Blog do Flavio Gomes
F-1

É O BAKU DA COBRA (3)

SÃO PAULO (tá bom demais!) – É melhor começar com as explicações, já que até agora ninguém entendeu direito por que Hamilton passou direto na relargada, perdendo um segundo lugar certo que o recolocaria na liderança do Mundial com 15 pontos de vantagem sobre Verstappen. A Mercedes tem no volante — não sei se outras […]

Hamilton passa direto: erro ao acionar o “botão mágico” sem querer

SÃO PAULO (tá bom demais!) – É melhor começar com as explicações, já que até agora ninguém entendeu direito por que Hamilton passou direto na relargada, perdendo um segundo lugar certo que o recolocaria na liderança do Mundial com 15 pontos de vantagem sobre Verstappen.

A Mercedes tem no volante — não sei se outras equipes também — um botão apelidado internamente de “mágico” que aquece os freios (e os pneus, de dentro para fora) antes da largada e quando é necessário andar atrás do safety-car em velocidades baixas. Basicamente, é uma configuração que transfere o calor do sistema de recuperação de energia cinética diretamente para as pinças de freio, aumentando a temperatura do conjunto. E atua principalmente nos freios dianteiros. Ou seja: quando ativado, o “modo mágico” praticamente joga toda a capacidade de frenagem do carro para as rodas dianteiras, deixando a traseira praticamente sem freio.

Assim que estacionou o carro hoje no Parque Fechado de Baku, enquanto Pérez, Vettel e Gasly faziam uma festa inesquecível pelo pódio inesperado, Lewis perguntou ao seu engenheiro Bonno Vox se o botão mágico estava “on”, ligado. Bonno respondeu que sim. “Eu jurava que tinha desligado”, o piloto explicou depois. “Mas esbarrei no botão quando estava do lado do Checo e liguei sem querer.” Reativado, o sistema jogou todo o freio para as rodas dianteiras. Por isso, quando ele pisou no pedal de freio para fazer a curva, elas bloquearam e seu carro foi reto. Hamilton ficou sem freio nas rodas de trás, grosseiramente falando. Não passou direto na curva 1 porque forçou a barra sobre Pérez na largada para as três voltas finais do GP do Azerbaijão. Foi porque esbarrou no botão errado. “Foi um problema de dedo”, descreveu seu chefe Pebolim Wolff. “Lewis não comete erros, isso é que vocês têm de lembrar.”

A explicação convence? Sim, por que não? Exime o piloto do erro? Não, de forma alguma. Erro é erro. Seja ao avaliar mal uma freada, uma ultrapassagem, seja apertando o botão quando não devia, ainda que de forma acidental. Isso faz de Hamilton um piloto pior do que é, lança dúvidas sobre seu enorme talento? De forma alguma. Isso apenas nos mostra como o esporte, mesmo um esporte em que a tecnologia muitas vezes se impõe sobre as habilidades humanas, é rico e emocionante. E depende das ações… humanas, ora bolas!

Pérez vence a segunda, primeira pela Red Bull: GP inesquecível

Santo botão, santos pneus que furaram mudando a história de um GP desenhado para Verstappen, que merecia a vitória e a viu escorrendo pela borracha de seu pneu traseiro esquerdo a cinco voltas do final. Ele abriria uma grande diferença sobre Hamilton na luta pelo título, e de repente se viu atrás de novo, porque um segundo lugar do inglês o colocaria de volta na ponta do campeonato. Mas Hamilton não pontuou, também, e tudo ficou igual: 105 a 101 para o holandês.

No fim das contas, considerando tudo, Max teve motivos até para comemorar um pouquinho ao final da prova. Segue líder e sua equipe acabou vencendo, com uma atuação belíssima de Sergio Pérez. O mexicano, quando chegou à Red Bull para substituir Alex Albon, no começo do ano, pediu cinco corridas para se adaptar ao carro e à equipe. Na sexta, venceu. Que história, tem esse cara… Estava desempregado no final da temporada passada. Começou o ano claudicante, cometendo erros, acumulando azares. Hoje vence seu segundo GP na carreira. E torna-se o primeiro — vejam bem, o primeiro — a ganhar corridas por equipes diferentes desde o início da era híbrida da F-1, em 2014. A vitória no anel externo do Bahrein em 2020 foi pela Racing Point, que o dispensou para colocar Vettel em seu lugar.

Vettel, segundo: 122 pódios dele, primeiro da Aston Martin

Vettel foi outra fábula desde domingo encantador no Azerbaijão. Com 41% dos votos do amigo internauta, ganhou o título de “Piloto do Dia” graças a um segundo lugar que vale tanto quanto qualquer uma das 53 vitórias que conseguiu até hoje na carreira. São 122 pódios desde aquele primeiro em 2008, vitória em Monza pela Toro Rosso. Notem: em todos os anos, desde então, levou um troféu para casa por todos os times que defendeu. Até no ano passado, temporada horrível pela Ferrari, com um terceiro lugar na Turquia.

