um dia. Um sedã branco.

Parêntese fechado.

Aquele farnel — que nada mais era que um encontro entre desconhecidos que deveriam levar um salgadinho, um sanduíche de metro, umas cervejas e o que desse — teve mais de 400 pessoas, se bem me lembro. Acho que a lista de presença ficou com o Brandão, outro sumido. Gente que nunca tinha ido a Interlagos. Gente que, como já dito, não ia havia muito tempo. Gente que ia de vez em quando. Gente que se conheceu, bebeu, comeu, conversou e se divertiu. E, de quebra, viu uma corrida da então Superclassic.

E tudo isso, desconfio, por causa do #96. Um DKW lento, é verdade, mas valente e carismático. Que teve a pintura definida aqui, num concurso público, vencido por Bruno Mantovani — foi dele a ideia de reproduzir no Belcar a pintura do Carcará.

Foram dias muito felizes. Muito mesmo. Os farnéis se repetiram várias vezes até o fim daquele ano, e em 2007 também. Depois, foram rareando. O #96 se aposentou. Veio o Meianov. Veio outra fase das nossas vidas. Da minha, certamente. Os “Matuzas” foram desaparecendo. A molecada, também. Normal, o tempo passa, a vida corre, não há mágoas, há saudade, die with memories, not dreams.

Nosso sonho se realizou naqueles meses de 2006 e 2007 e se transformou em memórias, doces memórias. Interlagos virou nosso ponto de encontro, fizemos camisetas, credenciais e adesivos, vivemos intensamente, eu diria até que vidas mudaram por causa desses farnéis, nenhum de nós nunca mais foi o mesmo.

As corridas agora são um pouco diferentes, muitos dos pilotos daquela época também pararam de correr, eu sigo firme e insistente, agora com um Voyaginho simpático que me dá algumas alegrias, de vez em quando me frustra, é assim, corridas são assim. As pessoas não vão mais a Interlagos com tanta frequência, um ou outro aparece, tudo mudou, dez anos é bastante coisa, vamos em frente. Como escreveu Paul Auster, foi, não será de novo, lembre.

Então lembremos, com alegria e saudade, a saudade boa de quem viveu algo bom.