Blog do Flavio Gomes
F-1

FRANK

ITACARÉ – Gosto particularmente das fotos de Frank Williams no começo de sua vida como chefe de equipe. Por tê-lo conhecido apenas numa cadeira de rodas, debilitado e frágil, saber que aquele homem tristonho, silencioso e incrivelmente capaz já tivera uma vida menos dolorosa era reconfortante. Frank perdeu todos os movimentos depois de um acidente […]

ITACARÉ – Gosto particularmente das fotos de Frank Williams no começo de sua vida como chefe de equipe. Por tê-lo conhecido apenas numa cadeira de rodas, debilitado e frágil, saber que aquele homem tristonho, silencioso e incrivelmente capaz já tivera uma vida menos dolorosa era reconfortante.

Frank perdeu todos os movimentos depois de um acidente em 1986, quando descia a estrada de Paul Ricard até Marselha após um teste de sua equipe. Chegou a ser desenganado pelos médicos, que perguntaram a sua esposa, Virginia — a Ginny –, se ela queria desligar os aparelhos que o mantinham vivo. Ela não deixou.

Courage em Mônaco: primeira taça para Frank veio em 1969

Até então, Frank era altivo e ativo, sorria o sorriso dos que sabem pelo que tiveram de passar até chegar onde chegaram. O termo garagista para defini-lo é muito apropriado, pois foi numa garagem que em 1968 montou a Frank Williams Racing Cars. Onde mais se colocam carros? Estreou na F-1 em 1969 com um chassi Brabham de segunda mão, pilotado por seu camarada Piers Courage. Na segunda corrida, em Mônaco, ele ficou em segundo e conseguiu o primeiro pódio para Frank. Morreu queimado no ano seguinte num terrível acidente na Holanda. Um trauma. E talvez uma mensagem: coragem.

Cheio de dívidas, quebrado a ponto de usar um telefone público na calçada para administrar seus negócios, Frank acabou vendendo a equipe a Walter Wolf em 1976. Ficou no time por alguns meses, mas no final do ano seguinte, alugou um antigo depósito de tapetes, chamou o engenheiro Patrick Head — que tinha contratado para a Wolf — para ser seu sócio e fundou a Williams Grand Prix Engineering. Para todos os efeitos, a Williams tal qual a conhecemos nasceu em 1977 e disputou seu primeiro Mundial completo em 1978, embora carros com a sigla FW já pudessem ser vistos no Mundial de F-1 desde 1975 — inclusive com um pódio de Jacques Laffite na Alemanha naquele ano. Mas eram tempos bem diferentes, em que muitos times tinham um carro só e às vezes mudavam de nome, batizados por patrocinadores. Para se ter uma ideia, a Frank Williams Racing Cars teve nada menos do que dez pilotos diferentes em 1975… O grosso do orçamento vinha de aluguéis.

Laffite, segundo na Alemanha em 1975: primeiro pódio de um FW

O fim da era das vacas magras veio em 1978 com a contratação de Alan Jones e o desbravamento de um mercado até então estranho à F-1: o Oriente Médio. Frank conseguiu patrocinadores árabes, que injetaram um bom dinheiro no time abrigado no velho depósito de tapetes. Um deles era uma enorme construtora e empreiteira chamada Bin Laden. Os resultados começaram a aparecer no final daquele ano. Jones terminou o GP dos EUA em segundo lugar, levando para a nova equipe seu primeiro troféu.

(Curiosa, neste pormenor, a história da Williams nas estatísticas da categoria. Antes do pódio de Jones em 1978, que formalmente pode ser considerado o primeiro da equipe após a fundação da Williams GP em 1977, Courage em Mônaco e Laffite na Alemanha já tinham levantado taças com carros de Frank. Mas é só um detalhe.)

Em 1979, na Inglaterra, Clay Regazzoni deu à Williams sua primeira vitória. Jones ganhou mais quatro e a equipe terminou a temporada como vice-campeã, para conquistar o título em 1980 com quase o dobro de pontos da segunda colocada, a Ligier. Jones levantou a taça entre os pilotos com 13 pontos de vantagem sobre o vice Nelson Piquet, da Brabham.

