Blog do Flavio Gomes
F-1

LARANJADAS (3)

SÃO PAULO (aplausos a todos) – Pensem num domingo perfeito. Pois Max Verstappen e a Holanda tiveram. 72,5% dos aparelhos de TV ligados nos Países Baixos hoje estavam sintonizados na corrida que, pela primeira vez na história, foi vencida por um holandês. O pico de audiência bateu em 85%. Foi a maior festa que uma […]

Verstappen faz a festa em casa: vitória previsível com atuação perfeita

SÃO PAULO (aplausos a todos) – Pensem num domingo perfeito. Pois Max Verstappen e a Holanda tiveram. 72,5% dos aparelhos de TV ligados nos Países Baixos hoje estavam sintonizados na corrida que, pela primeira vez na história, foi vencida por um holandês. O pico de audiência bateu em 85%. Foi a maior festa que uma torcida fez para um piloto na história. Alguém há de lembrar das vitórias de Senna em Interlagos, ou mesmo da comoção que perpassa o Parco di Monza quando a Ferrari vence na Itália. Mas nada se compara ao que vimos hoje em Zandvoort: um mar cor de laranja cantando, dançando e vibrando com um garoto de 23 anos que é, sem dúvida, um dos maiores fenômenos de todos os tempos nas pistas.

Max venceu o GP da Holanda com autoridade e segurança. Voltou à liderança do Mundial, agora com 224,5 pontos contra 221,5 de Lewis Hamilton, o segundo colocado. Que resumiu, numa frase, o que foi a prova: “Eles simplesmente estavam muito rápidos pra gente”.

Ainda que Verstappen, claro, tenha sido a estrela do fim de semana, é preciso falar um pouco mais dos holandeses num dia como este. A vibração nas arquibancadas desde sexta-feira, com TODO MUNDO vestido de laranja, criou uma sintonia entre o público e seu ídolo raras vezes vista. Com alegria, música, e empolgação. Um país diferente, que 36 anos depois de seu último GP resolveu fazer um GP… diferente.

Nos detalhes. Como, por exemplo, na hora do hino para o vencedor. Ninguém precisou colocar a fita no gravador para tocar (tenho 57 anos, pendrive é o cacete!). A cantora Davina Michelle, 25 anos, nascida em Rotterdam, pegou o microfone e cantou. Lá em cima, no pódio ecológico feito de madeira, os três primeiros colocados erguiam troféus fabricados a partir de material plástico reciclável. A Holanda é o país com maior número de bicicletas per capita do mundo. Em 1976, instituiu uma política de legalização de drogas leves, como maconha, compreendendo que criminalizar seu consumo resultaria em mais crimes e violência. Tem um rei que hoje estava ao rés-do-chão sem cetro, manto ou coroa, ao lado da rainha e suas filhas no meio dos mecânicos e integrantes das equipes aplaudindo os astros do dia. Nenhum membro da família real defende golpe de Estado ou fechamento de tribunais. E todos usam máscaras.

É um lugar perfeito para viver? Não, claro. Todo mundo tem suas mazelas. Mas que dá uma inveja danada ver um povo sorrindo para quem, como nós, vive nas trevas há cinco anos, ah, isso dá… Aqui temos um maluco que se diz príncipe, quer a volta da monarquia e vive de um imposto imoral pago pelo povo de Petrópolis até hoje (se tiverem preguiça de pesquisar sobre o laudêmio, leiam aqui). E nesta semana ainda teremos de aguentar um monte de velho broxa e suas peruas pelancudas de cabelos desbotados relinchando na avenida Paulista. Pedindo o quê, não se sabe. Dizem até que o corn… digo, o seboso vai aparecer, com seu bafo de enxofre, peidando e arrotando. Assim como fazem seus bizarros seguidores, com muito orgulho e com muito amor. O Brasil virou um país deprimente.

A família real nos boxes da Red Bull: todos de máscaras

Falemos da corrida, agora.

