Blog do Flavio Gomes
F-1

SAI, ALVIN! (3)

RIO (faz frio aqui) – É uma no cravo, outra na ferradura, ditado antigo cujo significado compreendo (num dia as coisas dão certo, mas em outros dá tudo errado, e assim é a vida), embora não saiba bem de que cravo se trata, e desconfie dessa ferradura aí. Acho que tem a ver com cavalos, […]

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RIO (faz frio aqui) – É uma no cravo, outra na ferradura, ditado antigo cujo significado compreendo (num dia as coisas dão certo, mas em outros dá tudo errado, e assim é a vida), embora não saiba bem de que cravo se trata, e desconfie dessa ferradura aí. Acho que tem a ver com cavalos, mas pode ser também alguma coisa ligada ao conhecido amuleto que se pendura atrás da porta. Quanto ao cravo, talvez a referência seja à flor que se coloca na lapela, quiçá àquele instrumento musical que lembra uma pianola, mas pode ser também a delicada especiaria que dá gosto à canjica das festas juninas.

[bannergoogle]Hamilton se estrepou em Mônaco. Uma no cravo (ou na ferradura, não sei bem a ordem, qual dos dois dois é a mazela, qual aponta para a bonança). Hoje, se deu muito bem no Canadá. Outra na ferradura (ou no cravo, se for o cravo o representante do Bem nesse ditado que estabelece um embate épico com o Mal, e que já está me irritando).

A vitória foi a mais tranquila do ano, e o confronto com Vettel voltou a ficar empatado: três triunfos para cada um em sete etapas da temporada. O alemão, no entanto, segue na frente no campeonato, agora com 12 pontos de vantagem para o inglês — ele chegou a Montreal com 25 de dianteira. Terminou em quarto, ficando fora do pódio pela primeira vez na temporada.

Desta vez, portanto, quem se estrepou foi o piloto da Ferrari. Tudo porque largou mal. Na verdade, tudo porque Verstappen largou muito bem. O holandês, que estava em quinto no grid, escolheu mais uma vez uma linha pouco comum na largada e foi jantando quem ainda não tinha nem visto qual seria o jantar. Já na segunda curva apareceu todo pimpão em segundo, atrás do pole Hamilton.

Nessa ultrapassagem múltipla, a asa dianteira de Vettel esbarrou no carro da Red Bull e aí começaram os problemas do líder da temporada. Ele teria de trocar o bico assim que fosse possível. Para piorar, logo de cara entrou um safety-car para limpar os restos mortais dos carros de Sainz Jr. e Massa. O espanhol da Toro Rosso foi o culpado pelo sinistro. Fechou a porta para Grosjean, os dois se tocaram e Carlinhos saiu como um míssil descontrolado arrastando o que aparecia pela frente. No caso, a Williams de Massa, que acabou sendo uma vítima de carro perdido mal a corrida tinha começado.

Quando foi autorizada a relargada, na volta 6, Vettel foi para os boxes. Não teve jeito. Colocou um nariz novo e pneus supermacios. Caiu para a última posição e, ali, seu domingo parecia terminado. Para minimizar o prejuízo, teria de torcer para algumas quebras e fazer aquilo que se chama vulgarmente de “corrida de recuperação”.

Bem, alguns quebraram. O primeiro deles foi seu algoz Verstappinho, que na volta 11, enquanto se segurava firmemente em segundo, viu seu carro apagar do nada e abandonou. Outros foram punidos, outros pararam para trocar pneus, mais alguns foram simplesmente ultrapassados, e só sei que na volta 22 Vettel já estava em nono, pensando no que fazer para escalar mais um pouco aquela montanha.

Os pit stops para a turma da ponta já tinham começado na volta 18, quando Raikkonen, quinto colocado, parou. Depois foi Ricardão quem entrou nos boxes e colocou pneus macios — os mais duros do lote canadense, que tinha ainda supermacios e os gosmentos ultramacios. Nesse entra-e-sai, Alonso, vejam vocês, chegou a andar em quarto.

Bottas, que escoltava o líder Hamilton a distância, parou na 24ª volta, deixando o segundo lugar para um combativo e brilhante Ocon, que cuidava bem dos pneus e esticava o primeiro stint até onde fosse possível. Lewis parou na volta 33 e seguiu na ponta. Esteban, com seu capacete rosa-choque, veio na sequência.

