Blog do Flavio Gomes
F-1

N’INGLATERRA (3)

SÃO PAULO (de arrepiar) – O GP da Inglaterra estava chatinho até a antepenúltima volta, quando começaram a furar pneus. Primeiro Bottas, depois Sainz, depois Hamilton. Todos na turma da frente. Claro que para Lewis o furo teve menor efeito: ganhou a corrida do mesmo jeito. Valtteri, que estava em segundo, terminou em 11º. Sainz, […]

SÃO PAULO (de arrepiar) – O GP da Inglaterra estava chatinho até a antepenúltima volta, quando começaram a furar pneus. Primeiro Bottas, depois Sainz, depois Hamilton. Todos na turma da frente. Claro que para Lewis o furo teve menor efeito: ganhou a corrida do mesmo jeito. Valtteri, que estava em segundo, terminou em 11º. Sainz, quinto, recebeu a bandeirada em 13º.

Ganhar com três pneus não é para qualquer um. E Hamilton, obviamente, não é qualquer um. Além disso, como disse Christian Horner pelo rádio a Verstappen, segundo colocado, “é um cara de sorte”. De fato. O pneu do hexacampeão — esquerdo dianteiro, que sofre barbaridade em Silverstone — poderia ter explodido um pouco antes. Como aconteceu com Bottas, que teve de dar uma volta inteira se arrastando até chegar aos boxes. Sua borracha se foi na volta 50, a duas do final. Ou com Sainz, que não tinha vantagem confortável para ninguém quando viu seu pneu indo pelos ares e perdeu todas as posições possíveis.

E a sorte foi tão grande que Verstappinho, assim que assumiu o segundo lugar com a tragédia de Bottas, sentindo umas vibrações estranhas no mesmo pneu, foi para os boxes para colocar um jogo de macios com dois objetivos: 1) garantir que chegaria ao final; e 2) fazer a melhor volta da prova e levar um pontinho extra.

Max chegou 5s atrás de Hamilton. Na última volta, foi 28s mais rápido. Claro que todos já chegaram à mesma conclusão: se não tivesse parado para colocar os pneus macios e fazer a melhor volta, teria vencido a corrida.

É provável que sim, mas nunca garantido. Horner, o chefe da Red Bull, meio que para se auto-consolar, disse que “talvez Max não chegasse”. O próprio piloto procurou enxergar o lado meio cheio do copo. “A gente pode dizer que tive azar, ou sorte. No caso do Lewis, a mesma coisa. Mas no fim, ele teve um pneu furado. Um azar. Enfim, eles foram mais rápidos e mereceram a vitória. Estou feliz com o segundo lugar.

Verstappen: podia vencer, mas também podia estourar o pneu

Não duvido que esteja. Mas até a eternidade ficará a dúvida. Será que daria?

O festival de borracha voando deveu-se à entrada do segundo safety-car na corrida, após batida de Kvyat na 13ª volta. Antes, o Mercedão de segurança já havia sido acionado entre as voltas 2 e 5, por conta de uma refrega entre Albon e Magnussen que terminou com o dinamarquês no muro e o tailandês punido — Alex ainda faria uma interessante corrida de recuperação, termo cunhado, registrado e eternizado por Galvão Bueno — para terminar em oitavo.

Enquanto o russo saía de sua AlphaTauri arrebentada e dava um tapão no cameraman que registrava seu desgosto profundo, todo mundo foi para os boxes fazer a parada única prevista para a corrida (a exceção foi Grosjean, que por conta disso apareceu em quinto na relargada, na volta 18, e ficou atrapalhando geral até receber duas bandeiras brancas e pretas, que não eram do Ceará nem da Juventus de Turim, mas sim de advertência por se mover nas freadas, ameaçando mandar para o espaço quem vinha para ultrapassá-lo).

E aí é que se explica o drama pneumático do final. A Pirelli calculava que quem tivesse largado de médios deveria fazer seu pit stop entre as voltas 21 e 24. A turma dos macios, entre a 18 e a 22. Como todos anteciparam a parada para aproveitar o safety-car nas voltas 13 e 14 — e todos colocaram pneus duros –, significa que no segundo stint os pneus teriam de durar umas dez voltas além daquilo que os borracheiros consideravam aconselhável. E deu no que deu.

Hülkenberg nem largou: será que o box 13 deu azar?

Até então, sejamos honestos, o que de mais emocionante havia acontecido no GP da Inglaterra fora a desventura de Nico Hülkenberg. Cheio de dores por todo o corpo, afinal eram nove meses de inatividade, o pobre coitado já tinha se enchido de Dorflex e adesivos Salonpas para disputar a prova no lugar do contaminado Sergio Pérez. Mas na hora de entrar no carro, alguma coisa não funcionou. “Alguém tem a chave?”, perguntou para os mecânicos quando viu que o motor não girava. “Não tem chave”, respondeu alguém. “Tem alarme?”, seguiu Hulk. “Tem não”, respondeu o mesmo mecânico. “Joga uma gasolina aí no carburador que pega!”, implorou. “É injetado”, suspirou seu interlocutor. “Não dá pra empurrar e pegar no tranco?”, sugeriu, por fim, o piloto. Àquela altura, a corrida já tinha começado. Nico nem alinhou. Por um desses mistérios da tecnologia, a unidade de potência de seu Force Point simplesmente se recusou a ligar.