Foi fácil. A Mercedes tentou de tudo em termos de estratégia para bater Verstappen mas, como disse Hamilton, hoje eles estavam rápidos demais. Max largou feito um foguete e já passou na primeira volta 1s8 à frente de Lewis, que simplesmente não conseguia acompanhar seu ritmo. A largada foi incrivelmente tranquila, assim como a prova inteira — ao contrário das previsões para uma pista estreita e com áreas de escape de brita, o safety-car não precisou nem ligar o motor.

Nas primeiras posições, quase nada mudou no início em relação ao grid. Fernando Alonso ganhou duas posições — como prometera à repórter da F-1 durante o desfile dos pilotos de caminhão antes da largada — e Tonico Giovinazzi perdeu três, desaparecendo da corrida. Na oitava volta, com exceção de uma disputa entre o espanhol e seu companheiro de Alpine, Esteban Ocon, a turma já estava espalhada pelos 4.259 m de asfalto de Zandvoort. O único piloto que tinha mais trabalho era Sergio Pérez. Largando dos boxes, precisou se virar nos 30 para ganhar posições até terminar em oitavo, ganhando o título de “Piloto do Dia” do amigo internauta, com 27% dos votos.

Pérez: de último a oitavo, boa recuperação

A Mercedes estabeleceu estratégias diferentes para Hamilton, duas paradas, e Valtteri Bottas, uma, para tentar alguma coisa contra Max. A ideia era, em algum momento, ter o finlandês na frente de Verstappen para, quem sabe, buscar o chamado “undercut” com Lewis — pará-lo antes nos boxes e ganhar a posição quando o holandês fosse para a troca.

Mas deu tudo errado. Hamilton fez seu primeiro pit stop na volta 21 e colocou pneus médios. Verstappen veio na seguinte e fez o mesmo. Bottas assumiu a ponta com 8s de vantagem sobre o piloto da Red Bull, mas a diferença caiu rapidamente por contra da borracha desgastada do #77. Na volta 29, Max já estava menos de um segundo atrás. Hamilton vinha na cola, uma diferença de 2s.

Se alguém achava que Valtteri iria abrir os braços em cruz para segurar o rival, caiu do cavalo. Não deu nem tempo de insinuar uma defesa que atrasasse Verstappen. Na volta 31, ele passou e retomou a ponta. Lewis veio na balada. Na passagem seguinte, Bottas parou e colocou pneus novos. Estava fora do jogo. A disputa seria mano a mano entre Verstappen e Hamilton.

Hamilton e Bottas: tática da Mercedes não deu resultado

Bottas ainda levaria um susto danado na volta 37, quando Vettel rodou na sua frente já na condição de retardatário. Foi na curva 3, a primeira inclinada do circuito. Ele conseguiu desviar e foi em frente. Na volta 40, a Mercedes chamou Hamilton para uma nova troca. Colocou médios de novo. Imediatamente a Red Bull respondeu, trouxe Max para os boxes e espetou em seu carro os pneus mais duros do lote destinado ao GP da Holanda. Pelo rádio, Hamilton reclamou: “Por que me chamaram agora? Acho que blefamos cedo demais”. A resposta foi um cri-cri-cri.

Feitas as segundas paradas, Verstappen seguia com uma vantagem segura sobre Hamilton que oscilava entre 2s e 3s. Nem o tráfego, que costuma ser problemático em traçados curtos e estreitos como o holandês, atrapalhou. Na volta 47, para se ter uma ideia, só os seis primeiros estavam na mesma volta. Eram bandeiras azuis para todos os lados. “Mas Max parecia abrir o mar como Moisés”, contou Lewis, usando uma imagem bíblica. “Todo mundo saía da frente dele e eu ia junto.”

Hamilton passou o último terço da corrida reclamando dos pneus pelo rádio, até que na volta 51 se rendeu à realidade: “Eles estão muito rápidos, bicho…”, choramingou. (No original, para vocês compreenderem como minha tradução livre ficou boa: “They are so fast, man…”. “Man”, no caso, era Peter Bonnington, alcunha “Bono”, o engenheiro do inglês na Mercedes.)

