Blog do Flavio Gomes
F-1

N’ESTÍRIA (3)

RIO (e la nave va) – Depois do GP da Áustria de domingo passado, Valtteri Bottas pegou o carro, ou o trem, ou o ônibus, ou o avião, o que for, e voltou para Mônaco, onde mora. Ficou lá uns dias e retornou para a prova seguinte, a de hoje, no mesmo lugar. Hamilton, por […]

RIO (e la nave va) – Depois do GP da Áustria de domingo passado, Valtteri Bottas pegou o carro, ou o trem, ou o ônibus, ou o avião, o que for, e voltou para Mônaco, onde mora. Ficou lá uns dias e retornou para a prova seguinte, a de hoje, no mesmo lugar.

Hamilton, por sua vez, se mudou para o motorhome estacionado atrás dos boxes. E lá ficou a semana toda, enfurnado no autódromo. Trabalhando, convivendo com mecânicos, com o pessoal da equipe, falando de carros, de corridas, da vida. Não foi o único, é bom que se diga. Mas o que nos toca aqui é a dupla da Mercedes.

Foi por isso que Lewis fez a pole e ganhou o GP da Estíria com gigantesca autoridade, depois de uma prova ruim na semana passada? Claro que não. Mas quando se observa a maneira como ele lida com seu ofício, o comprometimento com o time e com a profissão, é esse tipo de coisa que ajuda a explicar seu sucesso.

Hamilton venceu pela primeira vez em 2020, o que significa que tem vitórias em todas as 14 temporadas que disputou desde 2007, quando se sentou na McLaren para ser vice-campeão mundial logo na temporada de estreia na F-1. Foi a 85ª da carreira, o que o deixa a seis de igualar o recorde de Michael Schumacher.

Apesar do triunfo indiscutível, que começou a colocar as coisas em seus devidos lugares no Mundial, o inglês nem foi o personagem principal da segunda etapa do campeonato — a vitória foi tranquila, jamais ameaçada, e dessa aí ele não terá muita coisa para contar aos netos. Protagonistas, mesmo, foram Norris, Pérez, Ricciardo, Albon, pilotos que travaram belas disputas, trocaram de posições, usaram estratégias diferentes e, cada um a seu modo, deixaram a Áustria com alguma coisa especial para lembrar.

E a dupla da Ferrari, claro, sobre quem falaremos mais tarde. (Se você não viu a corrida, Leclerc bateu em Vettel na primeira volta, arrancou a asa do carro do alemão e os dois abandonaram, em mais um pastelão divertidíssimo para quem não torce para o time italiano.)

Deixemos Lewis de lado um pouco para dedicar algumas palavras a Sergio Pérez, o rapaz do carro rosa aí em cima que ganhou do amigo internauta o prêmio de “piloto do dia”. Desde a pré-temporada já se sabia que a Force Martin Point Aston India Racing seria uma das surpresas do ano, a partir da decisão de colocar o carro da Mercedes de 2019 numa impressora 3D e fazer uma cópia fiel para correr em 2020.

Depois de duas provas, pode-se afirmar sem muito medo de errar que se não fizer muita bobagem o time tem grandes chances de terminar o campeonato em terceiro, atrás de Mercedes e Red Bull, brigando com a McLaren e sem se importar muito com a Ferrari.

Pérez foi muito mal no sábado, classificando-se apenas em 17º no grid. Terminou em sexto, tendo perdido a quinta posição na última volta, quando mergulhou sobre Albon para tentar o quarto lugar, quebrou a asa dianteira e nos últimos metros acabou sendo ultrapassado pelo talentosíssimo Norris na linha de chegada.

Aliás, que chegada!

A imagem, como se diz, fala por si. Norris recebeu a quadriculada 0s917 à frente do mexicano, que por sua vez ficou separado de Stroll por 0s066, com Ricciardo 0s138 atrás. “Eu tinha de tentar”, disse Pérez, que foi responsável por algumas das mais belas ultrapassagens do domingo ameno em Spielberg — 25°C e nada de chuva.

