Blog do Flavio Gomes
F-1

NO BAKU DOS OUTROS (3)

RIO (ah, que delícia!) – Algumas casas de apostas de Londres devem ter quebrado hoje. O GP do Azerbaijão foi o mais sensacional do ano e aquele que teve o pódio mais improvável de todos, especialmente considerando como começou a corrida para aqueles que terminaram em primeiro e segundo: Daniel Ricciardo e Valtteri Bottas. Ambos, […]

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RIO (ah, que delícia!) – Algumas casas de apostas de Londres devem ter quebrado hoje. O GP do Azerbaijão foi o mais sensacional do ano e aquele que teve o pódio mais improvável de todos, especialmente considerando como começou a corrida para aqueles que terminaram em primeiro e segundo: Daniel Ricciardo e Valtteri Bottas. Ambos, nas primeiras voltas, estavam no fundo do pelotão por razões diversas. O finlandês, porque bateu em Raikkonen na segunda curva e caiu para último. O australiano, porque parou no primeiro safety-car e, igualmente, despencou lá para o fundão. Logo atrás deles chegou Lance Stroll, ele mesmo, o garoto de quem a gente vive falando mal, conseguindo seu primeiro pódio na carreira — aos 18 anos e 239 dias de vida, segundo mais jovem da história a levar um troféu na categoria.

E Hamilton e Vettel? Bem, só lendo tudo para saber o que aconteceu com os dois manés no domingo de sol e calor em Baku. Manés que, agora, estão em guerra aberta e declarada. E que jogaram, cada um a seu modo, a corrida no lixo.

Começando do começo, então. Na largada, o pole Hamilton pulou bem na frente. Sorte dele, porque o pau ia comer logo atrás. Bottas e Raikkonen dividiram a segunda curva e Kimi não aliviou. Na verdade, o ferrarista aproveitou um pequeno vacilo do mercêdico e passou por fora. Sapattos tentou recuperar o segundo lugar, saltou na zebra e bateu no veterano, que ficou bem pistola da vida, mas sobreviveu. Em compensação, estouraram um pneu e o bico de Valtteri. Com isso, Vettel, que só observava, saltou para segundo e Pérez, que também passou ileso pela disputa finlandesa, apareceu em terceiro. Raikkonen, com seu tanque de guerra vermelho, seguiu em frente, em quinto.

[bannergoogle]Massa foi quem mais se aproveitou da breve confusão e passou em sexto na primeira volta, já à frente de Stroll Venga (última vez que este apelido jocoso será usado!), que caiu para oitavo.

Por incrível que pareça, o nome da corrida nas primeiras voltas foi Alonso, que em sete voltas saiu de 19º para 13º. Ericsson também escalou bem o pelotão, subindo para 12º. E Ricardão, que já estava para trás no grid, pegou pedaços de carro na pista e foi correndo para os boxes fazer um pit stop fora da programação para trocar pneus e limpar o radiador — trocar a água, colocar um aditivo, essas coisas que a gente deve fazer periodicamente, inclusive trocar o filtro do ar condicionado, que fica cheio de ácaros.

O primeiro abandono foi de Palmolive. O pobre coitado, já na nona volta, ficou sem freios. O cara com o breque funcionando já é ruim. Sem, pode-se imaginar. A equipe, pelo rádio, mandou desligar tudo, ir na banguela até os boxes, voltar daqui a duas semanas.

Na volta 11 começou a primeira briga relevante da corrida: Verstappen colou em Pérez e ensaiou uma ultrapassagem em três ou quatro curvas. Mas durou pouco, menos de uma volta. De repente seu carro perdeu potência. O motor foi para o saco. Não tem sido um bom ano para o jovem Max. Foi o quarto abandono dele nas últimas seis corridas. Maria do Bairro Cor de Rosa adorou.

Então, de repente, entrou um safety-car na volta 12. Acidente? Não. Kvyat tinha quebrado um pouco antes no meio de uma reta e não apareceu nenhum flanelinha para tomar conta. Nenhuma grua, nenhum fiscal, nenhuma plataforma, nenhum guincho, nem Uber saberia como chegar no endereço. Era preciso tirar aquele troço de lá.

Todo mundo aproveitou para ir para os boxes, claro. Lembram que falei ontem que a Pirelli indicava uma parada na volta 12 ou na 22, dependendo do gosto do freguês por desgaste de borracha? Bem, caiu exatamente na 12ª, a intervenção. Então, pneus macios para todos, para não parar mais. Menos Ricciardo, que já tinha trocado. O que o jogou lá para a frente.

