Blog do Flavio Gomes
F-1

YES, MARINA (4)

SÃO PAULO (e ainda tem mais decisão hoje) – Quando se fala sobre os pilotos da Mercedes, a conclusão é quase sempre a mesma: Hamilton é muito melhor que Rosberg. Era assim na McLaren com Senna e Berger. Na Williams, com Mansell e Patrese. Na Ferrari, com Schumacher e Barrichello. Quando equipes dominantes tiveram duplas […]

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SÃO PAULO (e ainda tem mais decisão hoje) – Quando se fala sobre os pilotos da Mercedes, a conclusão é quase sempre a mesma: Hamilton é muito melhor que Rosberg. Era assim na McLaren com Senna e Berger. Na Williams, com Mansell e Patrese. Na Ferrari, com Schumacher e Barrichello.

Quando equipes dominantes tiveram duplas desiguais na F-1, nenhum escudeiro desafiou de verdade a estrela da companhia.

Rosberg o fez.

E, por isso, é não só o legítimo campeão mundial de 2016, como também o cara que que vai entrar para a história como o redentor dos segundos pilotos.

[bannergoogle]Sí, se puede. Esta é a mensagem que o alemão deixou hoje ao terminar o GP de Abu Dhabi, último da temporada, na segunda colocação. A vitória foi de Lewis Hamilton, o primeirão, o tricampeão, o talentoso, o superstar. O “que merecia”, porque ganhou mais corridas no ano — 10 contra 9 — e só não conquistou o título porque teve alguns problemas mecânicos ao longo do campeonato. Seus fãs lembram especialmente da quebra de motor na Malásia.

Ora, ora. Quanta maldade com quem não tem nada a ver com a história. Alguém se lembra dos problemas que Rosberguinho teve em Mônaco, por exemplo? E da gentileza ao deixar o companheiro passar numa pista em que isso é praticamente impossível, só porque o ritmo dele era melhor? Ele poderia complicar as coisas ali, não poderia? Em vez disso, se arrastou a corrida inteira, terminou em sétimo, permitiu que Lewis vencesse pela primeira vez no ano e iniciasse uma reação impressionante que, antes das férias, culminou com quatro vitórias seguidas e a liderança do inglês, numa virada histórica.

[bannergoogle]Mas Nico virou o jogo de novo. E a partir do momento em que a matemática lhe permitia não vencer mais nenhuma corrida, não venceu. Foram quatro segundos lugares nas quatro vitórias derradeiras do Comandante Amilton, a conta certinha para terminar o Mundial com cinco pontos de vantagem sobre seu parceiro: 385 a 380.

Que, de parceiro, diga-se, não tem nada. Hamilton fez hoje um terrorismo psicológico com Rosberguinho digno dos mais sádicos torturadores da ditadura militar. Num circuito proibitivo para ultrapassagens, resolveu “embolar” a corrida com uma tática simples. Como largava na pole, se mantivesse a liderança na primeira volta seria capaz de ditar o ritmo da prova. E o que fez? Resolveu que o ritmo seria rápido o suficiente para vencer, mas lento o bastante para que os dois carros da Mercedes não disparassem na frente de adversários que poderiam ameaçar Rosberg. A saber: as duplas da Ferrari e da Red Bull.

A estratégia, quase maquiavélica, levou a Mercedes à loucura. A equipe, no pit-wall, sabia que Lewis estava tirando o pé, e isso poderia significar a perda do GP. Rosberg, em segundo, poderia andar mais rápido, se quisesse, mas sabia que seria inútil. Se chegasse para ultrapassar, Hamilton apertaria o pé direito e não deixaria. O risco, ali, era todo do alemão. Qualquer batida, rodada, toque, poderia significar um abandono. Com a chance de o outro vencer. Enquanto isso, na parte final da prova, Vettel e Verstappen vinham chegando.

A ideia de Lewis era essa mesmo. Quando os dois chegassem em Rosberguinho, talvez pudessem ultrapassá-lo. Então, ele aceleraria de verdade para vencer, com o companheiro em quarto — resultado que lhe daria o título. Na teoria, tudo muito legal. Mas, na prática, a estratégia elevou a tensão nos boxes da equipe a níveis quase insuportáveis. A ponto de, num determinado momento, Paddy Lowe, o chefão da engenharia do time, entrar no rádio e dizer, alto e bom som, pausadamente: “Lewis, você precisa encontrar o ritmo, senão vamos perder a corrida”. “Encontrar o ritmo” é uma forma polida de falar “acelera essa merda, caralho”. Mas Hamilton respondeu, quase cinicamente: “Estou liderando a corrida, e muito confortável do jeito que está”. Pelo espelhinho, já via três carros no cangote. Dois deles prontos para superar Rosberg.

Mas Nico foi impecável nessa fase da prova, colou em Hamilton, não esboçou nenhum ataque, e também não permitiu que Vettel, o que chegou mais perto nas últimas quatro voltas, fizesse alguma coisa fora do comum. Ainda tinha uma pequena margem de segurança, porque o terceiro lugar lhe bastaria. Sob uma pressão quase insuportável, o alemão segurou a onda. Cruzou a linha a menos de meio segundo de Hamilton e apenas 0s8 à frente de Sebastian.

