Blog do Flavio Gomes
F-1

VENDE A MÃE (6)

SÃO PAULO (fazendo história, alguma história…) – A foto que postei abaixo me despertou algumas lembranças, que vieram à tona quando encontrei agora há pouco meu brother Luiz Salomão — é ele no Fusca Okrasa #7 — enquanto assistíamos, pela TV, ao desfile de Ferraris em Interlagos para deleite da confraria jeca-hedonista que tem esses […]

SÃO PAULO (fazendo história, alguma história…) – A foto que postei abaixo me despertou algumas lembranças, que vieram à tona quando encontrei agora há pouco meu brother Luiz Salomão — é ele no Fusca Okrasa #7 — enquanto assistíamos, pela TV, ao desfile de Ferraris em Interlagos para deleite da confraria jeca-hedonista que tem esses carros para se exibir nos Jardins ou pelas ruas de Balneário Camboriú.

No final de 2002, resolvi fazer uma carreteira DKW igual às da equipe oficial da Vemag, apenas para ter uma réplica dos carros de corrida que escreveram os mais belos capítulos da história do automobilismo brasileiro.

Enquanto o carro, um Belcar 1961, era modificado para ficar parecido com os pilotados por Marinho, Bird & companhia bela, conheci alguns malucos que também tinham antigos de competição, e decidi procurar a organização do GP do Brasil para emplacar uma pequena demonstração antes da prova, marcada para o começo de abril.

[bannergoogle]Para minha surpresa, a ideia foi bem recebida e saí à caça de um “grid” representativo da época. Conseguimos juntar alguns DKWs, Gordinis, Alfas, Fuscas, protótipos, Pumas, Karmann-Ghias, Berlinetas e o que fosse possível para percorrer algumas voltas sem dar vexame — quebras, vazamentos de óleo, essas coisas que queimariam o filme dos promotores, ainda mais num domingo de GP, já que conseguimos um ótimo horário, por volta das 11h, poucos antes da largada. Podia acontecer qualquer coisa, menos emporcalhar a pista.

Conseguimos juntar uns 30 carros, entre eles um FittiVê que foi do Emerson — o Paulo Trevisan trouxe do Sul –, o Patinho Feio do Alex Dias Ribeiro (com ele ao volante) e, glória das glórias, o Bino Mark II da Willys para ser pilotado por ninguém menos que Luiz Pereira Bueno. De quebra, ainda enfiei Bernie Ecclestone num Karmann-Ghia (cliquem nas fotos para ampliá-las), e ele se divertiu bastante.

Eu trabalhava, na época, na Rádio Bandeirantes, que era a emissora oficial do GP. O som do autódromo era nosso, e instalamos no meu DKW um transmissor, uma antena e um microfone para que eu narrasse aquelas voltas de dentro do carro para a multidão que enchia o autódromo. E estava lotado mesmo, com Barrichello na pole o escambau de Madureira.

Meu carro ficou pronto na madrugada do domingo e a gente nem sabia se iria andar direito. Pelas fotos dá para ver que ainda não tínhamos feito nada na suspensão, e tudo que sabíamos era que o motor funcionava. Os freios eram um mistério. Ele seria finalizado depois, acabaria se transformando no mítico #96 e daria origem ao campeonato de carros antigos que hoje se chama Classic Cup. Mas essa é outra história.

Naquele domingo, levamos os carros de madrugada para dentro do autódromo e arrecadei com os participantes uma boa grana, pedido dos organizadores para que todos pudessem ficar numa tribuna qualquer para ver a corrida. Topamos pagar, e não foi pouco, mas com uma condição: que a verba arrecadada fosse doada ao programa Fome Zero do governo federal — Lula tinha acabado de virar presidente.

Poucas semanas antes do GP, no fim de março, os EUA invadiram o Iraque e saíram bombardeando o país, sob a falsa justificativa de que Saddam Hussein detinha vasto arsenal de armas químicas. Foi um desses grandes absurdos contemporâneos que jamais mereceram um escrutínio franco e honesto do resto do planeta.

[bannergoogle]Não havia redes sociais e o grau de indignação das pessoas era exercido de maneiras que, hoje, podem parecer ingênuas e inúteis. Eu, por exemplo, achei que era uma boa oportunidade para dizer alguma coisa diante de 70 mil pessoas nas arquibancadas e sei lá quantas vendo pela TV, se é que aquilo seria transmitido para algum país.

Então, naquela semana mesmo, medi a largura do para-brisa do bravo DKW branco #17 e mandei confeccionar um adesivo com letras brancas sobre fundo preto: STOP BOMBING IRAQ.

Como se sabe, o manifesto obviamente não teve efeito algum, sequer repercutiu entre amigos e colegas, os EUA seguiram bombardeando os iraquianos e acabariam por encontrar Saddam sem nunca provar a existência das armas químicas. Mas, 14 anos depois, vendo essa patacoada de Ferraris caríssimas com engomadinhos de camiseta polo e suas loiras platinadas de enormes óculos escuros, escaladas apenas para gravar tudo em seus iPhones e postar o mais rápido possível no Instagram, olho para trás e sinto uma pontinha de orgulho das pequenas maluquices que já fiz na vida.