Foram quatro voltas para a Toro Rosso acionar o seguro e tirar o carro da pista. O safety-car saiu na 16ª e Massa e Ocon passaram Raikkonen na relargada. O brasileiro foi para quarto, trazendo junto o francês da Force India. Pérez tentou fazer graça em cima de Vettel, mas não passou. E entrou o safety-car de novo na 17ª volta. Tinha muito pedaço de carro na reta dos boxes e resolveram limpar a área, com todo mundo passando por dentro dos boxes.

As voltas atrás do safety-car foram muito lentas, mais de um minuto acima dos tempos de volta em ritmo de corrida. Era um problema para aquecer pneus. Na volta 19, nova relargada. Mas, antes dela, uma treta máster, a maior da prova. Hamilton quase brecou o carro para dar espaço entre ele e o safety-car, e Vettel bateu na sua traseira. Ficou doido da vida, perdeu parte da asa, xingou muito, colocou o carro de lado e deu um tranco em Lewis, roda com roda. Inexplicável.

Sem ter nada a ver com isso, Felipe passou Pérez numa linda manobra assim que o safety-car recolheu, e assumiu a terceira posição. Ocon tentou o mesmo, forçou demais e os dois carros da Force India se tocaram. Prejuízo absoluto para ambos, que foram para os boxes curar as feridas. Mais um que se deu mal: Raikkonen. Pegou detritos, estourou o pneu, arrebentou a asa traseira, e também foi para a garagem todo estropiado.

E foi tanto pedaço de carro voando pela pista nesse esfrega-esfrega, que o safety-car foi acionado de novo na volta 20 para nova limpeza.

[bannergoogle]A preocupação com a sujeira pelos mais de 6 km do circuito de Baku era tanta que Alonso, pelo rádio, sugeriu uma interrupção. “É perigoso, numa pista tão veloz. Pode acontecer alguma coisa, creio que o mais interessante neste momento seja uma bandeira vermelha, para que todos possamos correr com tranquilidade pelas lindas ruas desta cidade medieval às margens do Mar Cáspio cujo nome significa ‘cidade fustigada pelo vento’, ou ainda ‘Montanha de Deus’ em persa arcaico, cujos primeiros registros remontam ao século VI depois de Cristo, embora a referência cristã seja pouco significativa aqui porque 94% da população é muçulmana”, discursou, como se estivesse comentando a corrida pela TV, ou narrando um documentário no History Channel.

A direção de prova atendeu seu pedido. Na volta 23, o GP do Azerbaijão foi paralisado para uma faxina geral. Hamilton, Vettel, Massa, Stroll, Ricciardo, Hülkenberg, Magnussen, Alonso, Sainz Jr. e Grosjean eram os dez primeiros. Com a corrida parada, deu tempo para a Ferrari arrumar o carro de Kimi e para a Force India consertar os de Pérez e Ocon.

E, também, deu tempo de sobra para os comissários esportivos se reunirem na salinha de controle para avaliar os vídeos disponíveis sobre os vários atritos até ali. O mais importante: Hamilton x Vettel. Poderia haver punição para um dos dois, ou para os dois.

Foram mais de 20 minutos para o reinício, novamente atrás do safety-car. E com apenas três ausências, apesar da pancadaria generalizada — de Verstappen, Kvyat e Palmer, que já tinham abandonado de vez. A prova foi retomada na volta 23. E, na relargada, Massa teve algum problema. Stroll passou o brasileiro e Ricciardo, vindo de quinto, levou os dois para aparecer em terceiro. Na volta seguinte, Magnussen veio no embalo e passou por ele e por Hulk, também. O alemão da Renault bateria na volta seguinte, em raro erro, e abandonaria de forma bisonha.

Felipe, pelo rádio, relatou algo esquisito na traseira, provavelmente amortecedor quebrado. Foi para os boxes e uma corrida que poderia terminar em pódio para ele acabou. “Quando eu relarguei o carro já estava com problema na suspensão. Alguma coisa quebrou, acho que amortecedor, o carro começou a sacudir, balançar, não tinha o que fazer. Pena, porque a corrida estava espetacular, estava sendo perfeita”, lamentou o brasileiro aos microfones da TV Globo.

Mas não era só ele, não, com problemas. Na volta 29, notou-se que a proteção de cockpit em volta da cabeça de Hamilton se soltou. Ele tentou segurar nas retas, mas não teve jeito. Não daria para correr o tempo todo daquele jeito. Foi para os boxes, trocou a peça e voltou em nono. Na mesma hora, a mensagem: stop & go para Vettel de 10s por “direção perigosa”. Era uma ferroada em Hamilton, e outra em Sebastian. Ricardão seria o novo líder, com Stroll em segundo. Stroll em segundo.

