Blog do Flavio Gomes
F-1

TÁ RUSSO (2)

SÃO PAULO (demais!) – McLaren na pole, Ferrari em segundo, Williams em terceiro. Em que ano estamos? Juro que tentei encontrar a última vez em que essas três equipes, nessa ordem, ocuparam as três primeiras posições no grid. Pesquisa demorada*. Depois vou atrás, até porque é apenas uma curiosidade. Genericamente, podemos nos transportar para o […]

Lando Norris na pole: ousadia & alegria

SÃO PAULO (demais!) – McLaren na pole, Ferrari em segundo, Williams em terceiro. Em que ano estamos?

Juro que tentei encontrar a última vez em que essas três equipes, nessa ordem, ocuparam as três primeiras posições no grid. Pesquisa demorada*. Depois vou atrás, até porque é apenas uma curiosidade. Genericamente, podemos nos transportar para o final dos anos 80, depois pular para a década seguinte, avançar um pouquinho pelos primeiros anos do século 21 para lembrar de bons embates dessas três gigantes, que povoam nossas memórias. Senna x Berger x Mansell, talvez. Ou Hakkinen x Schumacher x Villeneuve. Ou ainda Barrichello x Coulthard x Montoya. Deixemos as lembranças voarem… Hoje foi dia de matar as saudades.

* Os blogueiros já pesquisaram, e aproveito para atualizar o texto. Foi no GP da Europa de 2003 em Nürburgring, com Raikkonen (McLaren), Schumacher (Ferrari) e Ralf (Williams) ocupando as três primeiras colocações do grid.

A McLaren não fazia uma pole havia quase nove anos, desde o GP do Brasil de 2012, com Lewis Hamilton. Por aí se tem uma noção de como a sessão de classificação para o GP da Rússia foi… exótica, para dizer o mínimo.

E graças à chuva, sempre ela. É como sempre digo (nunca disse, mas tudo bem): deem-me uma chuvinha, e lhes darei uma corrida quando dela nada se espera.

Lando Norris foi o cara deste sábado em Sóchi. “Sou um garoto feliz”, foi o que ele disse, feliz mesmo, na primeira entrevista depois de conseguir a primeira pole de sua carreira. Isso alguns dias depois de a McLaren voltar a vencer uma corrida, em Monza, com Daniel Ricciardo. Dobradinha, aliás, com Lando em segundo.

A McLaren está de volta, e isso é muito bom.

Eis o resultado da classificação, para a gente começar a contar a história deste sábado logo abaixo:

O grid na Rússia: muito doido

Sóchi é uma merda de pista e com isso todos — depois de hoje, talvez até Bottas — concordamos. Vocês se lembram. Ontem falamos sobre a possibilidade de nem ser realizada a classificação, tão sombrias eram as previsões meteorológicas para o sábado, com dilúvios no horizonte. E elas se confirmaram, em parte. O terceiro treino livre para o GP da Rússia foi cancelado enquanto raios e trovões atingiam a região no sul do país, à beira do mar Negro. Atividades de outras categorias também foram suspensas. O temporal respeitável que desabou pela manhã levava a crer que, de fato, seria preciso deixar tudo para o domingo.

Mas de repente a chuva parou, o galou cantou, o sol saiu e o treino começou.

(Sei que não é “treino”, é classificação. Estou tentando me disciplinar no uso da terminologia correta depois de séculos chamando classificação de treino, mas no caso aqui precisei encontrar uma palavra dissilábica para dar certo a métrica do quase-poema, então vocês entenderam.)

Com bastante água, é bom que se diga, aquele spray razoável levantado pelos pneus intermediários (só Alonso saiu com pneu para chuva forte, mas deu uma volta e trocou) e a perspectiva sempre presente de uma rodada aqui, uma escorregada ali. Mas no Q1, só Giovinazzi rodou e não aconteceu nada sério.

