Blog do Flavio Gomes
F-1

N’OVAL (2)

RIO (sem surpresas) – Quando escrevi ontem que Bottas era o favorito à pole, não se tratava de tese de sabichão ou adivinho. Era apenas lógica. Por melhor que seja Russell, pegar um carro pela primeira vez na sexta e fazer a pole no sábado não é tarefa tão simples se o outro carro estiver […]

RIO (sem surpresas) – Quando escrevi ontem que Bottas era o favorito à pole, não se tratava de tese de sabichão ou adivinho. Era apenas lógica. Por melhor que seja Russell, pegar um carro pela primeira vez na sexta e fazer a pole no sábado não é tarefa tão simples se o outro carro estiver nas mãos de um piloto que tem lá suas qualidades e que está muito mais acostumado com o funcionamento de tudo — máquina, equipe, procedimentos, timing.

Assim, deu a lógica. Como a lógica, amanhã, aponta para uma vitória do finlandês. Até porque para Russell o domingo será também cheio de novidades — como largar lá na frente, ter de se defender de ataques, tentar ultrapassagens, pensar a corrida como um todo, algo que ele simplesmente não faz há dois anos, como piloto da Williams. Jorginho vai ver de perto carros que normalmente só conhece pelo nome, ou quando um comissário lhe mostra a bandeira azul. Claro que será uma noite, no mínimo, esquisita para ele.

Russell: segundo no grid, resultado ótimo para quem pegou um carro muito diferente

Russell, apesar das dificuldades naturais que teria, foi muito bem na classificação de agora há pouco no “oval” do Bahrein. Ficou em segundo a apenas 0s026 da pole, o que o deixou, em suas palavras, “arrasado”. Não porque achasse que tinha a obrigação de bater Bottas. Mas porque já que chegou tão perto, bem que podia festejar um pouquinho mais… É compreensível.

Uma das dificuldades foi sua posição de pilotagem, pouco confortável. O que pode afetar seu ritmo numa prova longa, de 87 voltas disputadas intensamente, dadas as características da pista. A média de velocidade é bem alta (Bottas fez a pole a 238,856 km/h, contra 223,267 km/h de Hamilton semana passada, no traçado original) e as voltas, muito curtas — completadas em menos de um minuto. Lidar com o tráfego será um desafio e uma constante. A diferença para Jorginho amanhã é que em vez de receber as tais bandeiras azuis para deixar os outros passarem, terá de tentar passar os outros.

Grid para o GP de Sakhir: voltas em menos de um minuto, desafio novo para todos

O jovem inglês que substitui Hamilton chegou à classificação pessimista, depois de enfrentar alguns problemas no terceiro treino livre. “Fiquei com medo de não passar do Q1 ou do Q2”, confessou. Depois, se encontrou. Na hora do vamos ver, esteve sempre perto de Bottas e, como o companheiro, se deu o luxo, inclusive, de fazer sua melhor volta no Q2 com pneus médios. Com eles largará amanhã, assim como o pole-position.

Os pilotos da Mercedes são os únicos que partirão com esses compostos, podendo parar mais tarde para o primeiro pit stop. A previsão é de duas paradas com o uso dos compostos duros em boa parte da corrida. Mas há quem esteja imaginando até três. Será uma prova interessante nesse sentido. Parar na hora errada pode custar muito, um terço da volta. Esperar um safety-car virtual ou real para ir aos boxes? Pode ser. Mas ninguém consegue adivinhar quando o safety-car será acionado. Nem se. O fator sorte, em circuitos como esse, conta bastante.

Leclerc: quarto no grid com volta quase perfeita para o carro que tem

Além de Russell, quem foi muito bem foi Leclerc, quarto colocado. Deixou para trás carros que têm sido constantemente mais velozes que a Ferrari, como os da Aston Point, McLaren, Renault e, em algumas ocasiões, AlphaTauri. Nem falo da Red Bull que ficou lá para trás, porque foi a de Albon — péssimo desempenho, 12º lugar, empacando no Q2 enquanto Verstappen brigava pela pole. Outros que foram mal no Q2: Vettel, 13º, Ocon, 11º e Norris, 15º. Todos amargaram seus companheiros passando ao Q3. O que fez com nada menos que sete das dez quipes tivessem seus representantes na fase final da classificação.

