Blog do Flavio Gomes
F-1

AUSSIES (2) – SAPATTADA

RIO (não, não tenho hora) – Às vezes um segundo piloto tem momentos de brilho que nem sempre seu companheiro, claramente melhor ao longo de um campeonato, de uma carreira, consegue com tanta autoridade. Baixa um santo no cara, sei lá. De supetão, lembro de Barrichello em Silverstone, 2003. Não vou dizer que foi seu maior […]

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Bottas: melhor corrida da vida, disparado.

RIO (não, não tenho hora) – Às vezes um segundo piloto tem momentos de brilho que nem sempre seu companheiro, claramente melhor ao longo de um campeonato, de uma carreira, consegue com tanta autoridade. Baixa um santo no cara, sei lá. De supetão, lembro de Barrichello em Silverstone, 2003. Não vou dizer que foi seu maior desempenho — Alemanha/2000 é imbatível –, mas ele colocou mais de 25s em Schumacher, que terminou em quarto. Uma façanha.

Bottas fez isso hoje na Austrália. De longe, a melhor corrida de sua vida, com o requinte de cravar a volta mais rápida no final para ficar com um ponto extra que pode até não fazer muita diferença no campeonato, mas eleva sua autoestima aos céus.

Foi estranho o baixo rendimento de Hamilton — segundo colocado a 20s de distância do finlandês, sem que nada muito grave tivesse acontecido com ele, sua namorada, seu carro, seu avião. Ele largou mal, isso é fato. E admitiu. Disse que talvez tenha de treinar mais. Depois da corrida, a Mercedes contou que o assoalho quebrou, perto do pneu traseiro esquerdo. OK, um desempenho tão ruim de seu pentacampeão sempre deve ter alguma explicação. Mas, sinceramente, é até sacanagem atribuir a uma merdinha de pedaço de assoalho a vitória acachapante de Bottas.

Hamilton: aconteceu alguma coisa, sim, mas não é desculpa.

Valtteri é um piloto discreto, para não dizer fraco, na maior parte do tempo. Chegou à Mercedes em 2017 e hoje alcançou apenas sua quarta vitória com a equipe — e na carreira. No mesmo período, Hamilton ganhou 20. É uma discrepância muito grande. Mas abstraia-se tudo isso para fazer justiça ao nosso simpático Sapattos. Ele construiu o resultado com enorme competência a partir da largada, muito melhor que a do inglês, e em pouquíssimas voltas abriu uma vantagem que só poderia ser anulada em caso de um safety-car.

Incrivelmente, não houve a necessidade de nenhuma intervenção na corrida de Melbourne, normalmente acidentada pelas características bem peculiares de Albert Park. E, assim, Bottas foi sumindo, sumindo, sumindo, até se dar ao luxo de, nas voltas derradeiras, avisar à equipe que iria buscar o ponto extra do giro mais veloz da prova. E assim foi, com 1min25s580 contra 1min26s057 de Hamilton, a segunda volta mais rápida do dia. Meio segundo. Para aplaudir de pé.

A corrida em si não foi das mais espetaculares dos últimos tempos, mas teve algumas atuações dignas de nota. E uma robusta lista de decepções que pode começar, pela ordem cronológica, pela incrível barbeiragem de Ricciardo na largada. Ele colocou duas rodas na grama para passar alguém, acho que Pérez, mas no meio do caminho havia algo parecido com um meio-fio. Explodiu sua asa dianteira, ele teve de ir para os boxes e, pouco depois, abandonou. Um desastre para quem corria em casa e estreava por um novo time, a Renault.

Vettel: lentidão esquisita e afago da Ferrari contra Leclerc.

Depois, a Ferrari. Vettel parou cedo demais e seu segundo stint, com pneus médios, foi horroroso. Foi ultrapassado por Verstappinho com a mesma facilidade com que se corta um tablete de manteiga com faca quente. Adoro essa comparação. Mais tarde, quando seu novo parceiro Leclerc se aproximou, a equipe mandou o monegasco tirar o pé para não deixar o humor do alemão ainda pior. Primeira ordem idiota do ano. Pombas, corrida inaugural, quarto e quinto, ninguém ia bater em ninguém, são civilizados. Mattia Binotto começou bem sua trajetória como chefe de equipe. Mostrou-se um babaca. Tem mais 20 corridas para se recuperar.

(Aqui cabe mencionar o que chamamos de “outro lado”. Leclerc não reclamou, disse que a equipe não quis arriscar nada, e preferiu fazer um discurso otimista para o resto do ano. “Não há motivos para entrar em pânico ainda, apenas não fomos bem neste circuito”, falou. Sebastian resmungou o tempo todo. “Por que estamos tão lentos?”, perguntou pelo rádio em determinado momento. Já Binotto justificou a ordem de equipe dizendo que não era uma briga pela vitória, e que Vettel estava de birra com os pneus. Por isso, o melhor era mesmo manter as posições e evitar problemas.)

Nessa relação de frustrações, podem ser incluídos também Grosjean (perdeu a roda dianteira de novo, como em 2018), Sainz Jr. (quebrou o motor), Norris (começou bem com a McLaren, especialmente na classificação, mas terminou lá atrás) e Gasly, que com uma Red Bull de pneus macios na parte final da prova não conseguiu passar Kvyat, de Toro Rosso e pneus mais duros, ficando fora dos pontos.

Verstappinho: primeiro pódio da Honda desde 2008.

O elenco de gente sorridente após o GP da Austrália, porém, foi também numeroso. Verstappen, da mesma Red Bull, chegou em terceiro e levou à Honda ao seu primeiro pódio desde o terceiro lugar de Barrichello em Silverstone/2008 pela extinta equipe de fábrica — que deu origem à Brawn e, depois, à Mercedes. Masashi Yamamoto, o homem da montadora japonesa junto ao time rubro-taurino, caiu em prantos após a corrida. Merecidas, as lágrimas.

Magnussen em sexto também teve motivos para comemorar, assim como os demais que pontuaram, a saber: Hülkenberg, Raikkonen, Stroll e o já mencionado Kvyat. Kimi fez seus pontinhos na estreia da Alfa Romeo e acho que vai andar melhor em pistas com maiores possibilidades de ultrapassagem. Lance foi bem melhor que Pérez, uma surpresa. Kevin, da Haas, foi consistente desde sexta e não cometeu erros. Nico buscou pontinhos importantes para a Renault, num dia em que Ricciardo decepcionou. Palmas para todos. Dormiram em paz com suas consciências.

No frigir dos ovos, foi um GP OK. Inesquecível para Bottas, certamente. Mas uma corrida que, apesar do domínio da Mercedes com um de seus carros, não dará necessariamente o tom da temporada. Tem muita coisa para acontecer ainda.