Blog do Flavio Gomes
F-1

NO PAÍS DOS SOVIETES (3)

RIO (dá no saco, isso) – Ontem, terminei o texto sobre a classificação assim: Bottas fez a pole, parabéns para ele. Hamilton errou na sua última volta, ficou em segundo. O finlandês parece gostar dessa pista e se dá bem nela. Foi onde ganhou sua primeira corrida, no ano passado. Hoje fez a sexta pole […]

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RIO (dá no saco, isso) – Ontem, terminei o texto sobre a classificação assim:

Bottas fez a pole, parabéns para ele. Hamilton errou na sua última volta, ficou em segundo. O finlandês parece gostar dessa pista e se dá bem nela. Foi onde ganhou sua primeira corrida, no ano passado. Hoje fez a sexta pole da carreira, segunda do ano. Pode ser até que vença a prova, porque a Mercedes não vai se desgastar por bobagem com ordens de equipe. Se Lewis chegar em segundo, não muda muita coisa na classificação, aumenta a vantagem um pouco menos do que poderia em relação a Vettel. E ele pode ganhar, também, pelo simples fato de que é melhor que o companheiro de equipe.

Em negrito e sublinhado, faço questão, a prova mais cabal de que, no fundo, a gente não entende é nada. Da cabeça das pessoas, não do esporte. A gente tenta tratar o esporte como esporte. Não deveria. Porque o ser humano é pródigo em ser babaca. E são humanos que comandam as coisas, no fim das contas.

O que a Mercedes fez hoje com Bottas foi uma grande babaquice, muito parecida com a da Ferrari com Barrichello em 2002 na Áustria. Alguém pode argumentar que aquela foi pior, porque a Ferrari corria sozinha e o campeonato estava no começo. Mas isso é retórica. Foi igual. Vettel não vai ser campeão. Hamilton não vai ser penta por causa dessa troca de posições em Sóchi.

Na época, lembro bem, minha artilharia voltou-se contra todos: Schumacher, Barrichello, Todt, Brawn, a cambada toda. Achava, e acho, que algum elo dessa corrente poderia ter desrespeitado as ordens ou, o que seria muito melhor, jamais tê-las cogitado. Achava, e acho, que uma atitude forte de um dos pilotos receberia o apoio de todos, menos da cúpula ferrarista. Que, em algum momento no futuro, reconheceria a babaquice daquela decisão.

O mesmo vale para hoje. O babaca-mor foi Toto Wolff. Bottas e Hamilton poderiam transgredir. Mas, no fundo, todo mundo tem medo de fantasmas.

O que é mais curioso é que no ano passado, na Hungria, Hamilton pediu para passar Bottas para tentar superar Raikkonen um pouco mais à frente, e a equipe rapidamente resolveu a situação: vai lá e tenta. Se não der certo, devolve. Não deu, e ele devolveu. Vettel venceu a corrida. E Hamilton estava atrás do alemão na classificação. Chegara a Budapeste um ponto atrás, saiu 14. O campeonato estava muito mais difícil. Uma troca ali, embora sempre sujeita a críticas, talvez até se justificasse pela situação na tabela.

Mas agora? O cara chegou à Rússia 40 pontos na frente, e em franco progresso técnico diante de uma Ferrari que parece estacionada. Precisava mesmo?

Não, claro, que não. Tudo que a Mercedes fez de digno na Hungria em 2017 com seu segundo piloto foi enterrado por uma decisão catastrófica do ponto de vista esportivo e moral. Por isso insisto: Bottas poderia ter dito não. Hamilton também. E se partisse de Lewis esse “não”, ainda melhor. Ele tem moral e peso na equipe para fazer essas coisas. Valtteri é um coitado. Entende-se, até. Corre na melhor equipe do mundo, tem uma situação confortável, a vaga caiu no seu colo com a aposentadoria-surpresa de Rosberg, é a esse papel que se presta. Mas se comportando assim, será um coitado eterno, capacho permanente. E, sendo assim, não tem de reclamar. Da próxima vez, que abra um sorriso e não fique com essa cara de bunda.

Do ponto de vista jornalístico, foi até bom que isso tenha acontecido. Não fosse assim, este GP da Rússia passaria para a história como mais uma corrida chata entre tantas. Ao menos gerou notícia e discussão. Bernie Ecclestone adoraria — era adepto do “falem mal, mas falem de mim”. Hoje é dia de todo mundo falar mal.