Pérez fez seu único pit stop na volta 39 quando já estava em oitavo, e reservou a parte final da prova para buscar aquilo que conseguiria com um pé nas costas se tivesse largado um pouco mais à frente — se a Martin Point Racing India Aston Force melhorar em classificações, vai ser difícil chegar na frente dela se você não tiver uma Mercedes ou uma Red Bull nas mãos. Depois de despachar Ricciardo (que largou com pneus médios e arriscou macios no final; não deu muito certo) na volta 49, começou a fazer uma sequência de melhores voltas da corrida até colar em Albon na volta 57. Aí, empacou porque o tailandês é osso duro de roer. Foram 13 voltas de perseguição implacável até o toque “eu tinha de tentar” que lhe custou o quinto lugar.

Mas foi bonito de ver.

Verstappinho e Bottas também travaram um breve duelo anunciado pelas diferentes estratégias assumidas por suas equipes. O holandês, segundo colocado desde o início, trocou os pneus na volta 24, quando mantinha uma distância segura para o finlandês, em terceiro. Valtteri parou na 34ª, a Mercedes fez as contas e concluiu que, com pneus dez voltas mais novos, chegaria no adversário no apagar das luzes do GP. A previsão era para a última volta, mas a cinco do final, na 66ª, Sapattos já estava no retrovisor de Max. Houve a primeira tentativa, mas o menino resistiu com bravura. Na volta seguinte, não teve jeito. Bottas passou e fechou a prova em segundo, confirmando a previsível dobradinha da Mercedes, com Max levando para casa o terceiro troféu do dia.

Houve algumas decepções, como o Gasly aí em cima que largou em sétimo e não conseguiu pontuar. Isso porque a AlphaTauri teve a ideia de jerico de colocar pneus duros na 24ª volta para chamá-lo de novo aos boxes na 49ª e trocar por macios — duas paradas nessa corrida não é tática aceitável, e usar os duros, muito lentos, menos ainda.

Outro que não chegou onde imaginava foi Carlos Sainz, terceiro no grid, que teve problemas de rendimento atribuídos a um defeito na bateria e ainda fez um pit stop lento que acabou com suas chances de algo mais interessante na prova. Terminou em nono mas, pelo menos, marcou o ponto extra da melhor volta no fim, tendo feito a segunda parada apenas para isso. Tornou-se o terceiro espanhol da história a cravar a melhor volta de uma corrida. Os outros foram Fernando Alonso e Pedro de La Rosa.

Nas dez primeiras posições chegaram, pois, Hamilton, Bottas, Verstappen, Albon, Norris, Pérez, Stroll, Ricciardo, Sainz e Kvyat, elevando a 15 os pilotos que já pontuaram em 2020. Sapattos lidera com 43, seguido pelo Comandante Amilton com 37. Orlandinho Mini Morris é o terceiro com 26 — fez uma excelente prova, soube administrar os pneus e arrancou um honroso quinto lugar. Entre as equipes, o vareio da Mercedes já pode ser visto na tabela: 80 pontos, contra 39 da McLaren, que aparece em segundo. Depois vêm Red Bull (27), India Aston Point Martin Force Racing (22) e a gloriosa Ferrari (19).

Ah, a Ferrari…

Veja ilustre passageiro
o belo tipo faceiro
que o senhor tem a seu lado
e no entanto, acredite,
quase morreu de bronquite
salvou-o o Rhum Creosotado!

Não sei bem por quê, mas ao ver Leclerc e Vettel baterem na primeira volta da corrida me lembrei desse reclame que era colocado nas paredes internas dos bondes nos anos 50 e 60, e que entrou para a história como uma das peças publicitárias mais lembradas do país — eu mesmo me lembro, e nunca andei de bonde no Brasil. Mas por que me lembro? Porque sempre que meu pai contava algum caso que envolvesse personagens que lhe causavam surpresa ou espanto, começava com a frase “veja ilustre passageiro, o belo tipo faceiro” etc., porque acho que esse era o sentido dos singelos versinhos que vendiam o inefável Rhum Creosotado. O fraseado, com métrica e rimas impecáveis, basicamente exclamava: quem diria você, hein!

