Blog do Flavio Gomes
F-1

MEN AT WORK (3)

SÃO PAULO (pff) – Eu deveria me afastar das redes sociais e seu otimismo babão insuportável. Assim que acabou a porcaria do GP da Austrália, dei uma passada de olhos pelo Twitter, a ferramenta mais usada por pilotos, equipes, jornalistas e fãs da F-1. E foi um tal de comemorar com frases definitivas como “até […]

menat3SÃO PAULO (pff) – Eu deveria me afastar das redes sociais e seu otimismo babão insuportável. Assim que acabou a porcaria do GP da Austrália, dei uma passada de olhos pelo Twitter, a ferramenta mais usada por pilotos, equipes, jornalistas e fãs da F-1. E foi um tal de comemorar com frases definitivas como “até que enfim temos um campeonato”, “a Mercedes não vai mais dominar”, “vitória da Ferrari é sempre especial”, coisas assim, que me deu vontade de…

Ah, me deu vontade de mandar todos à merda e ir dormir. Porra, parece que ninguém mais tem senso crítico neste mundo?

Foi muito, muito ruim a corrida de Melbourne. OK, a Ferrari ganhar é legalzinho, fazia tempo e tal. Mas e daí? E o espetáculo? E a competição? E a disputa? E o que vem aí pela frente?

O que vem aí pela frente é um Mundial dos mais aborrecidos do ponto de vista técnico e esportivo, por conta da impossibilidade de ultrapassar até carrinho de sorvete com esse regulamento. O excesso de downforce não permite que se chegue perto de quem está na frente. É vento demais empurrando a bagaça para o chão. E sem esse vento, na rabeira do outro, na turbulência absoluta, não encosta em ninguém, filho, que seu carro pode acabar num muro.

[bannergoogle]Tal característica aerodinâmica inibe qualquer tentativa de aproximação e de dividir uma freada. Nem Verstappinho, que no ano passado chegava, abria a asa móvel, se virava e passava, arriscou algo sobre Raikkonen no fim, com o carro mais rápido e tudo. O mesmo vale para Bottas, que tinha como chegar em Hamilton, teoricamente.

Mas que nada, sai da minha frente que eu quero passar [imagine-se cantarolando como Jorge Ben], e só saindo da frente para o outro passar. Como fizeram com educação e gentileza os integrantes da turma da bandeira azul — todos, menos os seis que terminaram a corrida na mesma volta. Antes que me esqueça: Vettel, Hamilton, Bottas, Raikkonen, Verstappen e Massa. Agora vou trocar os nomes pelas diferenças de tempo para o vencedor: Vettel, 9s9, 11s2, 22s3, 28s8, 83s3.

Alguém consegue imaginar alguma briga de verdade aí?

Vettel beija Gina: vitória bonita em corrida feia

Não houve disputa de nada. Sebastian ganhou a corrida no pit stop único — outra coisa que vai se repetir ao longo do ano, a estratégia-padrão de uma parada –, porque Hamilton, sabe-se lá o motivo, foi para os boxes muito cedo, na volta 18, quando liderava com o alemão pertinho, a diferença variando entre 0s8 e 1s5.

Pombas, na volta 18? Para trocar pneus ultramacios por macios, mais lentos, e dar a Vettel a chance de ficar na pista com sua borracha gosmenta mais um tempão?

[bannergoogle]Ah, jovem, entregou a rapadura. Tião Italiano só foi parar na volta 24. A Mercedes ainda fez o favor, ao chamar Lewis para a troca, de devolvê-lo à pista em quinto, no meio do tráfego pesado do meio da tarde em Albert Park. Por tráfego pesado entenda-se Verstappinho. Se ele perdesse um ou dois segundos atrás do holandês da Red Bull, o que aconteceria? Vettel voltaria do pit stop à frente. E o que aconteceu? Vettel voltou do pit stop à frente.

E, desta forma, a prova terminou na volta 24, quando o ferrarista saiu zunindo dos box e se colocou à frente de Verstappen. Em uma volta, abriu 3s de Hamilton. Max saiu da frente do britânico para fazer sua parada na 26ª. Na 28ª, Vettel já tinha 6s2 para Lewis. Era só esperar pela quadriculada e comemorar de novo.

Primeira vitória de Sebastian e da Ferrari desde 2015: merecida, no fim das contas

E olha que Vettel não festejava uma vitória desde o GP de Cingapura de 2015, um tempão. Já a Ferrari não encerrava um fim de semana de corrida na liderança do Mundial desde o Japão em 2012, onde Alonso chegou na ponta da classificação. Nada menos do que 1.625 dias de jejum. Vettel não sabia o que era ficar na frente da tabela desde a última etapa de 2013, ano em que conquistou o tetra. E a Mercedes não sabia o que era ficar atrás na tabela desde a primeira corrida de 2014, quando iniciou o domínio que, até agora, resultou em três títulos de construtores e três de pilotos.

