Blog do Flavio Gomes
F-1

É O BAKU DA COBRA (2)

SÃO PAULO (hoje tem pizza na casa do Facincani) – “Esqueçam a Mercedes”, escrevi ontem. Hamilton larga em segundo amanhã. (A pole em Baku ficou com Leclerc, mas dele falaremos depois.) Hoje de manhã, ainda escuro na cidade, os passarinhos começavam a fazer sua algazarra do amanhecer e eu acompanhava o terceiro treino livre com […]

Leclerc na pole: segunda consecutiva, agora com o carro inteiro

SÃO PAULO (hoje tem pizza na casa do Facincani) – “Esqueçam a Mercedes”, escrevi ontem. Hamilton larga em segundo amanhã.

(A pole em Baku ficou com Leclerc, mas dele falaremos depois.)

Hoje de manhã, ainda escuro na cidade, os passarinhos começavam a fazer sua algazarra do amanhecer e eu acompanhava o terceiro treino livre com a TV baixinha para não acordar a consorte. Vendo o andamento dos trabalhos, pensei: “Esqueçam a Mercedes”. Afinal, Hamilton e Bottas se arrastavam nas últimas posições. Teve uma hora lá, não sei se vi direito, que os dois estavam na frente apenas dos dois carros da Haas.

Aí, no final, Lewis fez o terceiro tempo. Gasly foi o mais rápido e Pérez ficou em segundo. Verstappen tinha batido e por isso seus tempos não contavam muito. Bottas fechou a sessão em 13º.

Bom, terceiro tempo, quase meio segundo atrás do jovem Pierre, Sapattos lá atrás… Ah, esqueçam a Mercedes. E voltei a dormir.

Bottas, P13 de manhã: “Esqueçam a Mercedes”

O fato é que não é muito sensato dizer “esqueçam a Mercedes” em circunstância alguma nesta F-1 híbrida dominada pelo time alemão desde 2014. A equipe tirou a última hora antes da classificação para testar tudo que fosse possível nos carros de Hamilton e Bottas. Vai com três rodas! Deu errado, coloca a quarta. Tira o volante e coloca um guidão! Deu errado, bota o volante de novo. Liga o ar-condicionado e fecha o teto solar! Deu errado, desliga o ar-condicionado e abre o teto. Arranca asa de um e coloca um paredão no outro! Opa. Isso aí funcionou.

Hamilton encontrou uma forma de virar o jogo, que começou de forma cataclísmica para a equipe na sexta-feira. Nem ele esperava uma primeira fila nas ruas da capital azeri. Muito menos largar na frente de Verstappen.

Bem grosseiramente, porque é claro que fizeram mais coisas no carro, a Mercedes optou por uma configuração de baixíssima pressão aerodinâmica no #44 para ganhar alguma coisa em retas — nas curvas, você se vira, rapaz. No #77, segundo Pebolim Wolff, Bottas escolheu andar com mais asa.

Hamilton larga em segundo. Bottas, em décimo.

Tsunoda bate no fim do Q3: pole de Leclerc garantida e Verstappen puto

O sábado da classificação no Azerbaijão foi bem agitado, com quatro bandeiras vermelhas distribuídas entre os três períodos da sessão. No Q1, Stroll, primeiro, e Giovinazzi, depois, bateram na curva 15, tornando desnecessária a histeria de todos os demais para conseguir vácuo saindo num tráfego desgraçado para fazer tempo. Isso porque duas vagas da degola estavam definidas após as batidas, e as outras três ficariam, obviamente, com os dois pilotos da Haas e um da Williams — obviamente Latifi.

Obviamente os dois pilotos da Haas foram eliminados e obviamente Latifi também. Obviamente estou escrevendo muito obviamente porque essas conclusões eram óbvias.

Na verdade, eu nem estava ligando para os eliminados. Minha atenção estava concentrada lá na frente, e acordei de vez no momento em que, do nada, Hamilton fez uma volta em 1min41s545, fechando o Q1 em primeiro.

