Blog do Flavio Gomes
Imprensa

DI LALLO

SÃO PAULO – Di Lallo, Escrevo com lágrimas nos olhos. Sei que você vai ler. Digo, sei que se um dia eu dissesse que iria escrever uma carta quando você morresse, você diria que sim, iria ler, claro. Você acreditava nisso, e as coisas são exatamente como acreditamos. Um dia você me falou do Facebook. […]

FSÃO PAULO – Di Lallo,

Escrevo com lágrimas nos olhos. Sei que você vai ler. Digo, sei que se um dia eu dissesse que iria escrever uma carta quando você morresse, você diria que sim, iria ler, claro. Você acreditava nisso, e as coisas são exatamente como acreditamos.

Um dia você me falou do Facebook. É lá que centenas de pessoas estão escrevendo para você. Notei que quase todo mundo escreve diretamente para você. Acho que todos sabem que você vai ler.

Que seja assim, brother, que seja assim.

Quando você me apresentou o Facebook, numa daquelas noites de quarta-feira no estúdio da rádio no Limão, naquele prédio que eu chamava de mausoléu do jornalismo, disse que era o futuro.

Era.

Antes, me apresentou o Twitter. É o futuro, disse.

Era.

Você parecia ter o dom de saber exatamente o que estava para acontecer, do que seria o futuro. Você sabia, por exemplo, que eu sempre chegaria.

Eu, o apresentador que sempre chegava em cima da hora. Estacionava o carro, a trilha de abertura já estava no ar. Lá em cima, no mezanino do mausoléu, desespero por todos os lados. Menos você, que quando eu apontava no corredor e acendia a luz vermelha “no ar”, dizia. Viu? Ele sempre chega.

Nunca te vi nervoso, nunca te vi levantar a voz, nunca te vi angustiado nem nos piores momentos da doença do seu pai, nem nos piores momentos do nosso projeto, aliás, do seu projeto de rádio que foi a coisa mais linda que vi e de que participei.

Não te conhecia, Di Lallo, até começarmos aquela maluquice em 2007. Eu era o quarto âncora, reserva do reserva reserva, mas por falta de interesse dos outros, ou talvez de disposição em tirar a cara do vídeo para botar a voz no microfone, acabei virando o titular. E você, coordenador daquilo tudo ao lado do Silvio Valente, ficava do lado de cá do vidro comigo, e ele do lado de lá com o Bruno Rota na mesa e a Cleide Castro na produção.

Esse foi o time que começou jogando, dou os nomes, normalmente esqueço todos eles, porque guardo com carinho esses pontapés iniciais da vida, e damos tantos pontapés iniciais na vida…

O âncora e o plantão. Os nomes foram se sucedendo, os times foram mudando, mas o âncora e o plantão foram ficando. Quarta e quinta, sábado e domingo. Das sete da noite às duas da manhã durante a semana, do meio-dia à meia-noite de fim de semana, e nessas centenas de jornadas falando de futebol, passamos milhares de horas falando da vida.

Nesses anos todos, e foram muitos, admirei em silêncio sua seriedade, sua competência, sua honestidade, seus princípios, seu profissionalismo, seu empenho, sua dedicação, sua cultura musical, sua visão de mundo, sua voz segura, sua precisão, seu carinho pelo ofício, sua paixão pelo rádio.

O rádio.

O rádio era nossa vida, nosso habitat. O microfone, nossa maior arma. Éramos bons. Todos nós. A cada jornada, eu via nos seus olhos o orgulho de ver funcionando tão bem aquilo que você montou com tanto critério, sabedoria e conhecimento de causa, a preocupação com os detalhes, com o bem-estar de cada um, repórteres, narradores, comentaristas.

Você era, acima de tudo, um cara justo. E, por isso mesmo, respeitado.

Depois do último boa-noite aos ouvintes, já alta madrugada, descíamos por aquelas escadas soturnas e mal iluminadas do edifício enorme na Marginal, chegávamos ao estacionamento e antes de ir embora fumávamos um cigarro tendo como fundo sonoro o zumbido das rotativas do jornal decadente. Até amanhã, brother, você sempre chamava os amigos de brother, e então entrava cada um no seu carro, e eu voltava para casa pelas ruas vazias e silenciosas cansado, claro, mal alimentado, claro, porque só comíamos pizza e sanduíches e esfihas, mas com a sensação de ter feito as coisas direito porque, quando terminávamos, eu via nos seus olhos que tinha dado tudo certo.

Depois de um tempo você sabia que não iria durar muito, as coisas estavam mudando no Sumaré, você sabia exatamente quando e como acabaria, mas nunca ouvi de sua boca uma única palavra de raiva, ou mágoa de ninguém. No máximo, tristeza. E lealdade até o fim. Às pessoas e ao seu projeto de vida.

Estou escrevendo agora porque sei que você vai ler. Sei que você acreditaria que iria ler, então é porque vai ler.

Um dia, acabou. Primeiro pra você, depois pra mim.

Ano passado eu errei o dia do seu aniversário. Fui para o pub no dia errado, uma semana antes, grande vexame, você riu.

Neste ano, fomos no dia certo e vimos o melhor cover de Pink Floyd de todos os tempos, a Marília te adorou, adorou a noite, as comidas, a bebida, a música, os novos amigos.

Valeu, brother, você falou quando íamos embora.

Não te vi mais, não vou te ver mais, mas se você estiver lendo, e está, vai me dizer, sorrindo, que é claro que vou te ver de novo, então, sendo assim, brother, é claro que vou.