Blog do Flavio Gomes
F-1

DEU NO PRAVDA (3)

SÃO PAULO (só falta escrever) – Quando um piloto ganha uma corrida pela primeira vez, é legal. Muito legal. Ver como comemora, como os outros reagem, como a equipe festeja, como a imprensa avalia… Por isso, a vitória de Bottas hoje na Rússia salvou o GP. Como foi a primeira, ganhou ares de “fazendo história”, […]

rus171

SÃO PAULO (só falta escrever) – Quando um piloto ganha uma corrida pela primeira vez, é legal. Muito legal. Ver como comemora, como os outros reagem, como a equipe festeja, como a imprensa avalia… Por isso, a vitória de Bottas hoje na Rússia salvou o GP. Como foi a primeira, ganhou ares de “fazendo história”, expressão que abomino, mas não sei bem por quê. Até que faz sentido: fazer história. É, fez história. Ganhou a primeira, colocou a Finlândia de volta ao topo depois de quatro anos (o último tinha sido Raikkonen, de Lotus, em 2013 na Austrália), tornou-se o quinto piloto de seus país a vencer um GP, sim, é um capítulo escrito.

Como quando Alesi venceu sua primeira corrida, no Canadá, em 1995. Quem diria que seria a única? Acabou virando história. A melhor história de um piloto em quem todos apostavam muito, especialmente depois da estreia, com um quarto lugar em Paul Ricard/1989 (eu estava lá) pela Tyrrell, e de uma prova maravilhosa no ano seguinte em Phoenix — batalha verdadeiramente épica contra Senna, e no final um segundo lugar marcante. No fim, ficou naquela de Montreal e mais nada.

[bannergoogle]Mas Bottas não será um Alesi, porque ao contrário do francês, que nunca esteve num time realmente hegemônico — mesmo tendo ficado cinco anos na Ferrari e chegado à Benetton em 1996, um ano depois do bi de Schumacher –, o simpático, calado e pacato finlandês corre pela Mercedes, equipe que dominou de cabo a rabo os últimos três campeonatos. E que, se não repete o domínio agora, segue sendo fortíssima: fez três das quatro poles do ano e venceu duas das quatro corridas da temporada.

Correndo pela Mercedes, ganhar era uma questão de tempo para Valtteri, mas confesso que achava que iria demorar mais. Aliás, depois das primeiras provas, escrevi neste blog que os provedores de internet hão de comer que mui rapidamente Mercedes e Ferrari tinham entendido que Hamilton e Vettel seriam os litigantes pelo título, e que a Bottas e Raikkonen restaria o honroso posto de auxiliar-de-campeonato — se não atrapalhassem e somassem bons pontos, já estariam fazendo bem seu papel.

Bem, Bottas colocou o pescocinho para fora do engradado. Ao fazer a pole no Bahrein, na corrida anterior, acenou de dentro dos boxes para seus chefes: “Oi pessoal, estou aqui, olha, meu nome é Bottas, Valtteri Bottas, sílaba tônica no ‘val’, proparoxítona como quase todo nome de finlandês, se fala ‘ráiconen’ e ‘ráquinen’, lembram deles?, pois é, eu sou Valtteri, fala ‘válteri’, não ‘valtéri’, fui contratado outro dia aí, e também sei pilotar carros de corrida, valeu? Muito prazer”.

Hoje, o aceno foi diferente, com o punho fechado de dentro do cockpit e um sorriso meio tímido lá no pódio, no degrau mais alto, graças a uma largada fantástica que decidiu a prova de Sóchi nos primeiros metros.

[bannergoogle]A corrida, em si, foi muito ruim. O que não é uma surpresa, dadas as características da pista. O cenário é lindo, a cidade é sensacional com suas instalações olímpicas, as montanhas com neve lá no topo lembram folhinha de colocar na parede, mas o traçado é muito sem graça, sem relevo, sem curvas diferentes, sem pontos de ultrapassagem. Uma bosta, em resumo. Nenhuma corrida das quatro já realizadas na Rússia foi boa. Aceitemos o fato, será assim pela eternidade, ainda mais que estão renovando o contrato até o fim dos tempos — que estão próximos, espero.

Sapattos era terceiro no grid e foi muito inteligente na hora em que as luzes se apagaram. Como a distância para a primeira curva é longa, embutiu no pole Vettel e foi sugado pelo vácuo da Ferrari rapidamente. A potência do motor Mercedes ajudou e sua alegria e ousadia, também. Tirou para a esquerda, encarou Vettel e passou. Assim, saltou para a liderança, contando ainda com a ajuda de Hamilton que, em quarto, partiu para cima de Raikkonen, o segundo no grid, dando trabalho à outra Ferrari — Kimi teve de se preocupar em defender a posição e não pôde participar da disputa logo à frente.