Wolff, o vilão do episódio, justificou a ordem de troca de posições na 25ª volta da prova pelo que chamou de “erro nosso”. Até ali, Bottas era o virtual vencedor depois de uma boa largada e a manutenção da liderança até as paradas para trocas de pneus. Naquele exato momento, ocupava a segunda colocação atrás de Max Verstappen, que largara em 19º, fazia uma linda corrida, mas ainda tinha de realizar seu pit stop. Hamilton, segundo desde o início, acabou perdendo a posição para Vettel nas paradas. Foi na volta 14, mas muito rapidamente recuperou o lugar, ultrapassando o alemão na 16ª volta sem muitas dificuldades aparentes.

O dirigente argumentou que o erro da Mercedes foi ter devolvido Lewis à pista atrás de Tião Italiano, e que para superá-lo ele teve de atacar forte o rival, fazendo bolhas num pneu. “Por isso trocamos as posições, para Bottas proteger Lewis.” O time avaliou que o segundo lugar do inglês, com as tais bolhas, estava “ameaçado” pela proximidade de Vettel — que nunca atacou o #44, porque não tinha carro para isso.

Desse momento até o final, o único interesse da corrida se voltou para as mensagens de rádio entre a Mercedes e seus pilotos. Assim que Bottas quase parou o carro para o companheiro passar, foi ao ar a ordem que recebera pouco antes de seu engenheiro Tony Ross: “Valtteri, você tem de deixar Lewis passar na curva 13”, foi o que ouviu. Logo depois, o estrategista James Vowles voltou ao rádio para dizer a ele que Hamilton tinha uma bolha nos pneus: “Há uma ameaça para ele com Vettel por causa das bolhas. Tive de fazer isso para evitar riscos”. Valtteri não respondeu nada, ao menos que se saiba pelas gravações liberadas pela transmissão oficial.

Mas, na última volta, o finlandês perguntou, sim, se a corrida iria terminar daquele jeito. E ouviu de volta: “Sim, vamos manter as posições. Falaremos sobre isso mais tarde”. Em seguida, bandeirada dada, quem entrou na linha foi Wolff: “É um dia difícil para você e para nós. Conversaremos todos juntos depois”.

O resultado dessa papagaiada foi uma sequência de imagens constrangedoras desde o momento em que os carros foram estacionados debaixo do pódio, até a entrega dos troféus. Hamilton, que venceu pela 70ª vez na carreira e abriu 50 pontos para Vettel, não fez festa e tentou fugir da entrevista obrigatória com o ex-piloto de F-1 Paul di Resta. “Foi um dia difícil”, repetiu o chefe. “Valtteri foi um cavalheiro e merecia vencer. Há uma situação da equipe, do campeonato, mas sei como é difícil para ele. Não foi uma vitória espetacular.” Bottas recebeu o abraço quase envergonhado do parceiro e também usou a expressão “dia difícil”, tentando racionalizar: “Lewis luta pelo título, então sempre temos um plano. Enfim, é assim que as coisas são”.

No pódio, Hamilton puxou Bottas para o degrau mais alto após a cerimônia formal, e ainda tentou, meio encabulado, oferecer seu troféu para ele. Valtteri, pelo menos isso, não topou a encenação. O público viu tudo aquilo com frieza. Vettel, terceiro colocado, era o único que esboçava um sorriso. Parecia dizer: “Será que esses caras precisam mesmo disso tudo para ganhar de mim?”.

Depois dos três que foram ao pódio, o GP russo teve, na zona de pontos, Raikkonen, Verstappen, Ricciardo, Leclerc, Magnussen, Ocon e Pérez. Houve uma ou outra disputa no meio do pelotão, mas nada realmente digno de nota. Max, sim, foi o responsável por uma exibição quase de gala, especialmente nas primeiras voltas. De 19º no grid, ultrapassando quem estivesse à frente em qualquer ponto da pista, chegou ao quinto lugar já na oitava volta. Chegou a liderar e só foi fazer seu pit stop na volta 43, quando voltou à quinta posição — o máximo que poderia almejar se ninguém à sua frente tivesse problemas. Mereceu o voto de “Piloto do dia” que lhe foi consignado pelo amigo internauta.

Mas se tivéssemos um “Babaca do dia” hoje, talvez a disputa tivesse mais concorrentes. O favorito Toto Wolff, porém, levaria fácil a comenda para casa.