Blog do Flavio Gomes
F-1

TÁ RUSSO (3)

SÃO PAULO (que ano…) – O que você faria? Antes de sair criticando Lando Norris, sua juventude e inexperiência — evidentes: o menino tem 21 anos e está em sua terceira temporada na F-1 –, talvez seja o caso de refletir sobre qual seria sua decisão, prestes a vencer pela primeira vez na carreira, se […]

Hamilton abraça Norris: final épico

SÃO PAULO (que ano…) – O que você faria? Antes de sair criticando Lando Norris, sua juventude e inexperiência — evidentes: o menino tem 21 anos e está em sua terceira temporada na F-1 –, talvez seja o caso de refletir sobre qual seria sua decisão, prestes a vencer pela primeira vez na carreira, se a três voltas do final de uma corrida começasse a chover um pouco mais forte e todos atrás de você estivessem a léguas de distância, trocando pneus para se manter na pista.

Alguns fariam o que Lando fez: arrisco e vou até o fim, porque o máximo que pode acontecer é perder algum tempo aqui e ali, mas em alguns trechos dá para seguir com slicks, não vou desistir agora, a turma está um minuto atrás, está acabando, vai acabar, eu me viro.

Outros fariam o que muitos pilotos fizeram, talvez porque não estivessem tão perto de vencer e qualquer coisa que viesse seria lucro: para nos boxes, coloca pneus intermediários e torce para dar certo.

Mas vamos colocar o drama de Norris um pouco de lado para falar primeiro de quem hoje, na Rússia, concluiu um capítulo importantíssimo na história da F-1: Lewis Hamilton. O inglês chegou a 100 vitórias na categoria. Uma centena redonda desde a primeira de todas 14 anos atrás, no Canadá, pela McLaren. De quebra, retomou a liderança no campeonato com dois pontos de vantagem para Max Verstappen.

É um monstro.

Da primeira à centésima: maior de todos os tempos

Hamilton manteve a escrita da Mercedes em Sóchi, única equipe a vencer na pista russa desde a primeira corrida disputada por lá, em 2014. Falando assim, pode parecer que foi moleza, que era favorito mesmo largando em quarto, afinal os três à sua frente no grid nunca venceram na F-1 e Verstappen, seu grande adversário nesta temporada, estava em último no grid — punido por ter trocado o motor na sexta-feira.

Pode ser que daqui a alguns anos, ao se depararem com a classificação final da corrida, e apenas ela — Hamilton recebeu a quadriculada 53s271 na frente de Max –, historiadores menos atentos aos fatos e mais apegados aos números relatem esta como uma das vitórias mais fáceis de sua carreira. Pombas, quase um minuto na frente do segundo colocado! Essa aí deve ter sido sopa no mel.

Os números mentem, às vezes.

Lewis ganhou, como diziam os locutores de futebol de antigamente, no apagar das luzes do GP da Rússia, o 15º do Mundial. E graças a uma soma de circunstâncias extraordinárias que têm se repetido neste campeonato com adorável frequência, fazendo de cada corrida uma novela de final inesperado.

Largada em Sóchi: Hamilton fecha a primeira volta em sétimo

Para seguir na comparação televisiva, a corrida de hoje, se tivesse um roteiro escrito por Janete Clair, ofereceria uma reviravolta no último capítulo — as últimas oito voltas — de deixar o telespectador boquiaberto. Ele descobriria, em questão de minutos, que a heroína não passava, na verdade, de uma vilã repugnante, que o galã defensor da tradicional família brasileira a traía com o motorista libidinoso, e que o personagem mais torpe ao longo de toda a trama, no fim das contas, era a reencarnação de um santo misericordioso.

A primeira mensagem de um piloto com a palavra “chuva” no GP da Rússia veio na volta 44, quando George Russell avisou pelo rádio que algumas gotas já eram perceptíveis em alguns trechos dos quase 6 km do circuito. Mas a coisa ficou séria na volta 46. Um engenheiro, já não lembro qual, falou ao seu pupilo no carro que “guarda-chuvas estão sendo abertos pelo público”.