Vettel nem teve tempo de tentar dar o troco, porque lá atrás Grojã tentou passar Palmolive, os dois bateram e o safety-car foi chamado para limpar a merda. Culpa do francês da Haas, diga-se. Mas Palmer continua sendo horroroso. Nota de rodapé: Stroll rodou na largada, não sei bem como, mas pelo menos não bateu em ninguém. Mas rodou, como sempre faz em algum momento. Vamos em frente.

O safety-car foi bom para Bottas, que não precisou se esgoelar para defender a ponta como teria de fazer em condições normais à frente de um Vettel que viria babando para recuperar o que perdera. Deu tempo de respirar, se aprumar e, na quarta volta, quando relargou, segurou a onda sem maiores problemas.

A partir daí Sóchi viu uma procissão sem sal de carros de corrida e, realmente, há muito pouco a relatar. Na hora da relargada, as dez primeiras posições eram de Bottas, Vettel, Raikkonen, Hamilton, Verstappen, Massa, Ricciardo, Pérez, Ocon e Hülkenberg. Massa teve um pneu furado no final e precisou fazer um pit stop extra, terminando a corrida em nono. Ricardão abandonou na sexta volta com o freio traseiro direito em chamas. Tire os dois dessa lista de dez e na bandeirada as posições foram exatamente as mesmas: Bottas, Vettel, Raikkonen, Hamilton, Verstappen, Pérez, Ocon e Hülkenberg. Felipe ainda conseguiu se recolocar nos pontos e o décimo foi Sainz Jr.

[bannergoogle]Ou seja: ninguém passou ninguém. Por isso, do ponto de vista do espetáculo, o GP soviético foi muito pobre. Dos pequenos dramas, também. Lá pela volta 16, pelo rádio, Hamilton começou a conversar com a equipe sobre superaquecimento do seu motor. Subiu, caiu, melhorou, estabilizou, tá quente, tá frio. “Desse jeito estou fora da corrida”, concluiu o inglês após essa longa conferência sobre temperaturas em geral — faltou discutir qual a ideal para fazer ovo cozido com gema mole.

“Foi um fim de semana muito duro”, resumiu Lewis após o evento, reconhecendo que não se achou durante os três dias. De fato, ele não foi bem na Rússia. E como a prova teve apenas uma parada para todos como estratégia-padrão, a chance de algum pulo do gato — para ele e para qualquer outro que quisesse tentar algo fora do script — inexistiu.

As paradas começaram para a turma da ponta na volta 28, com o líder Bottas. Detalhe 1: Valtteri tinha 20 voltas na liderança acumuladas até hoje na carreira, sendo 15 neste ano já pela Mercedes e as outras 5 nos quatro anos anteriores pela Williams. No GP da Rússia, foram 44 no total. Detalhe 2: quando Vettel assumiu a liderança na volta 29, pela primeira vez um carro não-Mercedes liderou um GP em Sóchi desde o primeiro de todos, em 2014.

Apenas detalhes, quase irrelevantes. Muito melhor que isso foi o que aconteceu na volta 33, quando somente Vettel ainda não tinha feito sua troca de pneus e Raikkonen foi avisado pelo rádio qual era sua diferença para Bottas, então segundo colocado, imediatamente à sua frente. “Bottas? Como fui parar atrás dele?”, perguntou Kimi indignado. “Ele está liderando a corrida desde o início, Kimi”, respondeu seu engenheiro. “Ah, OK, pensei que era o outro”, encerrou o piloto. Confundir o líder é demais, Raikkonen puro, um temperinho delicioso num GP que padecia da falta de graça absoluta.

E para não dizer que não aconteceu mais nada, as últimas voltas ofereceram algum suspense, quando Bottas errou uma freada, deu uma detonada nos pneus dianteiros e começou a perder tempo. Tião Italiano percebeu e mandou a bota, com o perdão do trocadilho infame, e a diferença que estava estável na casa dos 5s depois dos pit stops começou a cair rapidamente. Deu a impressão de que poderia complicar quando entrou na casa de um segundo e alguns décimos, e nessa hora Sapattos pediu pelo rádio: “Não falem mais comigo até o fim”.

E assim foi. Em silêncio, sem se apavorar com o carro vermelho no retrovisor, Bottas recebeu a quadriculada apenas 0s617 à frente de Vettel, com Kimi fechando o pódio. Putin foi entregar os troféus e acabou-se tudo.

Nas entrevistas, todos disseram aquilo que realmente aconteceu: Valtteri mereceu vencer. “Hoje é o dia dele e estou feliz de testemunhar sua primeira vitória. Ele foi o melhor. Às vezes a gente não gosta de dizer isso, mas precisa admitir que outro piloto fez um trabalho melhor”, sintetizou o alemão, que deu um salto na classificação e foi a 86 pontos, contra 73 do opaco Hamilton.

Sapattos subiu a 63. Está na dele. A briga ainda é entre Vettel e Hamilton, mas vai que…