Gasly na água: primeira volta cronometrada

Coube a Pierre Gasly fechar a primeira volta cronometrada no Q1, 1min51s519, mas na segunda tentativa ele já baixou para 1min49s218. Havia uma tendência clara de melhora de condições do asfalto, mas nada que permitisse pensar, ainda, em usar pneus slicks.

Verstappen, previamente punido pela troca de motor de ontem, foi para a pista, deu uma voltinha, não fechou tempo e recolheu para os boxes porque teria de largar em último, de qualquer maneira. Preferiu nem molhar o macacão para não se resfriar no frio de 14°C do início da tarde. Andou só para checar se colocaram o motor certo, se nada estava falhando, se não tinha saído do ponto, se os cabos de vela não estavam interferindo no rádio AM.

Verstappen no box: nem molhou o macacão

Hamilton fez sua primeira volta em 1min46s937 e os tempos começaram a baixar rapidamente. Charles Leclerc, também punido pela troca de motor, optou por completar a primeira parte da sessão, que acabou degolando, pela ordem, Raikkonen, Schumacher, Giovinazzi, Mazepin e o já supracitado Verstappen.

Nesgas de sol se infiltravam entre as nuvens e o Q2 começou mais ou menos na mesma condição, com dois pilotos optando por nem fechar voltas cronometradas. Leclerc se deu por satisfeito com as dez voltas do Q1 e Nicholas Latifi, da Williams, também não se esforçou muito porque, da mesma forma, teve seu motor trocado e teria de partir do fundão do grid. Assim, dos que estavam na pista, três seriam cortados do Q3. E eles foram Vettel, Gasly e Tsunoda.

Os três decepcionaram. Sebastian não acreditou que perdeu a vaga por 0s05 e emitiu um longo “ooooohhhhh!!!” de lamento pelo rádio. Pierre socou o Halo de raiva por não ter conseguido passar de fase, sem entender por que a equipe não colocou um novo jogo de intermediários em seu carro. Já Yuki soltou um palavrão — seu vocabulário em inglês limita-se a “shit” e “fuck”. Mas, depois, afirmou que estava satisfeito por pelo menos ter ido ao Q2.

Hamilton e Bottas lideraram a sessão, com Alonso em terceiro. A dupla da Mercedes parecia caminhar para uma primeira fila tranquila, com Max fora da briga e Pérez, o outro carro da Red Bull, enfrentando suas naturais dificuldades em classificação.

Hamilton: pole parecia no bolso

Então veio o Q3, e quando os carros começaram a sair dos boxes deu para notar que não havia mais spray, embora o asfalto continuassem úmido e traiçoeiro. Na primeira saída, Hamilton virou 1min44s050, Bottas ficou 0s660 atrás e Norris se meteu entre os dois com a segunda colocação. Pelo rádio, Russell avisou a Williams: “Preparem os slicks”.

O inglês da Williams, sem muito a perder, seria a cobaia do dia. Mas os demais nem esperaram para ver se a ideia de Jorginho daria certo e foram para os boxes para fazer o mesmo. Todos perceberam que, embora tinhosa, a pista já oferecia uma chance de usar os pneus para o seco. Era seguir o trilho, não colocar o pezinho no molhado e correr para o abraço.

Slicks para Russell: primeiro a arriscar

De início, porém, a impressão foi a de que a ideia dos slicks não iria dar muito certo. Russell fez uma volta 10s980 pior que a de Hamilton, que ponteava a sessão ainda com os intermediários. Mas, depois, baixou seu tempo em 5s. E ficou claro que quem acertasse uma volta sem erros ou derrapadas escalaria o pelotão rápida e drasticamente.

Então foi aquele frenesi delicioso de tempos de volta caindo loucamente, com alguns se destacando no piso insidioso e outros se atrapalhando com o asfalto sorrateiro. “Outros” é modo de dizer. Porque quem se atrapalhou mesmo foi Hamilton. Ao entrar nos boxes para colocar seus pneus slicks macios, conseguiu bater na mureta. A equipe trocou o bico partido e ele voltou para a pista inseguro e pressionado. No final do dia, se disse “decepcionado” com ele mesmo. “Bater na entrada do box não é algo que se espera de um campeão”, imolou-se.

