Blog do Flavio Gomes
F-1

N’ÁUSTRIA (3)

MOSCOU (finalmente!) – Ah, que delícia que é ver carros quebrando! Corridas não seriam nada se os carros não quebrassem. São essas estrovengas mecânica, hidráulica e eletronicamente falíveis que fazem com que esse esporte renasça sempre que parece caminhar celeremente para a morte no brejo da mediocridade e da previsibilidade. [bannergoogle]O que escrevi acima parece […]

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MOSCOU (finalmente!)Ah, que delícia que é ver carros quebrando! Corridas não seriam nada se os carros não quebrassem. São essas estrovengas mecânica, hidráulica e eletronicamente falíveis que fazem com que esse esporte renasça sempre que parece caminhar celeremente para a morte no brejo da mediocridade e da previsibilidade.

[bannergoogle]O que escrevi acima parece exagerado, uma construção empolada e de estilo duvidosíssimo, mas juro que não é. Exagerado, quero dizer — o resto é questão de gosto. Afinal, o que aconteceria com esse diabo de Mundial de F-1 se desse a lógica hoje na Áustria, com uma dobradinha da Mercedes e Vettel, com muita sorte, em terceiro ou quarto? Hamilton, depois de vencer na França no domingo passado, iria estufar o peito após mais uma vitória e chegaria a Silverstone, domingo que vem, prontinho para fechar o caixão da Ferrari. A autoestima do alemão e de sua ruidosa equipe cairiam a um nível mais raso que a de Messi e seus companheiros albicelestes. Estaria tudo acabado.

Mas…

Primeiro, Hülkenberg quebrou: uma espetacular explosão do motor Renault do alemão, produzindo uma fumaça densa e branca como não se via num GP havia muito tempo. Isso foi na volta 12. Prenúncio de que a prova de Spielberg poderia ser uma daquelas “old fashioned”, com carros largados no meio da pista para desolação de seus pilotos desgraçados pelo destino?

Logo depois, a certeza de que seria assim, mesmo. Na 14ª volta, o Mercedão do pole Bottas pifou — problema hidráulico (ou motor que aquece, lembram?), sistema falho que afetou o câmbio, e o finlandês ficou sem marchas. Ele já tinha largado mal, muito diferente do ano passado, caíra para quarto no meio da primeira volta, se recuperou, mas acabou perdendo a ponta para Hamilton, com quem dividia a primeira fila.

A primeira volta, diga-se, foi também daquelas à moda antiga, com a já mencionada má largada do pole-position — algo cada vez mais raro — e o terceiro no grid, Raikkonen, no caso, se enfiando entre os dois primeiros para tentar uma manobra improvável e chegar à curva 1 na frente. Não deu muito certo, mas ele conseguiu se manter em segundo por boa parte da volta, até ser passado por Bottas de novo e Verstappen, que lhe deu um ligeiro e involuntário totó para ganhar a posição.

Começava bem a corrida do agradável domingo tirolês, com 24°C e o sol banhando o mar laranja das tribunas tomadas por torcedores do jovem Max — já que a Holanda não está na Copa, a turma se deslocou em massa para ver o moleque da Red Bull no interior austríaco. Hamilton, Bottas, Verstappinho, Raikkonen, Ricardão e Vettel eram os seis primeiros. No fundão, Alonso, em último por ter largado no box, já demonstrava irritação pelo rádio e pedia para a McLaren inventar algo, já que não pretendia passar 71 voltas se arrastando lá atrás — como se verá adiante, começou a chorar antes do tempo e desnecessariamente.

As quebras em sequência de Hulk e Sapattos levaram a direção de prova a acionar o safety-car virtual e nesse momento toda a turma da ponta, exceção feita a Hamilton, o líder, foi para os boxes trocar pneus. O britânico ficou estarrecido. “Como assim?”, perguntou ao seu engenheiro. “Não era para a gente parar também? O que estamos fazendo?”

[bannergoogle]Jogando a corrida fora, eu poderia responder, caso fosse possível me intrometer nesse tenso diálogo radiofônico. Quando as bandeiras verdes foram acionadas e a pista liberada, Lewis tinha apenas 13s de vantagem para Max, e ainda precisava parar. James Vowles, o estrategista de Hamilton, entrou no rádio e pediu desculpas pela iminente perda da liderança. “Foi culpa minha, parceiro”, falou. O piloto, sem ter muito o que dizer, apenas suspirou. Na volta 26, sem pneus, acabou parando e voltou em quarto, atrás de Verstappen, Ricciardo e Raikkonen (que fora ultrapassado pelo australiano). E à frente de Vettel, pelo menos.

