Blog do Flavio Gomes
F-1

SOBRE ONTEM DE MANHÃ

ITACARÉ (calma, jovens) – Ontem no Twitter, quando surgiu a informação de que poderiam dar duas voltas atrás do safety-car para atribuir metade dos pontos aos dez primeiros e considerar o GP realizado, chamei a possibilidade de “ridícula”. Sigo achando. Mas o que eu — e quase todo mundo — acho não se sobrepõe ao […]

Chuva o dia todo, por todo lado: não dava

ITACARÉ (calma, jovens) – Ontem no Twitter, quando surgiu a informação de que poderiam dar duas voltas atrás do safety-car para atribuir metade dos pontos aos dez primeiros e considerar o GP realizado, chamei a possibilidade de “ridícula”. Sigo achando. Mas o que eu — e quase todo mundo — acho não se sobrepõe ao regulamento da categoria, aprovado por todos e assinado com firma reconhecida em cartório.

O que defendi ontem, e continuarei defendendo, é que a decisão de não correr, drástica, inédita, é muito mais relevante do que o detalhe do regulamento que, agora se percebe, prevê uma solução esdrúxula e genérica para uma situação específica não contemplada no compêndio que rege a F-1 do ponto de vista esportivo. Por isso, não considero o que aconteceu ontem uma “palhaçada”, um “desrespeito”, uma “sacanagem”, uma “vergonha”. Isso tudo pode ser aplicado ao regulamento, OK. Todo mundo tem o direito de achar as regras ridículas. Mas não se pode achar ridículo aplicá-las. Eu acho que elas são meio idiotas, para um caso extremo como esse. Mas se existem, que sejam respeitadas. Ainda que produzam situações ridículas.

No mais, apesar de possibilitar uma situação idiota como formalizar uma corrida que não aconteceu, me parece claro que o espírito do regulamento, no caso em questão, nunca foi o de tratar o público, o torcedor, os pilotos e as equipes como palhaços ou otários. As regras na F-1 — quem já leu o calhamaço inteiro sabe — tentam antecipar quase tudo que pode acontecer numa corrida. Não incluem, porém, o cancelamento de um GP. É um erro, claro, e isso ficou evidente agora. Mas a história de considerar uma corrida realizada “com o mínimo de duas voltas ou menos que 75% da distância original” faz sentido para casos igualmente extremos como um acidente grave logo no início, ou uma tempestade repentina que impeça uma prova de ter prosseguimento, sei lá, assim que for dada a largada.

Primeira tentativa de começar a corrida: duas voltas sem visibilidade

O que aconteceu ontem escancarou um buraco nas regras que, como disse o diretor de provas Michael Masi, deve entrar em pauta na próxima vez em que equipes, FIA e Liberty se reunirem para falar sobre elas. Nunca tinha acontecido, aconteceu, o que faremos da próxima vez? Mas enquanto as regras não mudam, elas devem ser acatadas. Foi o que Masi fez ontem. E ainda tem a desculpa eterna de que na hora em que mandou todo mundo para a pista no fim da tarde belga, a chuva poderia ter diminuído de repente, ou a água ser drenada rapidamente pelos carros passando pela pista. Uma aposta com chance quase zero de se concretizar, mas ainda assim uma aposta. Um gesto de desespero, quase.

Por isso, mesmo correndo o risco de parecer um legalista bobão que bate palmas para dirigentes, reafirmo minha posição defendida ontem: não havia muito mais o que fazer além de esperar e tentar; e, depois da espera e da tentativa, aplicar as regras, por mais bestas que elas possam parecer. O mais importante, repito, era manter todo mundo vivo, ainda que sob uma chuva de impropérios da imprensa e dos fãs via redes sociais — que têm peso, por mais que na maioria das vezes elas sejam odiosas. Aliás, se houve uma unanimidade ontem no paddock foi essa: não dava para correr, era perigoso demais. A maneira meio confusa como as coisas aconteceram é que desagradou quase todo mundo. Mas o que determinou a maneira meio confusa como as coisas aconteceram foi o regulamento. Que é confuso, falho, omisso, mas ainda assim um regulamento, que deve ser aplicado, na falta de coisa melhor.

Assim, continuo achando que houve exagero nas críticas, na revolta, nos chiliques e na histeria de muita gente que, sei lá, pareceu ofendida e agredida pessoalmente por não ter recebido sua cota de corrida de F-1 da semana. Como se os atores de seu circo particular fossem obrigados a oferecer um espetáculo mesmo que isso colocasse suas vidas em risco. E se não ofereceram, vamos achar um culpado. Precisamos xingar alguém!

Michael Masi: por que ele seria tão diabólico?