Albon: bobagem no início, recuperação cheia de valentia

O início da prova foi tranquilo, as duas Mercedes sumiram na frente e, tirando a lerdeza da Ferrari de Vettel e um duelo divertido entre os carros da McLaren e da Renault, nada de muito interessante aconteceu até os pneus furarem no fim. Outro que dava dó, como Tião Italiano, era Raikkonen, ultrapassado até por Lentifi. Individualmente, destacavam-se Gasly e Albon lutando bravamente para se colocarem na zona de pontos. Stroll, de quem se esperava mais com a Mercedes rosa, fazia uma prova decepcionante. Acabou num opaco nono lugar, e isso graças aos estouros de Sainz e Bottas.

Passadas todas as aflições, Hamilton teve a companhia de Verstappen e Leclerc no pódio. E, aqui, palmas para o garoto monegasco criado nas comunidades pobres dos morros de Monte Carlo. Com uma charanga irritantemente lerda e difícil de guiar, conseguiu chegar em terceiro e fez seu segundo pódio no ano. Ricciardo, Norris, Ocon, Gasly, Albon, Stroll e Vettel fecharam a zona de pontos.

Lewis disse que seu coração quase parou quando viu sua borracha desmilinguindo na última volta, mas respirou fundo (de novo) e se preocupou em levar o carro até a quadriculada, enquanto pelo rádio o engenheiro informava a distância que ainda tinha para Verstappen. Foi a 87ª vitória de sua carreira, terceira no ano, e sétima na Inglaterra. Tornou-se o piloto com mais vitórias em casa na história da F-1, superando os seis triunfos de Alain Prost na França. “Valtteri estava num ritmo muito forte e talvez por isso seu pneu tenha ido embora antes que o meu”, especulou. “A gente percebeu que o ritmo era muito forte dos dois e que poderíamos ter problemas no fim, mas deixamos os dois livres para correr”, contou Toto Wolff, o chefão da Mercedes.

De fato, Bottas andou o tempo todo colado em Hamilton, com a diferença nunca passando de 2s até a volta 48, quando o finlandês diminuiu o ritmo depois de informar pelo rádio que seu carro vibrava muito, e que o pneu já tinha ido para o saco. “Foi muito azar”, lamentou Sapattos, que tinha 18 pontos no bolso e saiu zerado da quarta etapa do Mundial. Com isso, Hamilton abriu 30 pontos de vantagem na classificação, 88 a 58. Verstappen tem 52 e Norris, quinto colocado hoje, é o quarto com 36.

Semana que vem Silverstone recebe a quinta etapa do campeonato, mas a corrida deverá ter características um pouco diferentes. Para combater a mesmice, já estava combinado que os pneus para a prova, batizada de GP do 70º Aniversário (ainda não decidi como vou chamar esse negócio), serão um degrau mais moles que os usados neste fim de semana. Ou seja: o que hoje foi pintado de amarelo e era médio será pintado de branco e vai ser o mais duro à disposição; o médio de hoje vira macio amanhã; e o macio para a corrida será o composto supermacio na vida real. Pode parecer complicado, mas não é. O resultado é que ninguém vai conseguir fazer as 52 voltas da prova com apenas uma parada. No mínimo, duas. Ainda mais se fizer calor, o que hoje não aconteceu — estava sol, mas a temperatura não passou dos 21°C.

Leclerc: terceiro inesperado, segundo pódio no ano

E a Ferrari?

Claro que o terceiro lugar de Leclerc foi muito festejado e inclusive, como me contou o informante Gola Profonda, o piloto ganhou de presente do chefe Binotto uma miniatura de borracha do Relâmpago McQueen, que tinha sido prometida no começo do ano se ele andasse bem na pré-temporada, o que não aconteceu. Por causa disso, disse Gola, a reunião pós-corrida com os engenheiros teve de ser adiada em meia hora para que ele pudesse brincar com o carrinho na banheira (“Charlito só toma banho de banheira”, explicou o espião).

Ando meio farto dessas irrelevâncias que me reporta Gola, e por isso pedi que ele falasse mais sobre Vettel, que me parecia muito triste com o resultado. Até li em algum lugar uma declaração preocupante dele, na linha “não tinha confiança para fazer o que gostaria em nenhuma volta, tem algo de muito errado com o carro ou comigo”, depois de descrever a dificuldade para guiar um automóvel nitidamente ruim.

“Não foi nada disso que ele falou”, me corrigiu Gola. Ah, não? O bom de ter informantes em postos estratégicos é isso, a gente apura os fatos e eles nos chegam com maior precisão e fidelidade. O que Vettel disse, então?, perguntei, já pegando papel e caneta para anotar alguma frase de impacto, certamente. “Seb chegou cabisbaixo, sentou numa cadeira de plástico num canto, tomou um gole de água, nem colocou máscara e desabafou comigo. Disse que devia estar contente por ter conseguido tudo que quis, mas confessou, abestalhado, que estava decepcionado. Porque foi tão fácil conseguir, e agora estava se perguntando ‘e daí?’, e que tem uma porção de coisas grandes pra conquistar e não pode ficar aí parado.”

Anotei tudo, achei o desabafo de fato impactante, e creio que essas palavras que demonstram desolação, angústia, decepção, sofrimento, desengano, tristeza e frustração deverão ter algum destaque nos jornais italianos de amanhã. E pra domingo que vem, Gola, o que ele está pensando? “Não sabemos. O dia começou esquisito, já. Ele postou uma imagem estranha no nosso grupo de manhã com uma mensagem misteriosa, e depois desapareceu.” Você pode me mandar?, pedi. Segundos depois veio a foto no meu WhatsApp. Na legenda, estava escrito: “Não é meu, não é de ninguém. Quero ver o rosinha funcionar sem isso aqui”.

Depois disso, Gola não me falou mais nada porque caiu a ligação.