A F-1 entrevista o “Piloto do Dia” durante a volta de retorno aos boxes para fazer uma graça, e quando a moça entrou no rádio da Aston Martin para falar com Vettel o alemão, com seu humor muito peculiar, respondeu: “Quem foi que te deu meu telefone?”. Sebastian foi abraçado por quase todo o grid enquanto comemorava junto aos mecânicos da equipe verde. É querido por todos. Merecia este pódio, por sua história. Era o 11º no grid. Fez uma boa largada, ganhou algumas posições, adiou sua parada e na volta 14 era líder de um GP pela primeira vez desde o distante GP do Brasil de 2019, pela Ferrari.

Foram quatro voltas em primeiro até parar para trocar os pneus e voltar em sétimo, numa prova que tinha um pódio praticamente definido, pelo andamento da corrida, com Verstappen, Pérez e Hamilton. Até ali, o que tinha acontecido? Leclerc, o pole, manteve a liderança na largada, Pérez subiu de sexto para quarto, Hamilton assumiu a ponta na volta 3, Max passou o monegasco na volta 7 — Charlinho não tinha como se defender dos carros mais rápidos da Mercedes e da Red Bull — e na janela de paradas Lewis perdeu a liderança. Seu pit stop na volta 12 foi lento (4s6). Verstappen trocou seus pneus na volta seguinte em 1s9 e voltou na frente. Pérez, que vinha atrás do inglês, também ganhou a posição do piloto da Mercedes ao sair dos boxes na 14ª. A Red Bull dava um show de estratégia e confirmava seu favoritismo numa pista em que o time alemão, definitivamente, procurava apenas minimizar o prejuízo. E um pódio para Hamilton estaria ótimo. Basta olhar o que fazia Bottas até ali: nada. Largou em décimo e lá permanecia firme e forte mesmo depois das paradas. Uma lástima.

Verstappen fura o pneu e bate: vitória escorreu pela borracha

E tudo parecia caminhar para um final razoavelmente previsível, até, quando o pneu traseiro esquerdo de Verstappen estourou no final da volta 46. Um pouco antes, na 31ª, algo semelhante acontecera com Lance Stroll, que fazia uma ótima prova e estava em quarto, depois de largar na última fila. Ainda não tinha parado porque largou com pneus duros e decidiu adiar o pit stop até onde desse. O mesmo traseiro esquerdo furou e ele bateu forte, no meio da reta, causando a entrada do safety-car pela primeira vez.

Hamilton, àquela altura, lutava muito para se aproximar de Pérez, sem conseguir. Seu carro era rápido nas retas, mas manco nas curvas, onde Checo conseguia abrir um pouco. Ninguém sabia, mas Pérez, já havia algum tempo, brigava com um problema de pressão hidráulica em seu carro que, segundo a Red Bull, poderia levá-lo a um abandono a qualquer momento. Como não quebrava, ele seguia em frente. Acho que todos perceberam que logo depois de receber a quadriculada a equipe mandou ele desligar tudo e parar onde estava.

A relargada aconteceu na volta 36 e aí Vettel começou a fazer aquilo que se espera de um grande campeão que, mesmo com um carro não muito competitivo, sabe dar espetáculo. Em sexto, partiu para cima de Leclerc, passou o ex-parceiro de Ferrari, avançou sobre Gasly, driblou o menino da AlphaTauri e subiu para a quarta colocação em duas voltas mágicas.

Ultrapassagens na relargada sobre Leclerc e Gasly: duas voltas mágicas de Vettel

Verstappen, com tudo sob controle, abriu mais de 3s sobre Pérez e deixou para o mexicano a incumbência de segurar Hamilton, se fosse preciso. Defendendo-se com categoria, Checo não permitiu ao britânico nenhum ataque real.

O abandono de Max foi trágico, pode-se dizer. A corrida estava ganha. Ele não se conformou com o pneu furado. Até chutou o pobre coitado. Não se machucou na batida, mas foi levado ao Centro Médico para averiguações. Era, como já dito, a volta 46 da corrida, que terminaria na 51ª. E a direção de prova resolveu parar tudo na 48 para limpar a pista. Poderia ter encerrado o GP ali mesmo, com medo de novos pneus estourando? Sim. Poderia ter concluído o percurso original atrás do safety-car? Sim. Mas a F-1 mudou desde que a norte-americana Liberty comprou a categoria. Em nome da emoção — nunca vão admitir isso, mas é claro que foi essa a razão –, o diretor Michael Masi mandou acionar a bandeira vermelha.

Todos foram para os boxes, e sob bandeira vermelha pode-se mexer no carro — inclusive trocar os pneus. Pérez, Hamilton, Vettel, Gasly, Leclerc (quer perdera a posição para o francesinho nos pit stops), Tsunoda, Norris, Sainz (que tinha rodado no começo, prejudicando muito sua corrida), Ricciardo e Alonso eram os dez primeiros naquele momento.