[bannergoogle]Nada de muito notável aconteceu até a volta 42, quando Raikkonen foi para o segundo pit stop. Só então lembramo-nos de observar quem ainda não tinha parado, e havia três nessa situação: Alonso, Magnussen e Vandoorne. Dos três, o asturiano era o que vislumbrava um resultado mais promissor — afinal, mantinha-se em sétimo com alguma fé e muito fervor. Acabou parando na volta 43, caiu para 11º, e seguiu sonhando em terminar uma corrida e, melhor ainda, entre os dez primeiros.

Pérez e Ocon, que desde o início andavam próximos em quarto e quinto, encostaram em Ricciardo, o terceiro, pela altura da volta 48. Vettel vinha logo atrás deles, mas ainda tinha uma parada para fazer. E fê-la na volta 50. Ao retornar para a pista com pneus ultramacios, caíra para sétimo e partiu para cima do companheiro de equipe.

Se a Ferrari mandou deixar passar, não saberemos, porque antes de qualquer tentativa Kimi errou a freada da chicane da reta dos boxes e Sebastian ganhou a posição na volta 61. À frente dele estavam os dois róseos force-índicos, com pneus velhos e vendo que no retrovisor crescia o carro vermelho do alemão. Foi na volta 65 que a diferença deixou de existir no cronômetro e Vettel passou a atormentar seriamente os dois.

Ocon tinha um carro aparentemente mais rápido que Pérez, e a Force India sugeriu que o mexicano saísse da frente. Ele não saiu. Ocon ficou puto e tentou por conta própria, Pérez fechou. Ocon ficou mais puto ainda e xingou de Frida Kahlo a Emiliano Zapata, amaldiçoou Cantinflas e sua sobrancelha esquisita, ofendeu toda a linhagem de Pancho Villa e nem o imperador asteca Montezuma foi poupado da ira gaulesa. Não adiantou nada.

Na confusão que infernizava a casa alheia, Vettel aproveitou e passou o francês, assumindo o quinto lugar. Na penúltima volta, passaria também por Pérez, para terminar em quarto e concluir sua difícil missão de consertar tudo que havia sido estragado na primeira volta. Foi uma longa jornada. No fim, saiu aliviado com os pontos conquistados. E um pouco amargurado, porque viu que tinha carro para lutar pela vitória, se não tivesse despencado para último no início da prova.

Ocon x Pérez foi o que mais chamou a atenção nas últimas voltas da corrida, mas o melhor momento do dia estava reservado mesmo para — adivinhem — Alonso. Em décimo, perto de fazer seu primeiro e suado pontinho no campeonato, o espanhol quebrou. Motor, como sempre.

Fernando, então, parou o carro na área de escape perto de uma arquibancada e não teve dúvidas. Subiu a escadinha em direção à tribuna e, de capacete e tudo, jogou-se nos braços do povo. Atirou as luvas à patuleia e foi saudado como um herói popular. Se a Honda não me quer bem, parecia dizer, o povo quer.

Comandante Amilton, Sapattos e Ricardão fizeram o pódio. Na sequência vieram Tião Italiano, Maria do Bairro, L’Ocon, Kimi Dera Eu Tivesse Freios Bons, Hulk (come pelas beiradas esse rapaz), Strollvenga (fez seus primeiros pontos, quem diria…) e Grojã.

Foi a sexta vitória de Hamilton em Montreal e 56ª na carreira. Como largou na pole, cravou a melhor volta e liderou todas as 70 da corrida, fez pela quarta vez na vida o que se chama de Grand Chelem. Não sei bem o que é Chelem, mas é isso: pole, vitória, melhor volta e todas as voltas na liderança. Grand Chelem. Chelem. C.H.E.L.E.M. Cabra Heroico e Espetacular que Lidera Essa Merda. É isso que quer dizer “Chelem”. “Grand” é grande, mesmo.

Para a entrevista do pódio escalaram o ator Patrick Stewart, aquele careca afável de “Star Trek” que também foi o Professor Xavier em “X-Men”. Ele foi bem simpático, até bebeu champanhe da sapatilha chulezenta de Ricciardo. Ao seu microfone, Hamilton falou sobre como o Canadá lhe é particularmente sorridente na carreira: foi em Montreal que Lewis fez sua primeira pole e ganhou pela primeira vez, em 2007. “Repetir isso tudo dez anos depois é incrível”, disse.

Só não foi mais incrível porque acabou correndo sozinho. Mas OK, deve ter sido incrível. Quem sou eu para dizer o contrário?