E fez sua festa.

Festa que teve “zerinhos” e um agradecimento especial a Vivian, sua esposa. E a lembrança de Keke, seu pai, campeão mundial de 1982. Nico é o segundo filho de campeão que conquista o título. O outro foi Damon Hill, filho de Graham, que levou a taça em 1996. E é, também, o piloto que mais disputou GPs até alcançar a maior glória da categoria. Rosberguinho precisou de 206 corridas para gritar “é campeão”. O recorde anterior era de Nigel Mansell, que demorou 176 GPs para chegar à taça, em 1992.

Festa que teve pouca empolgação de Hamilton com o companheiro. Se abraçaram rapidamente assim que saíram de seus carros, mas nem se olharam na salinha pré-pódio. Depois de receberem os troféus, na entrevista conduzida ali mesmo, Rosberg recebeu um sorriso de Lewis, um aperto de mão, um abraço e um “parabéns” público. Nada muito efusivo. O inglês, em alguns momentos, dá a impressão de não saber perder. Ele se acha — com razão — melhor que Nico. Mas um tiquinho de humildade não faz mal a ninguém. Reconhecer os méritos de quem foi capaz de derrotá-lo era a primeira coisa que deveria ter feito. Mas tudo bem, é competição pura, ninguém gosta de ser batido

Quanto à corrida, tirando as últimas cinco voltas foi a chatice de sempre de Abu Dhabi, um circuito tecnicamente horrendo e que tem no hedonismo sua maior característica. Os dois mercêdicos pularam na frente e Verstappinho tocou em Hülkenberg na largada, rodando e caindo para último. Isso fez com que ele mudasse a estratégia de duas para apenas uma parada — sua sorte foi que não largou de ultramacios, mas sim com os supermacios.

Os demais pararam duas vezes, tática-padrão na pista árabe. Hamilton veio na volta 8; Rosberg, na 9. Ambos perderam tempo nos pit stops porque os carros da Ferrari estavam chegando quando eles iam sair depois das trocas. Nico voltou atrás de Max, o que representava encrenca certa. Ele sabia que o segundo lugar do holandês era fictício, mas também não poderia dar moleza. Então, com paciência e tenacidade, o alemão foi chegando, chegando, apertando, até arriscar uma ultrapassagem perigosíssima na 20ª volta.

Foi seu grande momento na corrida. Encarou o menino de ouro com coragem e técnica, retomou o segundo lugar e foi em frente. Max parou na volta 22 para seu pit stop único, voltou em oitavo, 24s3 atrás de Rosberg, já em segundo. Nico teria uma parada, ainda. Era importante monitorar o holandês. Com essa diferença, poderia parar sem grandes sustos, o que fez na volta 30 — Hamilton tinha parado uma volta antes.

Nessa altura, Vettel, que esticou o segundo stint, assumiu a ponta. Sua ideia era levar até onde desse, para colocar pneus supermacios nas voltas finais — os demais estavam com macios. E foi aí que Hamilton começou a tirar o pé deliberadamente, chamando Rosberg, Verstappen e Ricciardo. Vettel parou na volta 38, voltou em sexto e voando. Lá na frente, Lewis segurando o pequeno pelotão. Na volta 47, o rádio começou a ser acionado com insistência pela Mercedes. Hamilton não quis nem saber.

No fim das contas, Vettel foi atropelando, passou Kimi, Ricciardo e Verstappen, e apareceu em terceiro a quatro voltas do fim. Chegou em Rosberg muito facilmente, mas tive a impressão que sacou o que Hamilton estava fazendo e resolveu não atacar o compatriota. Um pódio já estava bom. E se tudo terminasse daquele jeito, não correria o risco de ver Lewis ser campeão pela quarta vez. Ele, Sebastian, segue sendo o único tetracampeão em atividade.

E assim terminou o GP árabe, com Hamilton, Rosberg e Vettel no pódio, seguidos, na zona de pontos, por Verstappen, Ricciardo, Raikkonen, Hülkenberg, Pérez, Massa e Alonso. Felipe se despediu com pontos para a Williams, uma saída digna. “Saio lutando até a última volta da minha carreira do mesmo jeito que lutei na primeira volta de minha primeira corrida”, disse, emocionado. E outro veterano deu adeus à categoria, Button, com uma suspensão quebrada na 13ª volta. Quem também pode ter dito adeus foi Felipe Nasr. Ele está a pé para 2017 e as negociações com Sauber e Manor não andaram. Tanto que hoje, pela primeira vez na história, Galvão Bueno falou F-1 é legal sem piloto brasileiro, também. Deixarei para comentar o tema em outro post.

“Não foi a corrida mais legal da minha vida”, falou o 33º piloto a alcançar um título mundial. “Primeiro com Max no começo, depois todos os outros no fim, foi realmente tenso e estou feliz e aliviado que acabou.” Tão aliviado que até abraçou Bernie Ecclestone e o ergueu no ar. Foi o 12º título conquistado por um alemão na F-1. No caso, um alemão que não se rendeu à posição confortável de escudeiro de gente mais famosa e bonita aos olhos de fãs e especialistas.

Rosberguinho, hoje, provou que essa história de segundo piloto é cascata. Quando o cara quer, vira primeiro.