Max volta a pé: frustração pelo abandono, alívio com Hamilton depois

Quase todo mundo saiu do carro, foi tomar uma água, ver as mensagens no celular. Menos Vettel. O alemão ficou no cockpit da Aston Martin e avisou que dali só sairia para buscar um troféu. Verstappen, enquanto isso, era examinado pelos médicos, rotina em todo acidente. Quase meia hora depois todos alinhavam para uma nova largada, “uma corrida de duas voltas”, como disse Alonso, o décimo colocado no novo grid.

Max contou que tirava a pressão com um enfermeiro quando seu celular vibrou. “Eu conseguia escutar os carros largando, mas não sabia o que estava acontecendo”, contou. Assim que o exame terminou, puxou o smartphone do bolso e recebeu a informação de que Hamilton tinha passado direto na curva 1 depois da nova largada.

Lewis dá adeus ao pódio e aos pontos: Max soube pelo telefone

A corrida foi reiniciada na volta 49, e as duas finais foram alucinantes, com todo mundo tentando alguma coisa. Quem conseguiu brilhar, nessa hora, foram outros dois veteranos, Alonso e Raikkonen. Sobretudo o espanhol da Alpine, que ganhou nada menos do que quatro posições e recebeu a bandeirada em sexto — como Vettel, Fernandinho lembrou aquele craque do passado ainda capaz de dar um chapéu, um drible desconcertante, fazer um lançamento brilhante, um gol de placa. Foi, realmente, lindo de ver. Já Kimi conseguiu arrancar um décimo lugar a fórceps para marcar seu primeiro ponto no ano.

Gasly e Leclerc acabaram protagonizando o duelo mais acirrado da “corrida de duas voltas”, uma briga que valia pódio. Pierre, que tem pilotado de forma exuberante, chegou a perder a posição para o ferrarista, mas soube armar o bote para recuperá-la num ritmo vertiginoso. “Eu freava tão dentro que nem sabia se o carro ia parar, mas tinha de lutar pelo pódio”, explicou. A recompensa veio em forma de troféu, o terceiro dele na F-1.

Vettel, Pérez e Gasly: pódio feliz

E que pódio bacana… Que festa dos três primeiros, graças a um resultado absolutamente imprevisível em uma corrida que será lembrada por muito tempo.

Pérez, Vettel e Gasly receberam suas taças com sorrisos escancarados no rosto, seguidos por Leclerc, Norris, Alonso, Tsunoda, Sainz, Ricciardo e Raikkonen fechando os dez primeiros. Bottas foi o 12º. Hamilton, o 15º. Lewis pediu desculpas à equipe pelo rádio. Mas, pelo jeito, não abaixou a cabeça. Assumiu o erro e ponto final. Sabe que agora terá pela frente circuitos mais amigáveis. “Em pistas normais, eles vão voltar a andar forte”, prevê Verstappen. “Por isso era importante sair destas duas corridas com uma vantagem boa.” Ok, poderia ser maior se ele vencesse. Mas poderia, também, ter deixado o Azerbaijão atrás, se Hamilton terminasse a corrida em segundo. No balanço das horas, seu sentimento era de alívio. Talvez mais até do que de frustração pelo abandono.

Pérez disse que lamentou muito por Verstappen, mas é claro que não conseguia esconder a alegria. Depois da infelicidade ontem na classificação, amanhã vai ser outro dia, não é mesmo? Seu chefe Christian Buziner, num primeiro momento, quis enfiar a cabeça num buraco pelo abandono de seu primeiro piloto, mas depois entrou na festa. Sobre o pneu furado de Max, nenhuma explicação por enquanto. “Não deu nenhum sinal, estava tudo sob controle, talvez algum detrito”, especulou. Depois, dedicou a vitória a Mansour Ojjeh, que morreu hoje em Genebra aos 68 anos deixando todos no paddock consternados. Em 2013, ele tinha feito um transplante de pulmão.

Ojjeh, empresário franco-árabe, era acionista da McLaren desde 1984 e foi o homem forte da equipe — ele que tinha a chave do cofre — nos seus melhores anos, no final da década de 80. O Grande Prêmio preparou um perfil completo dele, que está aqui. Antes da largada, um minuto de silêncio foi respeitado em sua memória, assim como em homenagem a Max Mosley, ex-presidente da FIA, que morreu no dia 23 de maio.

Ojjeh (esq.) com Zak Brown, da McLaren: figura histórica da F-1 moderna

Foi uma corrida “insana”, nas palavras de Gasly. “É como se estivesse andando na lua!”, emendou Vettel. “Estou muito feliz”, resumiu Pérez.

Talvez os três tenham definido bem, em poucas palavras, o que foi o GP do Azerbaijão. Daquelas corridas que lavam a alma, com um roteiro dramático de desfecho inesperado. Não são todas, a gente sabe. Mas quando elas acontecem é muito bom. Guardemos essa telinha aí embaixo no coração. Para a gente se lembrar sempre por que gosta tanto desse negócio de corrida de automóvel.

Resultado final em Baku: para guardar na memória e no coração