Blog do Flavio Gomes
F-1

SOBRE AS GRID GIRLS

RIO (queremos ouvi-las!) – A Fórmula 1 oficialmente acabou com as “grid girls”. As justificativas da Liberty estão aqui. Basicamente, “não ecoam nossos valores” e são uma instituição “antiquada”. Não sei exatamente quais os valores da Liberty, mas a decisão abre espaço para uma boa discussão — aliás, diga-se, o WEC fez isso em 2015 […]

girlseuaaustin

RIO (queremos ouvi-las!) – A Fórmula 1 oficialmente acabou com as “grid girls”. As justificativas da Liberty estão aqui. Basicamente, “não ecoam nossos valores” e são uma instituição “antiquada”.

Não sei exatamente quais os valores da Liberty, mas a decisão abre espaço para uma boa discussão — aliás, diga-se, o WEC fez isso em 2015 e não teve a mesma repercussão; escrevi sobre o tema aqui, e tendo a repetir meus pensamentos agora, aproveitando para ampliar o debate.

A expressão “politicamente correto” será usada por muitos de vocês nos comentários, junto com a frase “o mundo está ficando chato”. É compreensível. Somos fruto de uma sociedade historicamente machista e patriarcal, e quando esse estado de coisas é ameaçado, gera alguma reação. O homem sempre se impôs às mulheres basicamente pela força, e só de uns tempos para cá, com pequenas vitórias e muita luta, elas estão começando a reverter esse quadro. É uma batalha longa e árdua. Mas necessária, imprescindível, fundamental.

Não há problema algum na beleza de corpos e rostos, sejam eles masculinos, femininos, trans, gays, brancos, negros, amarelos, gordos, magros, o que for. Admirá-los também não faz de ninguém um ser abjeto e desprezível. Aqui mesmo temos a seção “Cars & Girls” que explora a beleza feminina aliada à beleza dos carros que tanto gostamos. É sexista? É. Em minha defesa, poderia argumentar que também temos a seção “Cars & Boys”, mas seria hipócrita se dissesse que ela é abastecida com frequência por este que vos bloga. Defesa indeferida, pois. É sexista, ponto. E tenho evitado essas fotos ultimamente, como os mais assíduos já perceberam.

[bannergoogle]Faço isso porque virei um chato politicamente correto? Não. Porque não tem essa de “politicamente isso” ou “politicamente aquilo”. Tem o que é correto e o que não é correto. E tratar mulher como objeto não é correto. De novo, em minha defesa, posso argumentar que publico as fotos mais pelos carros do que pelas meninas, mas estaria sendo igualmente hipócrita. Gosto de mulheres bonitas e de carros bonitos, e por isso existe essa seção. Também gosto de ônibus antigos, postos de gasolina, carros clássicos. “Cars & Girls” atende a um gosto pessoal meu, entre tantos outros que tenho. Não preciso ser crucificado por isso, embora aceite a crítica, vinda de qualquer pessoa, de que alimentando essa seção estou estimulando e ajudando a perpetuar a percepção de que é aceitável que mulheres sejam vistas como objetos. Faço o mea culpa, ouço calado e, na medida do possível e daquilo que meus próprios critérios consideram algo “aceitável”, vou continuar postando essas fotos de vez em quando — simplesmente porque não trato mulheres bonitas como “objetos”, apenas as acho… bonitas! Mesmo assim, se alguém se sente ofendido ou ofendida, tem todo o direito de reclamar, esbravejar e me julgar.

A questão não é exatamente essa. A questão é a maneira como os homens olham para as mulheres. E como as tratam. Num grid de uma corrida de automóveis, esporte que tem um público eminentemente masculino, é inaceitável o que acontece na maioria dos autódromos. As ofensas sexuais, os gritos indecorosos, os gestos lascivos, o desrespeito às meninas, esse é o problema. Não há nada de essencialmente errado em colocar corpos bonitos, de homens ou mulheres em exibição pública  — no GP do Brasil de 2013, creio, havia “grid girls” e “grid boys”, o que achei muito legal, já que a intenção explícita era essa, expor gente bonita no ambiente festivo de uma corrida. Ninguém o faz com um punhal no pescoço, e essas mulheres e homens gostam de ser admirados, fazem de sua beleza uma profissão, têm todo o direito de viver disso como um feioso como eu tem o direito de viver de escrever, por exemplo. Ninguém tem nada com isso.

Mas muitos homens não são capazes de admirar um corpo feminino sem externar aquilo que consideram uma qualidade, a saber: a autoafirmação hormonal, a capacidade de se mostrar viril e libidinoso, a vocação para a cópula, a visão primitiva e medieval que, em suma, têm das mulheres. Nenhuma mulher deveria ser tratada como puta, vaca, vadia, vagabunda e todo o resto do vocabulário que os homens conhecem bem só por ser bonita e usar sua beleza para ganhar a vida, seja num grid de uma corrida, seja num salão do automóvel, seja como garçonete do Hooter’s, seja como atriz pornô, seja como prostituta, seja como modelo, seja como destaque de uma escola de samba.

As mulheres — e os homens; mas, convenhamos, os homens bonitos que vivem de sua beleza não são tratados pelas mulheres com a selvageria explícita que o público masculino faz questão de demonstrar — têm todo o direito de exibir seus corpos como quiserem. E homem nenhum tem o direito de desrespeitá-las porque fazem isso. Só que essa fórmula é fadada ao fracasso, porque os homens em geral não são capazes de ver uma mulher bonita se exibindo com uma placa e um número no grid, ou nua desfilando na avenida, ou de biquíni numa praia, sem dirigir a ela olhares, palavras e sinais ofensivos e obscenos.

[bannergoogle]Ainda há ambientes em que elas resistem, e tem de ser assim. Citei as praias e os carnavais, são apenas exemplos. Resistam, não capitulem, reajam. Poderiam usar os grids da Fórmula 1 para resistir também? Poderiam. Desde que, como escrevi em 2015, com um bastão de beisebol nas mãos para esmagar o cérebro daqueles que não sabem e/ou não conseguem se comportar de maneira civilizada. Só que isso jamais será permitido num evento como um GP, então que não se ofereça à malta pervertida mais um motivo para exercitar sua natureza degenerada.

Ponto para a Fórmula 1, pois. Farão falta porque são belas e sempre é bom ver gente bonita? Sim. Mas, muito mais importante que embelezar um ambiente é deixar de alimentar os espíritos depravados que o habitam. Que esses caras fiquem com suas taras bem guardadinhas. As mulheres não têm nenhum interesse nelas. Não sei se é esse o recado que o Liberty quis transmitir ao mundo, mas tenho certeza que é o que as meninas gostariam de dar.