O alemão ficou batendo boca com a equipe pelo rádio. “Onde, direção perigosa? O que foi que eu fiz? A culpa foi dele! Ele brecou na minha frente! E acho que…”, e falava sem parar. Foi para os boxes na volta 34, depois que o time pediu para ele ficar quieto e pagar logo a punição, que ainda daria para voltar à frente de Hamilton. E voltou onde? Exatamente à frente de Hamilton, em sétimo. E ambos atrás de Bottas, lembram dele? Pois é, quietinho, quietinho, o outro piloto da Mercedes já estava em sexto. Por pouco tempo, inclusive, porque passou Alonso logo, e foi para quinto.

Alonso estava em quinto. Pois é.

[bannergoogle]Tudo que o GP do Azerbaijão foi ruim no ano passado, como se nota, foi bom hoje. Na volta 35, os três primeiros eram Ricciardo, Stroll e… Magnussen! E Ocon, que estava todo arrebentado antes da bandeira vermelha, surgia em quarto.

Vettel e Hamilton passaram Alonso — não sem alguma dificuldade no caso do alemão. Pobre Fernandinho, como ele queria um carro bom, ali! “Que pena, que pena, a gente podia ganhar essa corrida em circunstâncias normais…”, seguiu o espanhol comentando pelo rádio. “Inclusive, vocês sabiam que o Azerbaijão foi a primeira república muçulmana a permitir que as mulheres participassem de eleições? Então, isso é legal, mas o país é um poço de corrup…” e nesse momento a McLaren cortou o rádio.

Naquele momento, líder e vice-líder do campeonato estavam em sexto e sétimo. Lewis deu a sensação de que iria partir para a briga aberta e começou a forçar. Ocon e Bottas, um pouco mais à frente e já lutando pelo pódio, passaram Magnussen. Mas a dupla de Ferrari e Mercedes vinha babando. Na 39ª, ambos passaram pelo carro da Haas e se colocaram em quinto e sexto. O próximo seria Sapattos, que poderia dar uma seguradinha em Vettel, o que deixaria o ferrarista ainda mais puto dentro do macacão.

Mas Valtteri, aparentemente, estava mais preocupado com ele do que com Hamilton. Passou Ocon na volta 40 e assumiu o terceiro lugar. Estava voando àquela altura, tirando mais de 1s por volta de Stroll, o segundo. Stroll, o segundo. Stroll, o segundo. É preciso repetir isso várias vezes, porque o remorso é grande — de vocês, blogueiros, também, nem venham imputar essa culpa a mim, sozinho, a culpa pelos apelidos pejorativos, pela maldade com o menino. Que doravante será chamado de Strollordinário.

A vantagem de Lance era grande na volta 42, mais de 11s. A possibilidade de um segundo lugar era mais do que concreta, desde que ele conseguisse manter um ritmo razoável nos seus tempos de volta. Vettel e Hamilton, nas voltas 42 e 43, passaram por Ocon, assumindo quarto e quinto. Ricciardo estava tranquilo na frente, mais de 5s à frente do Williams de Stroll. Sorria de orelha a orelha, sem acreditar.

A parte final do GP parecia um pouco mais tranquila. Se algo de extraordinário poderia acontecer, seria só nas últimas duas voltas, porque Hamilton não conseguia chegar em Vettel, e a briga seria lá na frente: Bottas x Stroll. E o Justin Bieber da Williams não resistiu. Na linha de chegada foi ultrapassado pelo finlandês, que pegou o vácuo e recebeu a bandeirada 0s105 à frente do canadense. Achei até que ele tirou o pé antes do tempo. Ainda assim, seu terceiro lugar foi fantástico. Como fantásticas foram a vitória de Ricciardo, quinta de sua carreira, e o segundo lugar de Bottas. Vettel e Hamilton vieram a seguir, ambos com um gosto amargo na boca. Hamilton, porque poderia ter vencido se a proteção do cockpit tivesse sido colocada direito. Vettel, porque poderia ter vencido se não tivesse perdido a cabeça numa briga idiota de trânsito que resultou na sua punição.

A partir do sexto, fechando a zona de pontos, chegaram Ocon (é um piloto espetacular, mas insisto que forçou sobre Pérez de forma agressiva demais), Magnussen (faz bem seu papel na novata Haas), Sainz Jr., Alonso (marcando os primeiros e comoventes pontos da McLaren no ano) e Wehrlein (que não deu moleza para Ericsson e pontuou de novo).

Foi um GP caótico e, por isso, maravilhoso. O melhor do ano, de tirar o fôlego. Quando a gente não espera nada de uma corrida, a F-1 nos dá alguns presentes, de vez em quando. Hoje foi assim. No campeonato, Vettel segue líder e abriu mais um pouquinho de Hamilton — são 14 pontos agora, 153 x 139.

No fim das contas, a conclusão é que passamos a amar Baku.