Blog do Flavio Gomes
F-1

COM GELO E ÁGUA (3)

SÃO PAULO (até o fim) – Bom, se o Christian Horner disse que se a Red Bull batesse a Mercedes na França é que poderia derrotá-la em qualquer lugar, na rua, na chuva, na fazenda (ou numa casinha de sapê), quem sou eu para dizer o contrário? Se o Hamilton disse que “o carro deles” […]

Max sentado na sua 13ª vitória: Mundial parece ter novo favorito

SÃO PAULO (até o fim) – Bom, se o Christian Horner disse que se a Red Bull batesse a Mercedes na França é que poderia derrotá-la em qualquer lugar, na rua, na chuva, na fazenda (ou numa casinha de sapê), quem sou eu para dizer o contrário?

Se o Hamilton disse que “o carro deles” é mais rápido do momento, quem sou eu para dizer o contrário?

Se o Bottas chora pelo rádio dizendo que ninguém o escuta, que era melhor parar duas vezes, e a Mercedes não faz nada que ele pede, quem sou eu para dizer o contrário?

A história do GP da França de hoje, bem melhor que os de 2018 e 2019, é daquelas que, ao fim do campeonato, se a Red Bull e Verstappen forem campeões, a gente vai lembrar como uma espécie de divisor de águas, a corrida em que a hegemonia da Mercedes começou a terminar.

Houve um duelo direto. Houve uma estratégia corajosa da Red Bull, a de fazer duas paradas numa prova em que quase todo mundo só trocou de pneus uma vez. Houve um “undercut” antes disso. Foi a famosa vitória sem dúvida nenhuma, como dizem os locutores de rádio. Acho que temos um novo favorito no galinheiro.

Pódio duplo da Red Bull: equipe está na frente, isso é claro

Max venceu pela terceira vez no ano, 13ª na carreira, e cumpriu o que prometeu: recuperar os pontos perdidos em Baku, há duas semanas. Com Hamilton em segundo, e tendo feito ainda a melhor volta, o holandês ampliou sua vantagem na classificação para 12 pontos: 131 a 119. No Mundial de Construtores, a diferença é ainda maior. Sergio Pérez chegou em terceiro — pela primeira vez o time colocou dois pilotos no pódio neste ano — e Bottas foi o quarto. Assim, os rubro-taurinos chegaram a 215 pontos, contra 178 dos mercêdicos.

A vitória de Verstappen chegou a ser ameaçada por um erro dele mesmo na segunda curva, logo na largada. Uma escapada e a perda da liderança para Hamilton, que conseguiu sustentar a ponta até a 20ª volta, quando parou para trocar seus pneus médios pelos duros que deveriam aguentar até o fim da corrida. O problema para o inglês é que Max parou uma volta antes. E conseguiu, com duas voltas muito rápidas — a de entrada e a de saída dos boxes –, recuperar a primeira posição.

Os dois seguiram colados até a volta 29, quando a Red Bull falou “tem de manter isso daí” para Verstappen. E ouviu de volta, pelo rádio: “Eu não consigo ir com esses pneus até o fim da corrida”. A Mercedes interceptou o diálogo, com uma escuta clandestina. E imediatamente dedurou para Hamilton, que respondeu: “Eu concordo”.

Hamilton, segundo: sorriso maroto virou sorriso nervoso

Então, na volta 32, um “ooooohhhhh!” se ouviu pelas arquibancadas de Paul Ricard. Max parou de novo! Duas paradas nessa prova? Pois é. Choveu de manhã na região e a água lavou o asfalto do circuito francês. Por isso, o desgaste dos pneus, com a pista menos emborrachada, foi bem maior do que previam as equipes. A Red Bull agiu rápido. Chamou o líder para os boxes, colocou pneus médios em seu carro e deu a ordem para seu piloto: enfia o pé que no final você chega no cara e ele vai estar se arrastando e você passa e ganha. Repeteco do que a Mercedes fez em Barcelona.

“No final” não era força de expressão. Verstappen voltou em quarto, atrás de Hamilton, Bottas e Pérez. O mexicano tinha feito seu pit stop na volta 24. O finlandês, na 18. Na 34ª, a vantagem de Lewis, o líder, para Max, o quarto, era de 17s. Só que todos estavam com pneus velhos, exceção feita a Verstappen. Que começou a virar voltas 2s mais rápidas que os demais e saiu à caça. Ainda faltavam 19 voltas para a quadriculada. Era questão de tempo.