Verstappen: sétima vitória no ano, 17ª na carreira

Foi só na volta 54 que Lewis conseguiu se aproximar um pouco mais e a diferença chegou a 1s1. Mas nada que preocupasse Max — ele apenas perdeu tempo com alguns retardatários, recuperando o ritmo a seguir. Na 62ª, a diferença subiu para 4s4. E a corrida acabou.

A Mercedes ainda chamou Bottas para um segundo pit stop na volta 68, colocou pneus macios em seu carro e pediu para que ele não acelerasse muito, deixando o ponto extra para Hamilton — que naquela altura detinha a melhor volta da prova. Valtteri, que já está de malas prontas para sair da equipe, nem quis saber e fez a volta mais rápida em 1min12s549. O time, então, na penúltima passagem, parou Hamilton pela terceira vez na corrida, também recorreu aos pneus macios e o britânico cravou 1min11s097, recuperando o ponto extra. Bottas minimizou o assunto depois da corrida e disse que estava “brincando”, e que sabia que Hamilton faria o mesmo para ficar com o pontinho. Sei.

Alonso: mais uma bela atuação, sexto lugar

Seria injusto dizer que nada aconteceu fora do âmbito da disputa pelo título, e é lícito destacar aqui a bela corrida de Alonso, que na última volta passou a Ferrari de Carlos Sainz e beliscou o sexto lugar. Pérez, pela recuperação, também merece elogios, ainda que seu desempenho em classificações seja um desastre — o que faz com que não possa ajudar Verstappen em nada lá na frente.

Max, Hamilton e Bottas, os três primeiros, foram os únicos a completar as 72 voltas do GP holandês. Lewis chegou 20s923 atrás de Verstappen e Valtteri recebeu a quadriculada, agitada pelo DJ local Tïesto, 56s460 depois do holandês. Fecharam a zona de pontos Pierre Gasly, consistente e seguro com a AlphaTauri, Charles Leclerc, Alonso, Sainz, Pérez, Ocon e Lando Norris.

Classificação final: só os três primeiros na mesma volta

Hamilton, apesar da derrota, saiu de Zandvoort com a consciência do dever cumprido e feliz com o que viu nas arquibancadas. Foi aplaudido, ninguém o hostilizou, e retribuiu com sorrisos e carinho pelo público. “Que corrida, que torcida, que fim de semana maravilhoso!”, exultou. “Max fez um trabalho maravilhoso, também, e só tenho a agradecer a todo mundo pelo ambiente que vivemos aqui.”

Verstappen, que não é dado a grandes arroubos emocionais, mesmo ganhando em casa, demonstrava certo alívio com o resultado “porque quando as expectativas são altas demais, as coisas não são fáceis”. Enrolou-se numa bandeira da Holanda e foi receber sua taça. Christian Horner, seu chefe na Red Bull, definiu a vitória como “épica”. Toto Wolff, patrão dos adversários, admitiu que a estratégia da Mercedes “não deu certo”. O time alemão, de qualquer forma, segue na frente no Mundial de Construtores com 12 pontos de vantagem. “Em Monza e Sochi eles devem andar melhor”, seguiu Horner. “Vai ser assim até o fim.”

Hamilton agradece o público: sem vaias ou hostilidade

A F-1 volta à pista domingo que vem para a terceira prova seguida em três finais de semana, agora na Itália. Antes da corrida e a qualquer momento entre amanhã e quinta-feira, a Mercedes deve soltar um comunicado oficial sobre sua dupla de pilotos para 2022. Não se espera nenhuma surpresa: George Russell será confirmado como titular ao lado de Hamilton e Bottas será anunciado pela Alfa Romeo minutos depois — essas coisas são combinadas entre as equipes, os pilotos e seus empresários; tudo é feito em perfeita sincronia.

O que não se sabe ainda é o que vai acontecer com a segunda vaga da Alfa e com o lugar que se abre com a promoção de Russell. As apostas mais seguras hoje são Nyck de Vries como parceiro de Bottas — Giovinazzi roda, coitado — e Alexander Albon na Williams.

Como já é tradição neste ano, às 19h estaremos no ar com o “Fórmula Gomes” no YouTube para falar do GP da Holanda e sobre o futuro da nação. Até lá!