Quem diria você, hein, Charlinho?

A visão privilegiada do carro de Raikkonen ilustra bem o tamanho da besteira que Leclerc fez na primeira volta, arrancando a asa traseira do companheiro e arrebentando o próprio assoalho, o que resultou no abandono do primeiro antes de completar uma volta e do segundo pouco depois, com um carro indirigível.

O monegasco apressou-se em pedir perdão a Vettel e, se fosse versado em latim, diria, em tom dramático, “Confiteor Deo omnipotenti, beatae Mariae semper Virgini, beato Michaeli Archangelo, beato Joanni Baptistae, sanctis Apostolis Petro et Paulo, omnibus Sanctis, et tibi pater: quia peccavi nimis cogitatione verbo, et opere: mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa. Ideo precor beatam Mariam semper Virginem, beatum Michaelem Archangelum, beatum Ioannem Baptistam, sanctos Apostolos Petrum et Paulum, omnes Sanctos, et te Pater, orare pro me ad Dominum Deum Nostrum.”

Como as entrevistas são em inglês, mesmo, ficou no “foi culpa minha, sou completamente culpado, Seb não teve culpa nenhuma e peço desculpas por isso”. Ao que Vettel respondeu publicamente com um muxoxo dizendo apenas que “ainda bem que a próxima corrida é domingo que vem e não precisamos esperar muito para reagir”. Quanto ao chefe Binotto, a posição oficial foi: “Não é o caso de procurar culpados, e sim de olhar para a frente, tentar se recuperar e se unir como equipe”.

Às vezes tenho saudades de gente mais explosiva como Arrivabene, Briatore, Fiorio, uns caras que tratavam desses assuntos aos berros.

Claro que passei as últimas horas tentando contato com meu informante nas hostes ferraristas, o insigne Gola Profonda, o que só foi possível agora há pouco. E, desta vez, foi por WhatsApp mesmo. Ele já estava no caminhão a caminho de Budapeste.

Por que demorou para atender, amigo?, reclamei assim que vi “online” no aplicativo. “Estávamos esperando o pódio, a gente emprestou o carro pro pessoal levar os troféus e só agora devolveram”, disse. Ah, entendi. Imagino que o clima não está muito bom por aí, né?, perguntei. “Ah, tá ótimo. Seb até agradeceu.” Agradeceu? “Foi assim. Charlito chegou nos boxes e falou ‘desculpa, tio’. Vettel, de cara, o repreendeu. ‘Tio é sua mãe’, mas como o menino começou a chorar, ele deu um tapinha nas suas costas e falou que estava tudo bem. ‘Pelo menos não precisei aguentar uma hora e meia nessa bomba. E olha que sem a asa o carro ficou até melhor do que estava.'” Só isso?, questionei. “Claro que não, né? Quando o Binotto apareceu, Charlito abriu o berreiro e disse que não queria levar bronca, que não fez por mal e que se alguém gritasse com ele ia ligar para a mãe.” Mas alguém gritou com ele?, prossegui. “Só a mãe, pelo que eu soube. Porque ele ligou pra ela chorando e ouviu um monte. Madame Leclerc é enérgica e dura com o menino. Sempre foi assim desde os tempos em que ele descia os morros das comunidades de Mônaco de carrinho de rolimã e chegava em casa com o dedão sem a tampa, sangrando.”

OK, me poupe dessas histórias tristes, pedi. Me diga o que conversaram, o que mais falou o Vettel, o que vão fazer na próxima corrida, se estão pensando em alguma punição, me dê informações um pouco mais precisas, pedi, prevendo que Gola começaria com suas piadinhas sem graça com Leclerc. “Sim, uma semana sem videogame e Cartoon Network”, respondeu meu agente infiltrado. Pesado, comentei. “Sim, e queriam tirar o celular, mas aí o próprio Vettel ficou com pena e pediu para não exagerarem, que estava tudo bem, era só uma corrida, e que ele já tinha a solução para a Hungria.” E qual é?, insisti. “Vou te mandar a foto que ele colocou no grupo da equipe.”

Aí apareceu offline no celular e não consegui mais falar com ele.