O torcedor é soberano. Se abre o guarda-chuva, é porque começou a chover.

Naquele momento, Norris liderava a prova desde a 13ª volta, quando passou Carlos Sainz. OK, outros estiveram na frente por um bom punhado de voltas porque demoraram mais para fazer a troca de pneus, mas era ele, Lando, o líder virtual. O espanhol da Ferrari havia superado o inglês da McLaren na primeira volta, mas não aguentou o tranco e acabou sendo ultrapassado pouco depois pelo garoto que largara na pole.

Depois de uma primeira parte de corrida ruim, trancado atrás de Daniel Ricciardo, Hamilton vinha babando para cima de Norris, com seu carro rendendo muito mais com os pneus duros do que no início da prova, com os médios. Lewis tinha largado mal, caiu de quarto para sétimo, e só acordou para a corrida a partir da volta 27, depois de seu pit stop.

Norris na liderança: erro de avaliação no final

Sem ninguém à frente após a parada, o heptacampeão começou a acelerar forte, e quando a Mercedes fez as contas no box, Toto Wolff entrou no rádio e falou: “Lewis, você pode ganhar esta corrida!”. Ele acreditou e foi tirando a diferença para Norris de forma consistente e aterrorizante para o jovem da McLaren. Quando Pérez, Alonso e Leclerc, os últimos a trocarem pneus, fizeram suas paradas, Norris reassumiu a ponta e tinha apenas 3s1 de vantagem para Hamilton, na volta 37.

Verstappen, que fazia aquilo que a gente chama de “prova de recuperação”, estava em sétimo. Bottas, que teve o motor trocado para ser punido e deslocado para o fim do grid com o único objetivo de atrapalhar Max — decisão estapafúrdia da Mercedes que acabou com a corrida do finlandês –, passeava irritado lá atrás esperando a prova acabar. Ele já tinha sido ultrapassado pelo holandês na sexta volta sem oferecer nenhuma resistência.

Lewis foi chegando, chegando, mas ele mesmo disse, depois da prova, que talvez não conseguisse passar Norris se não fosse a chuva no fim. Afinal, no seco, tinha ficado atrás de Ricciardo por voltas a fio sem esboçar um ataque.

Quando a água veio, ninguém sabia exatamente o que fazer. Algumas equipes delegaram a decisão aos pilotos, como a Red Bull. “Digam aí o que vocês acham que a gente atende.” Outras tentaram adivinhar o que iria acontecer. A McLaren, por exemplo, falou para Norris que seria uma chuvinha fraca. A Mercedes achou que ia apertar. E chamou Bottas, que estava esquecido no fundão, para colocar pneus intermediários.

Verstappen em segundo: o que mais lucrou com a chuva

Valtteri parou na volta 48, a cinco do final. A chuva apertou. Na 49ª, Verstappen, Sainz e Ricciardo foram para os boxes e também colocaram intermediários. Lá na frente, McLaren e Mercedes convocaram seus pilotos. Nenhum dos dois quis parar. “Ignorei a primeira ordem”, admitiu Lewis. Mas, na segunda chamada — que, de acordo com Wolff, foi “inflexível” –, ele obedeceu. Lando, não.

“Falando agora é fácil concluir que foi a decisão errada”, reconheceu Andreas Seidl, chefe da McLaren. “Talvez a gente tivesse de ser mais assertivo na hora em que o chamamos para os boxes.” Norris assumiu sua parcela de culpa. “Eu achei que dava para continuar, a equipe me chamou, mas eu decidi ficar. Acho que a gente não sabia direito o que ia acontecer, e a Mercedes parece que entendeu melhor a situação.”

