Blog do Flavio Gomes
Automobilismo brasileiro

CHICO

SÃO PAULO – Talvez o automobilismo brasileiro nunca consiga agradecer o suficiente a Chico Rosa por tudo que ele fez. Menino do interior, nascido em 1942 na cidade de Patrocínio Paulista, era vizinho do conhecido piloto Ciro Cayres na capital quando entrou em Interlagos pela primeira vez, aos 16 anos. Estávamos em 1958. Nunca mais […]

SÃO PAULO – Talvez o automobilismo brasileiro nunca consiga agradecer o suficiente a Chico Rosa por tudo que ele fez. Menino do interior, nascido em 1942 na cidade de Patrocínio Paulista, era vizinho do conhecido piloto Ciro Cayres na capital quando entrou em Interlagos pela primeira vez, aos 16 anos. Estávamos em 1958. Nunca mais saiu. Chico se formou em engenharia, mergulhou no mundo das corridas, levou Emerson Fittipaldi para a Inglaterra em 1969, foi seu assessor e responsável direto por sua entrada na F-1, fez o mesmo com José Carlos Pace e Nelson Piquet alguns anos depois, e por quatro décadas foi uma espécie de “prefeito” de Interlagos.

Ocupando o cargo de diretor do autódromo em várias gestões municipais, estava à frente do complexo quando a prefeita Luiza Erundina, a toque de caixa, teve de reformar a pista em três meses, no final de 1989, para garantir a permanência da F-1 no país.

Chico nunca gostou do traçado que acabou sendo o escolhido, com a ajuda de Ayrton Senna. Queria preservar o circuito antigo, mas foi voto vencido. Deixou qualquer vaidade de lado quando as autoridades se decidiram pela pista atual e arregaçou as mangas para levar as obras adiante. Entregou o autódromo refeito a tempo para o GP do Brasil de 1990.

Em 2011, Interlagos: dezenas de entrevistas

Falava com frequência com o Chico, ultimamente mais por mensagens — a última foi de 30 de outubro, celebrando a eleição de Lula. “Que sufoco”, ele escreveu. Depois, elogiou o discurso da vitória: “Primoroso”.

Vira e mexe esbarrava com ele no Ibirapuera, onde costumava caminhar quase todas as manhãs. Entrevistas, foram muitas nos últimos mais de 30 anos. Uma das minhas primeiras fontes dos tempos de jornal, um consultor precioso para qualquer questão técnica — quando se tratava de falar de carros –, esportiva — de pilotos –, administrativa — autódromo, FIA, Bernie, Prefeitura, reformas, tudo.

Mas nada se comparava a um papo com o Chico. Não vou lembrar o ano, o Fábio Seixas talvez sim, voltamos de Silverstone para Londres numa segunda-feira depois do GP da Inglaterra levando o Chico de carona. A viagem não costuma ser muito longa, uma hora e meia ou duas, dependendo do trânsito. Às vezes um pouco mais.

Foi o caso daquela segunda-feira, o que nos deu mais tempo com o Chico e suas histórias. Histórias dos anos 70, dos pilotos da época, dos circuitos que conheceu, de mecânicos e chefes de equipe, de gênios e picaretas, de mulheres e jornalistas, de acidentes e mortes, casos contados em moto contínuo com uma riqueza de detalhes que se aquelas duas horas e pouco de Silverstone a Londres tivessem sido gravadas e transcritas, para se transformarem no melhor livro sobre corridas de todos os tempos era só tirar nossas reações de espanto e deixar fluir cada episódio, palavra por palavra.

Foram, sem dúvida, as duas horas e pouco mais saborosas que vivi em mais de 35 anos de viagens para cobrir GPs, ouvindo o Chico falar e falar e falar de pessoas a quem se referia apenas pelo primeiro nome ou apelido, Jochen, Jackie, Moco, Ronnie, Colin, Gilles, Clay, Niki, Mario, Lole, Frank, Jody, Nelson, Denny, Ken, e só usava o primeiro nome porque era pelo primeiro nome que os tratava. Aquela viagem corriqueira de Silverstone a Londres depois de uma corrida qualquer, apenas para deixar o Chico num hotel, ou no aeroporto, não lembro direito, foi encantada. Um encanto que chegava a nós por aquela voz grave, algo rouca, que vinha do banco de trás inundando nosso carro alugado de sabedoria e história.

Ontem à noite recebi uma mensagem do número do Chico no celular. Já com alguma dificuldade para respirar, consequência de uma escoliose, ele morreu em casa, aos 80 anos.