OK que era cedo, estávamos apenas com 30 das 71 voltas completadas, mas graças a uma quebra e uma trapalhada da Mercedes, desenhava-se uma improvável dobradinha da Red Bull em casa –literalmente; a Áustria é a pátria da equipe e o autódromo pertence à fábrica de energéticos. Só que o australiano, aniversariante do dia, começou a perder rendimento. Apareceram bolhas em seus pneus e ele teve de ir aos boxes logo depois de ser ultrapassado por Kimi. Voltou em quinto. O mesmo problema afetou a borracha de Lewis, e aí foi Vettel quem percebeu, foi para cima e passou, assumindo a terceira posição.

Hamilton, já abalado psicologicamente pela burrada da equipe de não tê-lo chamado para o pit stop com o safety-car virtual, passou então a se lamentar pelo rádio. “Gente, esses pneus não vão aguentar…”, começou. “Gente, estamos jogando essa corrida no lixo…”, depois. “Gente…”, e assim foi. As respostas eram sempre em tom de clemência. “Você está certo, Lewis, mas vamos tentar alguma coisa, confiamos em você”, ouvia de volta. Até que na volta 53 ele parou para um novo jogo de pneus, caindo de quarto para quinto, atrás de Ricciardo. Lá na ponta, Verstappinho era só tranquilidade. “Não se preocupem”, falava para o time. “Está tudo bem.”

Então, mais uma quebra vitimou um candidato ao pódio. Justo Ricardão, na volta 54, com o escapamento rachado num ponto que ameaçava arrebentar o câmbio. O “está tudo bem” de Max, desse modo, se transformou numa enorme preocupação para os rubro-taurinos. Se um carro tem problema, a chance de o outro abrir o bico igual nunca pode ser descartada. Santas quebras, eu diria!

Para piorar, as imagens mostraram que o pneu traseiro esquerdo do holandês também tinha bolhas assustadoras, como as que levaram Daniel ao segundo piot stop. Ele chegaria ao fim? A Ferrari vinha babando com Kimi e Sebastian em segundo e terceiro, com pneus aparentemente bem melhores. E faltavam 15 voltas, ainda.

Mas quem acabou parando, por incrível que pareça, foi Hamilton, na volta 64. “Parece que estou perdendo potência”, choramingou pelo rádio. O time mandou encostar o carro — a bomba de gasolina deixou de funcionar. Era inacreditável. Depois de 33 corridas seguidas nos pontos, o tetracampeão batia no cinto pela primeira vez antes de ver a quadriculada. E pela primeira vez desde o GP da Espanha de 2016, quando Hamilton e Rosberg bateram logo no começo da corrida, a Mercedes amargava um abandono duplo.

[bannergoogle]As últimas sete voltas foram de alguma aflição para Verstappen porque Kimi, que ficara a maior parte do tempo entre 5s e 7s atrás, começou a descontar a diferença. Mas nada, para ser honesto, muito agudo. Vettel também estava perto do companheiro, mas a Ferrari não ousou solicitar uma troca de posição. O pau estava comendo pra valer mesmo na rabeira da zona de pontos, com Alonso, Leclerc, Pérez, Ocon, Gasly e Ericsson se divertindo e divertindo o público num passa-passa interminável.

Max acabou recebendo a bandeirada 1s5 à frente de Raikkonen, com Vettel fechando um pódio curiosamente idêntico ao da primeira vitória do holandês na F-1 — na já citada prova de Barcelona de 2016 que tivera os dois carros da Mercedes fora. Em quarto e quinto, para festa da simpática Haas, Grosjean e Magnussen, fazendo o melhor resultado do time até hoje na categoria e levando-o de sétimo para quinto entre os construtores. Ocon foi o sexto, depois de interessante batalha com Pérez, com Alonso, Leclerc e Ericsson fechando o top-10. Dois carros da Sauber nos pontos era algo que não se via desde o GP da China de 2015.

Max ganhou pela quarta vez na F-1 e era só sorrisos no pódio, assim como Vettel, terceiro colocado (Kimi era o de sempre, esperando para tomar o primeiro gole do champanhe sem mover um músculo da face). O alemão não tinha muito do que reclamar, mesmo. Terceiro no grid, caiu para sexto na largada após uma punição ontem e terminou em… terceiro, onde deveria ter largado. Hamilton não pontuou e, assim, ele voltou incrivelmente à liderança do Mundial, agora com 146 pontos contra 145 do inglês.

A possível arrancada da Mercedes nos três finais de semana seguidos de GPs europeus foi barrada por ela mesma. As duas quebras podem ser consideradas uma decepção semelhante à da seleção da Alemanha eliminada na primeira fase da Copa da Rússia. A diferença é que, para a equipe de F-1, ainda há 12 corridas pela frente para se recuperar. Para o time de Joachim Löw, serão necessários mais quatro anos de espera.