Blog do Flavio Gomes
F-1

BAKU DE QUEM? (3)

RIO (tarda, mas não falha) – Desta vez, a sorte soprou para Hamilton. A corrida que ele menos mereceu vencer, e que teve tanta gente digna de aplausos — Bottas, Raikkonen, Leclerc, Sainz Jr., Stroll, Alonso… –, acabou caindo no seu colo graças à pequena tragédia pessoal de seu companheiro de equipe, que teve um pneu […]

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RIO (tarda, mas não falha) – Desta vez, a sorte soprou para Hamilton. A corrida que ele menos mereceu vencer, e que teve tanta gente digna de aplausos — Bottas, Raikkonen, Leclerc, Sainz Jr., Stroll, Alonso… –, acabou caindo no seu colo graças à pequena tragédia pessoal de seu companheiro de equipe, que teve um pneu furado a duas voltas do final. Eram os momentos derradeiros de um GP muito doido em Baku, e Bottas já se imaginava lépido e faceiro no degrau mais alto do pódio quando passou por um pedaço de carro quebrado no asfalto e estourou seu pneu direito traseiro.

Antes disso, um incidente doméstico mudara o destino da prova do Azerbaijão, que parecia destinado a Vettel, líder da largada até a parada para troca de pneus, na volta 31. Voltou em segundo, mas Bottas, que esticava o primeiro stint até onde desse, teria de parar também e logo as coisas voltariam ao normal para o ferrarista.

[bannergoogle]Mas em Baku não é de bom tom apostar na normalidade. Um pouco mais atrás do trio Vettel-Bottas-Hamilton, que puxava o trem dos primeiros colocados, Verstappen e Ricciardo vinham se esfregando a corrida inteira na luta pela quarta colocação. Tocaram rodas, trocaram de posição, a tensão se sentia no ar. Mas a disputa se dava dentro dos limites aceitáveis de civilidade.

Isso até a volta 38, quando Ricciardo, depois de finalmente passar o parceiro, fez sua troca de pneus. Verstappen parou na volta seguinte e, surpresa!, saiu dos boxes à frente de novo. O australiano, então, perdeu a paciência. Na volta 40, na freada para a curva 1, embutiu na traseira do jovem Max, que se defendeu, na minha visão, de maneira legítima. Só que Ricciardo não conseguiu brecar e encheu a traseira do garoto, levando a Red Bull a um abandono duplo doloroso para o time.

Aqui, um parêntese. Os pilotos evitaram se xingar publicamente e a equipe falou em “acidente de corrida”, garantindo que eles são livres para brigar como quiserem, desde que isso não se repita mais. O único a cuspir marimbondos foi Helmut Marko, que esbravejou contra o que chamou de “ausência de cérebro” de seus meninos. Ricciardo se desculpou com a equipe. Max falou que essas coisas acontecem quando a refrega é intensa.

Bem, o fato é que por conta da batida o safety-car foi acionado na volta 40, pela segunda vez na prova. A primeira fora logo na largada, graças a duas batidas: Raikkonen com Ocon e Alonso com Sirotkin. No caso da primeira, o piloto da Force India abandonou e Kimi teve de fazer um pit stop prematuro, trocando o bico e caindo para último. Sua recuperação foi notável, como se verá adiante. Na segunda, o russo da Williams ficou pelo caminho e Alonso teve dois pneus do lado direito furados, conseguiu chegar aos boxes, trocou tudo que podia e, “em nome da honra”, como disse, voltou para a corrida e terminou em sétimo dizendo que foi a melhor prova de sua vida. “Poucos pilotos insistiriam em continuar com o carro todo arrebentado daquele jeito”, se auto-elogiou.

Voltando à panca rubro-taurina, o safety-car permitiu que muita gente fosse para os boxes colocar pneus ultramacios para a fase final da prova, e quem se deu bem foi Bottas, que fez sua única parada nesse momento e se manteve na liderança porque Vettel parou, também. Quando a prova estava para ser reiniciada, na volta 43, uma presepada de Grosjean fez com que o carro de segurança se mantivesse na pista até a volta 47. O francês da Haas, que fazia uma corrida brilhante, de último para sexto, bateu sozinho quando ziguezagueava para aquecer pneus. Houvesse um buraco no chão para se enterrar ali, Romain entraria nele, de vergonha.

Na relargada, foi um pega pra capar. Como a enorme reta dos boxes de Baku oferece muito vácuo, Vettel tentou uma manobra suicida e foi para a ultrapassagem sobre Bottas na curva 1. Fritou os pneus, errou a freada e caiu para quarto, sendo ultrapassado por Hamilton e Raikkonen. Seu pneu ficou quadrado e ele ainda perderia uma posição para o surpreendente Pérez. Aí, a duas voltas do fim, estourou o pneu de Bottas e Lewis herdou a ponta para ganhar, talvez, a corrida que menos mereceu na vida.

[bannergoogle]Kimi, que tinha se estrepado na largada, foi o segundo e Pérez levou a Force India ao pódio, seguido por Vettel, Leclerc, Sainz Jr., Alonso, Stroll, Vandoorne e Hartley. Não, você não leu errado: Charles Leclerc, da Sauber, ficou em sexto, com uma atuação espetacular, fazendo seus primeiros pontos na F-1. Hartley também pontuou pela primeira vez com a Toro Rosso, e o oitavo do riquinho Lance tirou a Williams do zero na temporada.

Foi a 63ª vitória da carreira de Hamilton, que já não sonhava com ela desde a volta 23, quando precisou trocar pneus mais cedo que todo mundo por conta de uma travada de rodas que acabou com sua borracha, comprometendo qualquer chance que eventualmente tivesse de alcançar Vettel. Mas o safety-car mudou tudo, e quando se recebe uma chance dessas de bandeja, o melhor a fazer é aproveitar — não sem antes fazer questão de dizer que quem merecia, mesmo, era Bottas.

Com o resultado, Lewis, que ainda não havia vencido no ano, assumiu a liderança do campeonato com 70 pontos, contra 66 de Vettel. O alemão lamentou o pódio perdido, mas não se arrependeu de tentar passar Bottas na relargada final. “Era uma chance que eu tinha, óbvio que deu errado, mas eu precisava arriscar alguma coisa”, falou. Bem, é uma forma de ver a vida. Se tivesse ficado quietinho em segundo, talvez a vitória caísse em seu colo, não no de Hamilton, quando o pneu de Valtteri foi para o espaço.

Mas o “se” não corre, como se diz. E, no fim, novamente graças ao imponderável — no caso a batida de Ricciardo e Verstappen –, mais uma corrida desta temporada maluca virou de cabeça para baixo quando uma reviravolta parecia improvável.

Que seja assim até o final do ano. Gostamos do imponderável.