Àquela altura, a molecada que não tinha muito a perder socava o pé sem medo. Sainz fez 1min42s510 e assumiu a ponta, sendo superado instantes depois por Norris, com 1min41s993. Russell veio na sequência e cravou 1min42s983, subindo para a terceira colocação.

Molecada de pé pesado: Norris, Sainz e Russell, os três primeiros

Lewis tentou, ainda. Mas rodou em sua última tentativa e chegou a encostar na mureta de proteção com a traseira de seu carro. Ficou com o que tinha. A volta boa viria na segunda ou terceira com slicks, já que eles demoravam para chegar à temperatura ideal, e os pilotos da Mercedes não tiveram nem tempo de saber o que conseguiriam, porque insistiram mais do que deviam com os intermediários. Mas isso é fácil de dizer agora. Na hora, o time optou pela segurança, já que tudo vinha correndo bem até ali.

Quatro dos dez classificados para o Q3 conseguiram melhorar seus tempos com slicks e ganharam posições em relação à primeira tentativa de volta rápida: Norris, Sainz e Russell, que ficaram com as três primeiras posições no grid, e Ricciardo, que subiu de oitavo para quinto.

A volta de Lando foi espetacular. “Nem sei o que dizer. A gente nunca acha que vai fazer a pole, mas eu arrisquei bastante e consegui”, falou. Sainz também estava feliz com o resultado, o melhor dele na carreira. Assim como Russell, claro. “Nas últimas quatro corridas, fiquei duas vezes entre o top-3 no grid… Isso é muito louco”, disse, lembrando do segundo lugar no grid em Spa, em condições parecidas.

Foi realmente muito louco. Hamilton ficou com o quarto lugar no grid, com um tempo 2s057 pior que o da pole de Norris. Ricciardo, Alonso, Bottas, Stroll, Pérez e Ocon fecharam a lista dos dez primeiros, com destaques positivos para o espanhol da Alpinie e para o canadense da Aston Martin. Bottas, leão dos treinos em Sóchi, também não conseguiu melhorar com slicks e terá trabalho pela frente na corrida. Pérez, em nono, decepcionou de novo. “Ele não conseguiu aquecer os pneus direito”, explicou Christian Horner.

Com o grid embaralhado e previsão de tempo seco para amanhã, o GP da Rússia ganhou um novo colorido. Hamilton segue sendo favorito à vitória, já que sua posição de largada não chega a ser um desastre e a Mercedes carrega um retrospecto impecável no país — ganhou todas as provas desde 2014. Mas vai precisar de alguma paciência para buscar a ponta. Russell não deve oferecer muita resistência no início — é uma boa forma de começar uma relação camarada com o futuro companheiro na Mercedes. Sainz também não chega a ser um problema, já que o ritmo da Ferrari em corrida não deve ser grande coisa. Norris, sim, vai querer ganhar de qualquer jeito. Ainda mais depois da vitória de Ricciardo em Monza. Já imaginaram duas seguidas da McLaren? Ninguém apostaria nisso para este ano.

Max: pódio é difícil, mas vai tentar chegar perto

E mesmo para Verstappen é possível acreditar numa posição final próxima ao pódio, se não perder muito tempo nas primeiras voltas. É urgente para ele se colocar rapidamente na zona de pontos para, então, jogar com alguma estratégia de pneus. Largar com os mais duros, por exemplo, e adiar a parada até onde der.

O fato é que, neste campeonato que não se cansa de nos surpreender, mais uma vez o roteiro imaginado para uma prova previsível pode ser rasgado e feito em pedacinhos. Se até em Sóchi é capaz de termos um corridão, dá para acreditar em qualquer coisa até o final.

Não esqueçam, às 19h estaremos no meu canal no YouTube para falar de tudo isso e mais um pouco!