Blog do Flavio Gomes
F-1

BACK TO THE OFFICE (7)

MOGYORÓD (valeu) – O GP da Hungria foi marcado por um belo gesto de Lewis Hamilton e pouco mais. Gesto que lhe custou três pontos que podem até decidir o Mundial, mas não importa muito, se isso acontecer. Em tempos tão bicudos, ver alguém cumprir a palavra e ser digno com um companheiro de trabalho […]

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Foto de Beto Issa, especial para o blog

MOGYORÓD (valeu)O GP da Hungria foi marcado por um belo gesto de Lewis Hamilton e pouco mais. Gesto que lhe custou três pontos que podem até decidir o Mundial, mas não importa muito, se isso acontecer. Em tempos tão bicudos, ver alguém cumprir a palavra e ser digno com um companheiro de trabalho é tão raro que merece aplausos e consideração.

Tudo aconteceu no terço final de uma corrida condenada a cair no esquecimento pela falta absoluta de emoção até ali. Vettel liderava, com o obediente Raikkonen em segundo e Bottas em terceiro. Já se sabia que o alemão tinha algum problema no volante que o impedia de subir nas zebras e desgarrar de seu fiel parceiro. Este, por sua vez, manifestava alguma preocupação com o carro da Mercedes logo atrás. “Eles estão chegando…”, avisava Kimi.

[bannergoogle]Lewis, em quarto, percebia que estava um pouco mais rápido que Valtteri e pediu autorização à torre para passar. Sua corrida não vinha sendo propriamente tranquila, porque o rádio estava falhando e muitas vezes ele falava alguma coisa e ninguém escutava. Quando a comunicação funcionou, propôs um acordo: peçam para ele abrir que vou tentar atacar a Ferrari. Se não conseguir, devolvo a posição.

Foi na volta 45 que, depois de longas conversas com o time, Hamilton recebeu autorização para tentar. Bottas praticamente parou o carro e o inglês foi em frente. Mas não estava fácil, porque em Hungaroring nunca é. Em determinado momento, piloto e equipe combinaram que ele teria cinco voltas para ganhar a posição de Kimi. Depois, esse prazo foi estendido por mais cinco. Estava até engraçado. Parecia eu negociando com minha empresa de cartão de crédito: “Não deu para pagar hoje, posso adiar uma semana?”.

O prazo foi dado. Lewis não conseguiu. E, na última volta, abriu mão do terceiro lugar, do troféu, de três pontos a mais na tabela, tirou o pé, esperou Bottas chegar e, como havia prometido, devolveu a posição ao finlandês.

Foi uma bela atitude, resumida numa frase dele mesmo depois da prova: “É difícil fazer isso por causa do campeonato, claro, mas eu sou um homem de palavra”. Seu único medo foi perder também o quarto lugar para Verstappen, que vinha muito forte depois de sua parada para troca de pneus. Lewis, que vinha virando tempos na casa de 1min22s, fez a última volta em 1min30s. Recebeu a bandeirada 0s391 à frente do jovem holandês, que também foi um personagem do domingo — logo na primeira volta, bateu bisonhamente em seu companheiro Daniel Ricciardo, tirando o australiano da corrida.

Foi o primeiro e talvez único momento agudo de um GP quente só na temperatura ambiente, 30°C durante o tempo todo, com muito sol e asfalto borbulhando nos 55°C. A batida arrebentou a lateral do carro de Ricciardo e espalhou óleo na pista, forçando a entrada do safety-car, que só sairia na volta 5.

Vettel e Raikkonen, que formavam a primeira fila, mantiveram suas posições, assim como Bottas. Sainz Jr., que ganhou três posições e apareceu em sexto, e Pérez, 13º no grid e oitavo na primeira volta, foram os que se saíram melhor na largada. A barbeiragem de Verstappinho foi imediatamente julgada pelos comissários, que deram a ele um pênalti de 10s, a ser pago na hora do pit stop. Ricardão, pelo rádio, deu uma clara demonstração do pouco apreço que tem pelo menino prodígio da Red Bull. “Quem bateu em mim foi quem eu acho que foi?”, perguntou o australiano. Ao ouvir um “sim”, disse: “Mau perdedor. Isso é muito amador, para não dizer outra coisa. Acho que o problema dele é imaturidade”. Verstappen se desculpou.

Apesar dos problemas, Vettel se mantinha razoavelmente seguro à frente de Raikkonen e tinha 8s4 para Bottas e 12s1 para Hamilton, então em quinto, na volta 13. Lewis já sabia da punição a Verstappen e não faria nenhum sentido atacá-lo. Quando Max parasse, ganharia a posição por conta da punição.

Na volta 30 começaram os pit stops. Primeiro Bottas, depois Hamilton, depois Vettel, depois Kimi. Que, antes de sua parada, soltou uma de suas pérolas ao reclamar de Di Resta pelo rádio: “Se ele não consegue me enxergar no espelho, melhor continuar fazendo reportagem na TV!”, falou, e nem o engenheiro da Ferrari conseguiu segurar a risada.

[bannergoogle]Verstappinho saiu da frente de todo mundo na volta 42, o último a parar, e quando retornou à pista caíra para quinto. Depois da janela de pit stops, já com pneus macios, a Mercedes começou a andar melhor e foi descontando a diferença para a dupla da Ferrari. Na volta 43, Raikkonen estava apenas 1.5 atrás de Vettel e Bottas aparecia no seu retrovisor a menos de 2s de diferença.

Hamilton, por sua vez, colava no companheiro e começava a reivindicar o direito de tentar. Com o rádio já funcionando, argumentava que estava mais rápido, garantia que poderia atacar, prometia devolver se não conseguisse, e aproveitava para pedir mais verba para jantares, folgas de final de semana, diárias de hotel melhores, vale-refeição e novo crachá de acesso irrestrito à fábrica. “Calma que tudo se resolve”, respondia a Mercedes.

Então, Bottas saiu da frente. Lewis saiu à caça de Kimi, como prometera, mas não tinha jeito. Depois de dez voltas começaram todos a pegar tráfego pesado e em nenhum momento ele pôde atacar de verdade. “Só se eles errarem”, conclui Hamilton. Ninguém errou. A seis voltas do final, o britânico desistiu. Bottas tinha ficado para trás, foi se aproximando e, na última volta, recebeu de volta a gentileza.

Foi uma dobradinha importante para a Ferrari, com Vettel chegando a 46 vitórias na carreira e quatro na temporada. A diferença dele para Hamilton subiu de um ponto para 14 — 202 a 188. Kimi lamentou não poder passar o companheiro, mas não reclamou muito. “Foi bom para a equipe”, disse. Bottas agradeceu ao companheiro: “Sou grato a ele, que cumpriu o que foi combinado”. Hamilton, Verstappen, Alonso, Sainz Jr., Pérez, Ocon e Vandoorne fecharam a zona de pontos.

Fernandinho conseguiu um grande resultado, fez a melhor volta da corrida e ainda tirou onda do mundo ao se sentar numa espreguiçadeira debaixo do pódio como se estivesse na praia, com um cartaz desejando boas férias a todos — será a nossa foto do dia no “Sobre ontem…” de amanhã, com o rescaldo do GP. No chão, um artista tinha pintado exatamente a mesma cena.

Que venha o verão, pois.