Como assim, P1? Não era para esquecer a Mercedes?

Pérez, sétimo no grid: deu azar com a batida de Tsunoda

O Q2 foi muito interessante, com a Red Bull voltando a dar as cartas e Verstappen cravando o melhor tempo, 1min41s625. Pérez ficou 0s005 atrás. Hamilton, 0s009. Tsunoda, uma supresa, 0s029. Leclerc, 0s034. Numa pista de mais de 6 km, dá para dizer que isso aí é empate técnico. Faltavam dois minutos para a quadriculada e nada menos do que 14 dos 15 participantes estavam no mesmo segundo. Do primeiro ao oitavo, Gasly, a diferença era de meros 0s307. Do primeiro ao sétimo, Norris, 0s188.

Então veio a terceira panca da classificação, de Ricciardo, encerrando o Q2 e eliminando, pela ordem, Vettel, Ocon, o próprio australiano, mais Raikkonen e Russell. De todos eles, quem mais lamentou foi Tião Esverdeado. Ele vinha numa volta boa que poderia levá-lo ao Q3. Esbravejou pelo rádio, mas não havia muito a fazer. Kimi também praguejou, porque mesmo com pneus usados vinha numa volta boa com previsão de vácuo no fim, o que o jogaria no Q3. Quem se safou foi Alonso, que ficou com a última vaga para disputar a parte final da classificação.

É a realidade atual dos nossos três simpáticos velhinhos.

Leclerc nas estreitas ruas de Baku: muros que não perdoam

Uma das coisas que a Mercedes descobriu no terceiro treino livre é que precisava de pelo menos duas voltas para aquecer pneus e partir para a volta lançada, o que num circuito longo como o bakuniano (nem sei se existe isso) complica a logística no Q3, mais curto que o Q1 e o Q2. É preciso sair logo dos boxes para dar tempo de fazer duas tentativas.

Assim, logo que a luz verde foi acesa foi aquela correria. O ideal, para todo mundo, era sair em duplinha e um dar o vácuo para o outro. Mas nem sempre as coisas sucedem num mundo ideal, e no fim quem aproveitou o vácuo alheio foi Leclerc, que estava atrás de Hamilton. Que, por sua vez, estava atrás de Bottas e também se beneficiou do corredor sem turbulência atrás do carro do companheiro.

Charlinho virou em 1min41s218 na sua primeira volta, ótimo tempo, e Hamilton ficou 0s232 atrás. A volta de Verstappen não foi grande coisa, 0s345 mais lenta. Mas ainda havia o “segundo tempo”, a nova rodada de voltas rápidas. Só que ela não aconteceu.

Vocês viram lá no alto a foto de Tsunoda no muro da curva 3. Ele e Gasly, com poucos pneus macios disponíveis, saíram uma vez apenas, mais para o final da sessão, um puxando o outro. Fizeram bons tempos (o francês larga em quarto e o japonês, em sétimo; ambos conseguiram os melhores grids de suas carreiras), mas quando Yuki bateu um monte de gente vinha atrás parar abrir volta rápida. Um deles, Sainz, para não encher o carro de Tsunoda parado teve de frear forte, jogando sua Ferrari para a área de escape. Bateu também.

A quarta bandeira vermelha da classificação abortou todas as segundas tentativas dos que ainda buscavam melhorar suas posições, e o grid ficou como estava: Leclerc, Hamilton, Verstappen, Gasly, Sainz, Pérez, Tsunoda, Alonso, Norris (foi sexto, mas perdeu três posições por não tirar o pé em bandeira vermelha) e Bottas.