Uma coisa é ficar frustrado, chateado e entristecido com o que aconteceu. Afinal, todos gostamos de corridas, queríamos assistir a mais uma, torcer por nossos ídolos, vibrar com a velocidade, as disputas, a competição, a beleza de Spa. Outra é transformar frustração, chateação e tristeza em ódio, rancor, xingamentos, agressões. Como se a decisão tomada por um diretor de prova numa situação crítica fosse uma ofensa pessoal aos seus anseios e desejos. Alguém realmente acha que, ontem, o diabólico Masi passou a tarde esfregando as mãos, com sangue escorrendo pelos cantos de sua boca com dentes de vampiro, a conspirar com os colegas? “Oba, vamos desrespeitar o público hoje, que delícia, vamos enganar todo mundo e fazer esse povo ficar na chuva e no frio só para acabar com o domingo deles, e no fim do dia a gente cancela tudo, hahahaha [risada maligna]! E os pilotos e equipes também, vamos fazê-los sofrer bastante fingindo que vai ter corrida, acabar com os nervos deles, porque a gente aqui dentro sabe que não vai ter corrida nenhuma, a gente só quer é foder todo mundo! E as pessoas ao redor do planeta diante da TV também, eles que percam o dia esperando, hahahaha [risada maligna de novo]!”

As pessoas precisam ser mais compreensivas. Estão tomadas por ódio. Um horror.

Isso dito, é até saudável, ao menos entre as pessoas que fazem parte da F-1, que se abra uma discussão sobre uma mudança de regras que passe a considerar a possibilidade de cancelar um GP. O ponto central desse debate é a atribuição de tantos pontos aos dez primeiros numa corrida que não existiu. Muita gente discordou. Outros foram indiferentes — não afetou suas posições e/ou ambições no campeonato. Alguns, certamente, adoraram — Russell e a Williams, Verstappen e a Red Bull. Deve-se debater, inclusive, o conceito de “corrida”. OK, ela não foi realizada. Mas o GP, o evento, teve, sim, dois de seus três dias cumpridos integralmente. Quando o calendário é divulgado, cada GP aparece na lista com três dias: “GP da Bélgica, de 27 a 29 de agosto”. Sendo assim, seria justo não dar ponto nenhum a ninguém e simplesmente ignorar o que foi feito na sexta e no sábado?

É um bom debate. Chegou a hora de colocá-lo na mesa.

O NÚMERO DA BÉLGICA

222,2

…km/h no ponto de aferição da intermediária 1 foi a maior velocidade do dia na única volta que conferiu o resultado final à corrida, de Leclerc. Naquela chuva, sem ver nada na frente. A menor, 95,5 km/h, foi de Vettel na intermediária 2.

Não há muito mais a dizer, afinal corrida não teve, mas mesmo assim, ao final, todo mundo saiu falando alguma coisa, como Lewis Hamilton. Ele chamou tudo de “farsa” e defendeu que o dinheiro dos ingressos seja devolvido àqueles que foram a Spa. OK, é uma posição. No caso da “farsa”, se ele realmente achou que era, não precisava ter participado dela. Tem voz, é importante, um líder, e poderia ter defendido essa posição com mais veemência ali mesmo, no autódromo. Quem sabe se, recusando-se a entrar no carro, pudesse mudar o rumo das coisas? Nunca saberemos. Quanto aos ingressos, entendo a frustação de todos que estavam no autódromo. Mas não vão devolver dinheiro nenhum. Stefano Domenicali lamentou a situação, mas foi enfático: “Os custos da corrida estavam lá, ela sendo disputada ou não”.

Resumindo: engulam o choro. É uma chateação, mas acontece. Muito raramente, mas acontece. Alguém se lembra de outro caso assim? Indianápolis/2005, com seis carros na pista, é o que mais se aproxima. Resultou num prejuízo danado para a imagem da F-1, especialmente nos EUA. E quem teve de engolir o choro foi a F-1, que demorou bastante para voltar ao país.

A FRASE DE SPA

Um pódio é um pódio!

George Russell, da Williams
Williams comemora: volta ao pódio depois de quatro anos

Se tem algo que ninguém discute, também, é o mérito de Russell pela segunda colocação, ainda que por linhas tortas. Ele era o único, no pódio, com um sorriso escancarado. Nunca um desempenho em classificação foi tão recompensado quanto esse. Fico imaginando, inclusive, se algo parecido tivesse acontecido em 1994, quando Barrichello fez a pole de Jordan em Spa. No dia seguinte cai um dilúvio, a corrida é suspensa e o brasileiro é declarado vencedor. Será que aqui a gritaria seria igual?

O resultado levou a Williams a 20 pontos no campeonato, já que Latifi também marcou um, com a nona colocação. A Mercedes perdeu algum terreno e está apenas sete à frente da Red Bull: 310,5 x 303,5. McLaren e Ferrari, que chegaram a Spa empatadas, agora estão separadas por 3,5 pontos: 169 x 165,5 para os laranjas.

BÉLGICA BY MASILI

Assim nosso cartunista oficial Marcelo Masili “desenhou” o GP da Bélgica. Alguns diriam que foi “crise criativa”. Eu afirmo que foi genial, como sempre.

GOSTAMOS & NÃO GOSTAMOS

GOSTAMOS da atuação segura de Bernd Mayländer, piloto do safety-car, que com aquela chuvarada toda não rodou nenhuma vez, nem atolou na brita. Foi o maior líder da corrida, o que deveria lhe valer, sim, o título de “Piloto do Dia” pelo amigo internauta.

Maylander: o cara do domingo

NÃO GOSTAMOS de ficar sem nosso GP da Bélgica, que tanto amamos. Por isso, hoje, nota zero para a chuva, que também amamos. Só que, desta vez, ela exagerou.

Tempestade em Spa: não precisava tanto