Na volta 51, com um aguaceiro considerável já tomando conta de todo o circuito, Lando mal conseguia ficar na pista. Perdeu mais de 30 segundos tentando se manter vivo debaixo d’água, levou um ano para chegar aos boxes e acabou se rendendo às evidências. Parou, colocou intermediários, voltou e terminou em sétimo. “Devastado”, segundo ele mesmo.

Norris com cara de choro: sua hora vai chegar

O que você faria?, repito a pergunta do início deste texto.

Agora, depois de tudo definido, é realmente confortável afirmar que a melhor decisão teria sido trocar os pneus quando a McLaren chamou seu piloto, ainda que sem grande convicção. Mas tal julgamento é mais complicado de ser feito quando se está na liderança de um GP, e tão perto do fim. “Geralmente o piloto tem mais condições de avaliar a situação e nós deixamos para eles a decisão. Max resolveu parar, foi o certo, e Checo quis ficar mais um pouco na pista e acabou sendo a decisão errada”, contou o chefe da Red Bull Christian Horner, mencionando o desafortunado Sergio Pérez.

Quem parou antes, de fato, se deu muito bem. Alonso, por exemplo, apareceu em terceiro quando a turma da frente foi para os intermediários e demorou um pouco para se convencer de que com slicks não seria possível continuar. Acabou em sexto e lamentou ter ficado “tão perto do pódio”. Pérez, que também retardou a parada, caiu de terceiro para nono. Já Bottas, que antes da tormenta era o 14º, chegou em quinto. Verstappen saltou de sétimo para segundo. Sainz, de oitavo para terceiro. Ricciardo, de nono para quarto. Raikkonen, de 15º para oitavo. O gráfico abaixo mostra bem o desfecho da prova para cada um deles a partir da volta 48: mudou tudo.

O sobe-desce nas últimas voltas: quem parou antes se deu melhor

É a vida, e talvez depois deste GP da Rússia Norris passe a ouvir mais seus engenheiros, refreando seus ímpetos juvenis. E a McLaren mude seus procedimentos, sendo mais firme ao dar uma ordem dos boxes. Ou talvez não aconteça nada disso, porque cada corrida tem uma história, e se é verdade que a turma do pitwall sabe das coisas porque tem muita informação sobre tudo, não é menos verdade que o piloto, com sua sensibilidade e intuição, também tem de ter voz na hora de tomar uma decisão em questão de segundos.

Desta vez deu errado para Norris. Mas, como disse seu colega George Russell, décimo colocado depois de se sustentar em terceiro até a volta 14, quando fez sua parada, “sua hora vai chegar”.

É claro que vai.

Classificação final: Lewis volta à liderança

Hamilton, que estava havia quatro provas sem vencer, chegou à quinta vitória do ano, contra sete de Verstappen. Na tabela, ele tem 246,5 pontos contra 244,5 de Max. Bottas segue em terceiro, com Norris em quarto. A novidade é ver Sainz se distanciando de Leclerc, 112,5 a 104 no placar na briga interna da Ferrari. Nas últimas duas provas ele marcou 23 pontos, contra 12 do parceiro. Outro que vem fazendo um campeonato mais do que honesto é Alonso, que pontuou em nove das últimas dez corridas.

No Mundial de Construtores, a Mercedes abriu um pouco mais em relação à Red Bull e foi a 397,5 pontos, contra 364,5 dos rivais. A McLaren também se afastou mais um pouco da Ferrari na briga pelo terceiro lugar, 234 a 216,5 para os papaias frente aos vermelhos. Ainda faltam sete corridas para o fim do campeonato e muita água vai passar debaixo da ponte. (Gosto desse clichê meio rural, a água passando por debaixo da ponte.) A próxima é na Turquia, daqui a duas semanas.

Já estamos ansiosos. Assim como ansiosos estamos pelo “Fórmula Gomes”, às 19h no meu canal no YouTube, quando direi algumas verdades sobre o senhor Lando Norris e a senhora McLaren. Até lá!