Daí em diante pode-se usar o velho clichê “o resto é história”, com a Williams tendo se transformado numa das maiores equipes do mundo. Nos anos 80 e 90, ninguém ganhou mais. Foram nove títulos de Construtores (1980/81/86/87/92/93/94/96/97) e sete de Pilotos (Jones/80, Keke Rosberg/82, Piquet/87, Nigel Mansell/92, Alain Prost/93, Damon Hill/96 e Jacques Villeneuve/97).

O sucesso fazia prever que a Williams entraria no século 21 dominando a F-1, mas a decisão da Renault, sua fornecedora de motores, de deixar a categoria em 1998 foi um solavanco inesperado nessa trajetória. Havia no ar a sensação de que sem uma parceria forte com alguma montadora seria difícil para as equipes tradicionais se manterem saudáveis financeiramente diante de uma escalada inacreditável de gastos. Nomes tradicionais, como Lotus, Brabham e Tyrrell, sucumbiram. A McLaren se pendurou na Mercedes. A Ferrari era a Ferrari. A Stewart foi arrematada pela Ford. Eddie Jordan começou a procurar compradores. Honda e Peugeot passaram a prospectar o mercado. A Toyota montou sua equipe. A Red Bull chegou com um novo modelo de negócios. E Frank teve a grande chance de sua vida ao assinar com a BMW em 2000, associando-se a uma gigante da indústria alemã.

Com os bávaros, foram seis temporadas de bons resultados e o assédio constante da empresa, que tentou comprar a Williams mais de uma vez. O dono da equipe resistiu a todas as investidas. Seu grande erro, todos concordam, foi não ter vendido para garantir a sobrevivência do time num ambiente cada vez mais hostil do ponto de vista de investimentos. Insistiu em manter o comando com mão de ferro e uma mentalidade conservadora e centralizadora, e as coisas desandaram. Teimoso e implacável — abriu mão de quatro campeões nas temporadas seguintes às conquistas –, Frank não compreendeu que o mundo em que prosperara não existia mais.

Em 2004, no Brasil, Juan Pablo Montoya ganhou a última corrida com um Williams-BMW, e em 2005 Nick Heidfeld fez a última pole da parceria. A partir daí a equipe precisou ir ao mercado para comprar motores e arrumar pilotos pagantes, e teve seus breves cantos de cisne com uma pole e uma vitória em 2012 na Espanha, de Pastor Maldonado, e uma pole em 2014 na Áustria com Felipe Massa. Os quatro primeiros anos da era híbrida foram até promissores, muito em função do uso de motores Mercedes. Em 2014 e 2015, terceira no Mundial de Construtores; em 2016 e 2017, quinto lugar. Nesse período, 15 pódios — nada mau. Mas a partir de 2018, o abismo: última colocada por três anos seguidos e o supremo vexame de não marcar nenhum ponto em 2020. Virou nanica.

Nesse cenário desolador, desde 2013 sob o comando da filha Claire Williams, finalmente no ano passado a equipe foi vendida a um fundo de investimentos americano. Era isso, ou fechar as portas. Mesmo se arrastando no fim do grid nas últimas temporadas, a Williams segue sendo a quarta maior vencedora da história e é a quarta com o maior número de poles na categoria — respectivamente, 114 e 128. Só não tem mais títulos de Construtores que a Ferrari, que conquistou 16.

É um legado gigantesco, que teve intensa participação de pilotos brasileiros. Foram sete que vestiram o macacão da Williams: José Carlos Pace, Piquet, Antonio Pizzonia, Ayrton e Bruno Senna, Rubens Barrichello e Massa. Os dois últimos encerraram suas carreiras defendendo o time de Grove. Ayrton morreu num carro de Frank.

Das dez equipes que disputam o Mundial hoje, quatro levam os sobrenomes de seus fundadores. Duas — Williams e McLaren — carregam a herança de seus criadores, embora não pertençam mais a suas famílias. A Ferrari se transformou numa corporação gigantesca há anos. A Haas é a quarta, mas acabou de chegar e traz no seu DNA muito mais do famoso empreendedorismo americano do que do pioneirismo do automobilismo europeu de cinco ou seis décadas atrás.

A morte de Frank Williams hoje, aos 79 anos, coloca definitivamente um fim a essa era. Uma era em que as pessoas amavam o que faziam.

“Sempre considerei um privilégio trabalhar na Fórmula 1. Viver rodeado por carros de corrida, por pilotos… É simplesmente um lugar maravilhoso para se estar.”

Frank Williams