Não houve grandes surpresas no grid como um todo, porém. O Q1 eliminou Magnussen, Latifi, o estreante Aitken, o inconstante Raikkonen e o outro novato Fittipaldi. Pietro já sabia de antemão que teria de largar em último porque a Haas trocou seu motor. Assim, o brasileiro foi escalado basicamente para dar vácuo a Magnussen na classificação, e o fez. Não dá para avaliar nada em termos de velocidade — e não daria, mesmo, porque o carro da Haas, todos sabem, não é grande coisa. O neto de Emerson fez o que tinha de fazer, não cometeu erros e, agora, tem de se preocupar apenas em completar a corrida. Se possível, na frente dos dois carros da Williams. Vai ser tudo novo para ele, prova longa, pit stops, bandeiras azuis, há muita coisa com que se preocupar e para aprender. Que desfrute de cada segundo.

Pietro, na frente de Magnussen: vácuo para ajudar o companheiro da Haas

No Q1, 18 dos 20 carros ficaram no mesmo segundo, o que também não deve surpreender ninguém por conta dos parcos 3.543 m do circuito. Bottas foi o mais rápido na primeira parte da classificação, com 53s904. Fittipaldi, o último, ficou 1s522 atrás. No Q2, o mais veloz foi Verstappinho, 53s647 — mas com pneus macios, já que a Mercedes, como já dito, optou por fazer seus tempos com os médios. Albon, nessa fase, foi 0s379 pior que Max. Muita coisa, numa pista curtíssima. Olha ele de novo na marca do pênalti…

O Q3 foi divertido, com o holandês da Red Bull abrindo os trabalhos na frente, cravando 53s591 em sua primeira tentativa. Leclerc surpreendeu ficando apenas 0s022 atrás e a dupla da Mercedes claudicou, com Bottas em terceiro e Russell em quinto. Com mais jogos de pneus macios à disposição, os dois fizeram mais duas tentativas, contra apenas uma de Verstappen. Na segunda, Valtteri fez o tempo da pole: 53s377. Russell conseguiu a outra vaga na primeira fila na terceira volta, 0s026 atrás do finlandês. Verstappen foi o terceiro, a 0s056. “Não tenho nada a perder”, falou Max sobre o previsível ataque a Jorginho na largada. O top-10 fechou com Leclerc, Pérez, Kvyat, Ricciardo, Sainz, Gasly e Stroll.

Verstappen, terceiro: vai partir pra cima de Russell com apetite na largada

Bottas ficou claramente aliviado com a pole, disse que vive um fim de semana “diferente” sem Hamilton na garagem ao lado, que sabia que Russell estaria perto no cronômetro e reconheceu que não fez uma volta particularmente boa no Q3. Jorginho, depois de se dizer “arrasado” por não ter feito a pole por milésimos de segundo, admitiu que ainda tem muito que aprender num carro tão distinto daquele que vinha guiando até a semana passada. “Pouca coisa se aplica aqui, tive de ‘desaprender’ tudo que fazia na Williams para pilotar um carro veloz como esse”, falou.

Foi a 16ª pole da carreira de Bottas, quinta no ano. E pela primeira vez, vejam só, Russell foi batido por um companheiro de equipe em grid. Na Williams, nunca largou atrás de Kubica e Latifi, seus parceiros em 2019 e neste ano. Mais um aprendizado…

Quem ganha amanhã? Como já dito lá em cima, Bottas é bem favorito. Russell não vai fazer nenhuma loucura, sabe que seu futuro não depende dessa corrida. Se tiver a chance, belisca uma vitória, claro — sabe-se lá quando terá chance tão boa de novo. Mas não será às custas de uma batalha sangrenta com Valtteri, que além de tudo luta com Verstappen pelo vice-campeonato. A F-1, claro, gosta de pilotos ousados e destemidos — eu adoraria ver Russell ganhar um GP partindo para cima de Bottas feito alguém faminto atrás de um prato de comida. Mas as corporações envolvidas na categoria também apreciam aqueles que, como se diz, trazem os brinquedos para casa. Sem grandes sustos, avarias ou confusões.