Max passou Pérez na volta 35 e começou a se aproximar de Bottas, que também sofria com a borracha à míngua. Na 45ª, passou. Foi quando Valtteri, pelo rádio, gritou: “Por que ninguém me escuta quando eu digo que essa corrida era para duas paradas?”. Um silêncio ensurdecedor tomou conta de seus fones de ouvido.

Hamilton administrava os pneus como dava, pedindo informações o tempo todo sobre o desempenho do rival. Só recebia, como resposta, más notícias. Verstappen estava muito mais rápido e se aproximando. E, na penúltima volta, chegou e passou sem dificuldade nenhuma. Não deu nem tempo de fechar a porta. Nem a porta Lewis sabia onde ficava, para fechar.

Classificação final em Paul Ricard: prova decidida no fim

Apesar de todas as atenções estarem voltadas para a disputa mano a mano entre Verstappen e Hamilton, o GP da França teve também muita atividade no segundo pelotão, aquele que vem depois das duplas de Red Bull e Mercedes. Lando Norris foi um dos protagonistas dessas brigas, terminando em quinto, depois de uma má largada — o “melhor dos outros” com a McLaren. Ricciardo, Gasly, Alonso e Vettel cruzaram a linha juntinhos, merecendo os aplausos do público — que voltou às arquibancadas vacinado e tomando todas as medidas de prevenção que, no Brasil, são combatidas pelo asqueroso-mor da República. Stroll, que largou em último (no grid, já que Tsunoda saiu dos boxes), fechou a zona de pontos. A dupla da Aston Martin optou por adiar bastante a parada e o resultado foram três suados pontinhos para o time verde.

Fracasso mesmo foi a Ferrari. Depois de duas poles de Leclerc em Mônaco e Baku, o time italiano amargou uma corrida desastrosa, com Charlinho em 16º e Carlinhos em 11º, ambos fora da zona de pontos. “Desde o primeiro dia que andei nesse carro vi que tinha algo errado com o jeito que a gente lida com os pneus”, reclamou Sainz. “Não faz sentido a gente ser meio segundo mais rápido que alguns carros no sábado, como a McLaren, e tomar dois segundos por volta dos mesmos carros no domingo.” É, não faz.

Como a McLaren ficou em quinto e sexto, o terceiro lugar entre as equipes foi pintado de laranja de vez. São 110 pontos contra 94 da equipe de Maranello. AlphaTauri (que poderia ser chamada de AlphaGasly), com 45, e Aston Martin, com 40, brigam diretamente pela quinta posição. A Alpine aparece um pouco atrás com 29. E deve agradecer a Alonso, que vem fazendo bem seu papel de pontuar quando dá, do jeito que dá. Ocon, seu companheiro, foi mal neste fim de semana.

Outro que deve ser lembrado nessa corrida é Russell. Terminou em 12º, à frente de duas Alfas Romeo, de uma AphaTauri, de uma Alpine e de uma Ferrari. Nada mau para quem guia para a Williams. “Foi minha melhor corrida pela equipe”, falou o inglês.

Russell: na frente de carros mais rápidos, com um ótimo 12º lugar

O que falta para a Mercedes reagir no campeonato? Aparentemente, neste momento, velocidade de reta. O carro é nervoso por causa da traseira indomável, e por isso é preciso carregar asa para não perder muito nas curvas. Mas isso faz com que, nas retas, o arrasto maior irrite seus pilotos. “Só nas retas, eu perdia três décimos por volta para o Max”, contou Hamilton.

A estratégia foi errada, o time deveria chamar Lewis para um segundo pit stop como fez a Red Bull? O inglês minimizou a decisão de manter a tática inicial. “Quando Max parou a segunda vez, ele já estava na minha frente. Não sei se iria adiantar alguma coisa fazer igual.”

Não, não ia. Se fizesse isso, ainda era capaz de perder o segundo lugar para Pérez. A Red Bull ganhou mais por ter um carro melhor em Paul Ricard do que por uma estratégia mirabolante. Fez as contas, arriscou devolver o piloto atrás com a segunda parada, mas sabia que no fim a diferença de performance dos pneus restabeleceria a verdade do fim de semana. Risco muito maior seria manter Max na pista sem que ele pudesse desfrutar da plenitude de rendimento do automóvel com pneus novos. Foi uma vitória clássica.

Agora, duas corridas seguidas na Áustria, nos próximos dois domingos. E saberemos se essa vitória na França foi, mesmo, o começo do fim do domínio da Mercedes na F-1, que já dura sete anos. Tudo vai depender da capacidade de reação do time alemão. Que, é bom que se diga, não está muito acostumado com esse tipo de dificuldade.

Não esqueçam, às 19h tem “Fórmula Gomes” lá no meu canal no YouTube para a gente falar disso tudo!