[bannergoogle]Foi a 43ª vitória da carreira de Sebastian, que fez uma prova impecável. Largou bem, colou em Hamilton, não deixou o inglês escapar — eu achava que ele ia sumir… — e se aproveitou do pit stop precoce do rival para ganhar a posição nos boxes e desfilar com tranquilidade até a volta 57 (uma a menos que a distância original, já que a largada foi abortada) e comemorar em italiano pelo rádio, como se habitou a fazer nas conversas com a equipe.

Houve parcas insinuações de briga durante a prova, como quando Sapattos, na volta 39, começou a se aproximar de seu novo companheiro de equipe. A distância, que fora superior a 6s, caiu para 2s7. Mas não aconteceu nada, nenhum esboço de ataque, nenhum rascunho de assédio, uma sonolência irritante. O mesmo aconteceu na volta 45, quando Verstappinho encostou em Raikkonen na luta pelo quarto lugar. Luta, claro, um eufemismo deste que vos escreve. Max declinou de qualquer investida, repeliu qualquer bosquejo de vitupério que tão bem exercitou no ano passado. Comportou-se feito um cabritinho acuado, para resumir.

A Red Bull, aliás, não teve um fim de semana dos mais alvissareiros. Não bastasse o quinto lugar discreto de Verstappen, algo que não se comemora com muito gáudio, Ricciardo teve um daqueles dias que lembraram Barrichello e seus infortúnios correndo em casa, em Interlagos. No caso do australiano, bateu ontem, trocou o câmbio, perdeu cinco posições no grid, estancou na pista quando estava levando o carro para alinhar, largou dos boxes com três voltas de atraso e quebrou na metade da corrida. Não há sorriso que resista.

Ricciardo e seu dia de Barrichello: quebrou a caminho do grid, largou 3 voltas atrás, depois parou

Em suma, e voltando à competição, ninguém tentou porra nenhuma nessa corrida, e mesmo quando alguém passou alguém, em altercações que de pouco valiam, foi porque a vítima padecia de algum contratempo mecânico, ou performático. Caso de Alonso no fim, ele que se sustentava bravamente em décimo com a morosa McLaren, e foi superado por Ocon e Hulkenberg ao mesmo tempo; ultrajado, levou o carro aos boxes e abandonou. Alegou-se um problema de suspensão. Mas o espanhol estava desolado. “Somos os piores”, disse. “Nunca tive um carro tão ruim.” Isso não vai acabar bem.

Falei dos seis primeiros, concluamos este relato com os outros quatro que marcaram pontos, a saber: Perez, Sainz Jr., Kvyat e Ocon, um Force India rosa em cada ponta deste breve grupo, dois carros da Toro Rosso no meio. Haas e Renault, de quem se esperava um pouco mais, decepcionaram. Os dois carros ianques enguiçaram, e só um francês amarelo chegou ao fim, o de Hulk, em 11º. Do resto não há muito a reportar. O pobre Giovinazzi conseguiu terminar em 12º, mas fez pouco mais do que respeitar bandeiras azuis. Não Doorme, com a outra vagarosa McLaren, foi o 13º e último a terminar o GP australiano andando. No caso dele, andando, mesmo.

Resultado final em Melbourne: só seis carros na mesma volta

Vettel estava justificadamente muito feliz no pódio. Hamilton não demonstrou contrariedade nenhuma pelo segundo lugar e recebeu seu prêmio sorrindo, falante, todo serelepe. Bottas ostentou o típico enlevo dos finlandeses quando logram sucesso em qualquer coisa — ou seja, manteve sua expressão glacial do início ao fim.

[bannergoogle]A corrida durou 1h24min11s672. Não dá para comparar com a do ano passado, que levou 1h48min15s565 da largada à bandeirada, mas foi interrompida com bandeira vermelha depois do acidente entre Alonso e Gutiérrez. Pode-se traçar um paralelo com a prova de 2015 para tentar enxergar quão mais rápidos estão os carros deste ano em relação aos do regulamento anterior. No caso, aquele GP de dois anos atrás durou 1h31min54s067 — foi quase 8min mais longo que o de hoje.

Não quer dizer muita coisa. O aumento de velocidade é perceptível nas imagens da TV e a sensação de que as corridas terminarão mais rápido será tangível a cada domingo. Quanto a isso, tudo bem. O transtorno, em 2017, será de outra ordem: maus espetáculos no horizonte.

Espero estar muito errado.

Sob os aplausos de Hamilton e Bottas, Vettel ergue o troféu: 43 vitórias na carreira