Leclerc, nona pole na carreira: de novo em pista de rua

Charlinho, assim, conseguiu a nona pole de sua carreira e a segunda consecutiva. Novamente em um circuito citadino (adoro citadino), como em Mônaco. Com a essencial diferença de que hoje voltou aos boxes com o carro andando. Em Monte Carlo, vocês se lembram, ele bateu no fim do Q3 e no dia seguinte, levando o carro para o grid, quebrou. Ficou com a pole no currículo, mas dela não pôde desfrutar — aquele picolé que quando você tira a embalagem ele cai no chão e fica derretendo cheio de formiga em volta.

O monegasco falou que sua volta foi “uma merda”, que cometeu dois ou três erros, e que aproveitou o vácuo de Hamilton para fazer a pole. Para a corrida, não tem muitas esperanças. “Mercedes e Red Bull têm algo mais que a gente em ritmo de prova e vai ser muito difícil amanhã.” Mesmo assim, e é claro que vou escrever obviamente de novo, estava feliz. Obviamente. “A gente não esperava ser tão competitivo aqui.”

Max, terceiro no grid: “Classificação estúpida”

Quem ficou putinho dentro do macacão foi Verstappen. Disse que foi uma classificação “estúpida” e chamou a sessão de um “festival de merda”. Tudo porque não conseguiu fazer sua segunda volta rápida depois da batida de Tsunoda. “Mas é circuito de rua, essas coisas acontecem, quem sabe aconteçam de novo amanhã. Temos um bom carro, estamos fortes e vamos tentar a vitória.”

Já Pérez, sétimo (mas larga em sexto pela punição a Norris), apenas lamentou a falta de sorte, ou o excesso de azar que o acompanha. A bandeira vermelha no fim fez com que estacionasse em sétimo no grid, pouco para o que vinha mostrando desde os primeiros treinos. E, conformado, citou Chico Buarque: “Amanhã vai ser outro dia”, falou. Para, em seguida, concluir:

Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão, não
A minha gente hoje anda
Falando de lado
E olhando pro chão, viu?

Você que inventou esse estado
E inventou de inventar
Toda a escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar
O perdão

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Eu pergunto a você
Onde vai se esconder
Da enorme euforia
Como vai proibir
Quando o galo insistir
Em cantar
Água nova brotando
E a gente se amando
Sem parar

Quando chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros, juro
Todo esse amor reprimido
Esse grito contido
Este samba no escuro

Você que inventou a tristeza
Ora, tenha a fineza
De desinventar
Você vai pagar e é dobrado
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
‘Inda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria
Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença
E eu vou morrer de rir
Que esse dia há de vir
Antes do que você pensa

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia
Como vai se explicar
Vendo o céu clarear
De repente, impunemente
Como vai abafar
Nosso coro a cantar
Na sua frente

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai se dar mal
Etc. e tal
Lá lá lá lá laiá

Pérez: desabafo em forma de poesia

Hamilton definiu como “monumental” o segundo lugar no grid e elogiou o esforço da equipe para descobrir soluções que permitissem uma reviravolta num fim de semana que, até agora, vinha sendo “desastroso” segundo ele mesmo.

Não acho que Lewis ganha a corrida amanhã. Acredito que Verstappen, mesmo largando em terceiro, segue sendo o favorito. Mas a equipe alemã está otimista. Pebolim Wolff confirmou as palavras de seu piloto sobre o ritmo de corrida dos carros pretos, “muito melhor do que numa volta lançada”. Se ele falou, tá falado. Quem somos nós para duvidar?

Resumindo, não dá mais para esquecer a Mercedes como dito ontem. A configuração desse grid, numa pista onde dá para ultrapassar e, como disse Alonso, com “gente guiando acima de suas habilidades” — prevendo bobagens a granel e algumas entradas de safety-car –, insinua uma corrida movimentada e, por que não dizer?, de resultado imprevisível.

E sobre isso falaremos mais hoje às 19h na live ao vivo no meu canal no YouTube. Não deixem de ver!

O grid em Baku: corrida pode ter resultado imprevisível