Blog do Flavio Gomes
F-1

A HORSE WITH NO NAME (3)

SÃO PAULO (e como!) – “La macchina funziona!” Vettel disse isso segurando o rosto de um dos engenheiros da Ferrari ao sair do carro, no Parque Fechado, abraçou todo mundo, imitou coelhinho de Páscoa, fez uma festa que não se via havia muito tempo, depois acariciou Gina — seu carro — e foi para o […]

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SÃO PAULO (e como!) – “La macchina funziona!” Vettel disse isso segurando o rosto de um dos engenheiros da Ferrari ao sair do carro, no Parque Fechado, abraçou todo mundo, imitou coelhinho de Páscoa, fez uma festa que não se via havia muito tempo, depois acariciou Gina — seu carro — e foi para o pódio buscar o 44º troféu de vencedor de sua vida.

Funciona, a máquina. E bem. Sebastian ganhou hoje uma corrida difícil, pensada, tensa, estratégica. Foi valente e lembrou seus melhores tempos de Red Bull. Ao contrário dos que insistem em ver nele um piloto comum, aquele “que só ganha com o melhor carro”, mostrou ser capaz de vencer com um equipamento que pode não ser o mais rápido de todos, mas é muito bem construído, eficiente e competitivo. A lição que o GP do Bahrein deixa é: neste ano, velocidade não é tudo.

[bannergoogle]Não é tudo porque, além de rápido, um carro precisa ser equilibrado com essa potência toda e essa enorme carga aerodinâmica. Precisa ser gentil com os pneus, sob um regulamento que incita a agressividade. Sebastian é um piloto excepcional — tem quatro títulos no bolso, para quem não se lembra. Ganhou um carro, nesta temporada, que… funciona! E isso, um piloto excepcional com um carro que funciona, é tudo que a F-1 precisava para desafiar uma hegemonia.

A Mercedes ainda é mais rápida. Fez todas as poles do ano. Hamilton, na última fase da corrida de hoje, andou num ritmo alucinante com pneus novos. Não fosse a punição que levou, talvez tivéssemos uma disputa eletrizante nas voltas derradeiras. O grande duelo entre os dois maiores protagonistas do campeonato ainda não aconteceu. Mas está chegando a hora.

Vettel e Hamilton se encontraram nos primeiros metros da corrida noturna do deserto, disputada com céu aberto e 25 graus de temperatura. Lewis era o segundo no grid, tendo perdido a pole para seu parceiro Bottas na véspera. Tião Italiano, terceiro. Do lado mais sujo da pista, Hamilton não largou bem. E foi ultrapassado pelo ferrarista, pela primeira vez no ano, na pista.

Claro que ultrapassagem em largada é, geralmente, algo muito mais circunstancial do que estudado, ensaiado e consumado. Mas, para todos os efeitos, passou. Vettel foi atrás de Bottas, Hamilton se encaixou atrás e, logo depois, veio Verstappinho, que seguiu o comboio pelo lado certo. Ricardão colou no companheiro. E, assim, os cinco primeiros foram se distanciando dos demais com o ritmo ditado por Valtteri. Ritmo que, diga-se, não era grande coisa.

A cada aproximação de curva, a impressão era de que Sebastian tinha mesmo mais carro que o finlandês. Mas não conseguia passar. O jeito foi chamá-lo para os boxes antes dos outros. Na volta 11, ele entrou e colocou um novo jogo de supermacios. Duas paradas, pois. A ideia foi tirá-lo de trás de Bottas, lhe dar algum tempo de pista livre para fazer bons tempos e, quem sabe, vê-lo na frente do piloto da Mercedes quando ele parasse.

Vettel voltou em 12º, sem muito tráfego. Verstappen parou logo depois, mas já na volta à pista teve algum problema nos freios e passou direto numa curva. Raro abandono, deu uma bica na proteção dos pneus, cheio de raiva, e foi embora. Depois veio Raikkonen para os boxes. Era a hora de saber de a estratégia do alemão iria dar certo, porque aparentemente estava aberta a janela de pit stops para aqueles que iriam parar duas vezes.

Mas será que alguém tentaria um pit stop apenas?

[bannergoogle]Jamais saberemos, porque na volta 13 Sainz Idade saiu dos boxes feito um touro xucro, esqueceu que havia outros carros na pista e foi acertado pelo pobre Strollvenga, que desta vez não teve culpa de nada — o espanhol da Toro Rosso já tomou três posições de multa no grid da próxima prova. O tanto de pedaço de carro que ficou na pista fez com que o safety-car fosse acionado. Vettel já estava em sexto.

O efeito desse safety-car foi levar Sebastian para a liderança instantaneamente. Se tinha alguém a fim de fazer só uma parada, deve ter amaldiçoado o acidente. Mas não sei se era o caso. Sei que todo mundo parou enquanto limpavam o estrago do acidente, na volta 14, e, nesse momento, Lewis cometeu o erro que comprometeu sua corrida.

Como estava atrás de Bottas, teria de esperar o finlandês fazer sua troca. Isso atrasaria seu pit stop. Então, para dividir o tempo perdido com quem vinha na sua cola, no caso Ricciardo, diminuiu muito a velocidade na entrada dos boxes. Os comissários perceberam. Alguns minutos depois, puniriam o inglês com 5s. Lewis colocou pneus macios nessa parada. Havia uma chance de ir até o fim. Se isso acontecesse, teria 5s acrescidos ao seu tempo final de prova. Se tivesse de parar de novo, pagaria os 5s no pit stop.

Essa dúvida, se Hamilton trocaria de pneus mais uma vez, perdurou durante bastante tempo. Vettel faria um segundo pit stop, claro, pela obrigatoriedade de usar dois tipos de pneus na corrida. Lewis, em tese, não. Mas sua borracha iria aguentar? Nem Alá sabia.

A relargada aconteceu na volta 17. Hamilton imediatamente passou Ricciardo e Bottas tentou o bote para cima de Vettel, que se defendeu lindamente. O australiano da Red Bull, com pneus macios, também foi ultrapassado por Massa e Raikkonen e caiu para sexto. Depois, Kimi foi para cima do brasileiro e assumiu o quarto lugar. A corrida era boa.

Na volta 27, Bottas, com pneus supermacios — portanto com uma segunda parada obrigatória, como Vettel –, abriu caminho para Hamilton sem oferecer resistência. Não farei juízo de valor. Ainda. Hamilton estava 6s1 atrás da Ferrari. Tião tinha de parar de novo. Comandante Amilton, ainda um mistério.

O tempo foi passando, e Lewis não deixava Vettel escapar. Muito pelo contrário. Bottas parou na volta 31 e caiu para sétimo. A diferença da Ferrari #5 para a Mercedes #44 era de 4s7. Hamilton já sabia que teria de pagar 5s. Mas se não parasse mais, Sebastian teria alguma dificuldade para retomar a ponta depois de seu pit stop. Ele aconteceu na volta 33. Raikkonen foi para segundo. A diferença entre o alemão e o líder Hamilton era de 16s5.

[bannergoogle]Calculadora na mão: 16s5, na verdade, eram 11s5, considerando a pena ao inglês. Ele estava com pneus bem velhos, trocados na volta 14. Vettel tinha um jogo zero quilômetro, cerca de 20 voltas mais novo. Com menos de metade da corrida pela frente, a conclusão era simples: a prova estava para o alemão. Mesmo se Hamilton não parasse. Afinal, ele só teria de aproveitar seus pneus muito melhores para encostar no rival e ficar lá, menos de 5s atrás, para ganhar pela segunda vez no ano.

A diferença foi caindo, como era de ser imaginar. Na volta 41, era de 9s8. Tira 5 dá quanto? 4s8. Já era para Hamilton.

E já era tanto, que ele passou a correr risco de perder mais posições. Rendeu-se à borracha detonada, parou na volta 42, pagou os 5s, colocou macios de novo — na Mercedes, os supermacios não funcionavam mais do que três ou quatro voltas — e retornou à pista atrás de Bottas, coisa de 9s. Então, saiu voando feito um desesperado, e cinco voltas depois da parada atropelou o companheiro — não farei juízo de valor, ainda — e assumiu o segundo lugar.

Vettel estava confortavelmente 11s à frente, embora com pneus 9 voltas mais velhos. Mas não seria um grande problema. Lewis se esforçou, o engenheiro lhe mandou várias frases de manuais de autoajuda pelo rádio, “viva simples, sonhe grande, seja grato, dê amor, ria muito!”, “deixe pra trás o que não te leva pra frente”, “vá firme na direção das suas metas, porque o pensamento cria, o desejo atrai e a fé realiza”, “inspira, respira, não pira”.

Enquanto isso, Tião Italiano assoviava alegremente e ensaiava o que dizer em italiano pelo rádio assim que recebesse a bandeirada.

Esse relato quase restrito a dois pilotos pode dar a impressão de que todos os outros foram meros coadjuvantes na corrida.

De certa forma, foram mesmo. Ninguém brilhou o suficiente para merecer um parágrafo. Bottas, no pódio, estava com cara de quem tinha ganhado um bolo de Páscoa da Garoto. Da turma que veio atrás, na zona de pontos, concedo um par de parênteses para cada: Raikkonen (xingou muito pelo rádio), Ricardão (sua sorte foi Verstappen bater), Massa (chegou na hora, bateu o ponto, fez o que tinha de fazer, foi embora), Pérez (esse merece palmas, porque veio lá de trás), Grojã (OK), Hulk (pontuou, já está bom) e Ocon (idem).

Uma linha para Wehrlein, vai. Ficou em 11º, fez uma corrida honesta na sua volta à lida.

Outra linha para Alonso. Praguejou o tempo todo até abandonar. Já estou ficando com pena.

E fim.

Vettel tem 68 pontos agora, contra 61 de Hamilton. Só os dois chegaram nas duas primeiras colocações no ano. Bottas e Raikkonen, com os mesmos carros, não vão incomodar. Kimi, naturalmente — porque não se entendeu com esses carros, não está a fim, vive um momento opaco, sei lá por quê. Valtteri teve lá seu brilhareco com a pole, mas o fato é que na primeira parte da corrida não foi capaz de controlar a prova, nem de imaginar uma estratégia, junto com seu engenheiro, que pudesse resultar numa vitória — algo que precisaria para sair da sombra de Lewis. E, depois, ainda teve de engolir dois “sai da frente pra não atrapalhar”.

Vamos nos acostumando com corridas como a barenita. Muito cálculo, muita estratégia, muita tensão, relações muito diferentes de cada conjunto carro/piloto com cada tipo de pneu, treinos de sexta cada vez mais importantes, estudo, estudo, estudo. Aí é só jogar este dois extraordinários pilotos na pista e ver o que cada um faz. E se a dupla da Red Bull estiver inspirada, melhor ainda.

Estou gostando, em resumo.