SÃO PAULO (L’aujelu ün gàgia, se nun canta d’amù canta de ràgia) – Charles Leclerc confirmou seu favoritismo e larga na pole para o GP de Mônaco amanhã. O piloto da casa, nascido e criado nas comunidades dos morros da Côte D’Azur, fez valer o melhor equilíbrio da Ferrari no circuito citadino e a boa forma apresentada desde o primeiro treino em Monte Carlo, ontem — adoro escrever “circuito citadino”, forma muito usada pela imprensa italiana. O monegasco já tinha dominado todas as sessões livres. Guardou seus cartuchos para o Q3, a fase final da classificação, e cravou todo mundo.
Chaleclé fez a 24ª pole de sua carreira, igualando nas estatísticas Nelson Piquet e Niki Lauda e colocando-se em 12º na lista dos que mais partiram na primeira posição da grelha de partida de um GP — também gosto de escrever “grelha de partida”, como em Portugal. É sua terceira pole em Mônaco, onde não costuma se sair muito bem. Nas cinco participações em sua “home race”, o melhor que conseguiu foi um quarto lugar em 2022 — adoro escrever “home race”, como os ingleses. Já a Ferrari atingiu a redonda marca de 250 poles na F-1. Nenhuma equipe conseguiu mais.
Se nada de extraordinário acontecer, como quebrar na volta de apresentação (aconteceu em 2021, coitado), Leclerc tem de ganhar a corrida amanhã. Entre outros motivos porque Max Verstappen está apenas em sexto no grid. O holandês vem sofrendo com uma certa instabilidade do carro da Red Bull em Mônaco, e teve sua sequência de oito poles seguidas – desde Abu Dhabi no ano passado – quebrada. Perdeu a chance de bater o recorde de Ayrton Senna, que havia igualado em Ímola. Oito poles consecutivas é a maior série já registrada na F-1, agora dividida entre ele e o brasileiro.
Um pódio é o máximo que o líder do Mundial pode almejar amanhã. À frente dele no grid ainda estão Oscar Piastri, Carlos Sainz, Lando Norris e George Russell. A pista monegasca, todos sabem, é proibitiva para ultrapassagens. Um bom resultado depende de paciência e precisão na pilotagem. Não adianta querer dar uma de herói. Acaba no muro. Ou, tratando-se do traçado da Riviera Francesa, no guard-rail. O que dá no mesmo.
O sábado foi de sol com nuvens em Monte Carlo, 21°C e nenhum sinal de chuva – previsão feita no início da semana que acabou não se confirmando. A definição do grid começou pouco depois da corrida da F-2, que por conta de uma longa interrupção por bandeira vermelha quase atrasou a programação do dia.
Tráfego foi o problema de todo mundo no Q1. Se já é algo que preocupa em pistas normais, em Mônaco tudo se torna pior nesta F-1 em que voltas rápidas têm de ser preparadas como massa de bolo. É um tal de esquentar pneus, aquecer os freios, carregar a bateria, alongar a lombar, esticar a musculatura do pescoço, estalar a língua, e com isso ninguém consegue uma volta limpa quando há 20 carros numa pista curta e estreita.
Assim, foi com alguma aflição que os torcedores de Leclerc e da Ferrari acompanharam os últimos cinco minutos do primeiro segmento da classificação, com o “local hero” correndo algum risco de não passar ao Q2. Adoro escrever “local hero”, como os americanos. Até que conseguiu uma boa volta em 1min11s653, desbancando a surpreendente dupla da Haas, que liderava até então com Kevin Magnussen em primeiro e Nico Hülkenberg em segundo.
A agonia foi transferida para Sergio Pérez e Norris, a dois minutos do fim. Ambos estariam fora do Q2 se o mundo acabasse naquele momento. O mexicano fez uma voltinha mequetrefe, subiu para o grupo que avançaria, mas logo depois acabou superado por um monte de gente e empacou em 18º. Uma vergonha. Reclamou do tráfego, dos pneus, do sol, das nuvens, da umidade relativa do ar, do prefeito, dos vereadores, do guacamole e dos mariachis. Verstappen, virando-se do jeito que dava, terminou em sétimo. Norris, aos trancos e barrancos, passou adiante em décimo.
A folha de tempos foi liderada por Russell com 1min11s492. Depois dele vieram, colados, Piastri, Lewis Hamilton, Sainz e o favorito Leclerc. Do primeiro ao quinto, meros 0s092. No lado de baixo da tabela, Fernando Alonso, Logan Sargeant, Pérez, Valtteri Bottas e Guanyu Zhou foram os eliminados. Alonso! Que no ano passado brigou pela pole em Monte Carlo e largou em segundo, a 0s084 de Verstappen! Não é sempre, mas acontece de algumas equipes andarem para trás de um ano para o outro. É o caso claro da Aston Martin nesta temporada. Hoje, para piorar, o espanhol reportou um trânsito desgraçado em suas voltas e tudo que pôde fazer foi lamentar. “Não tenho ninguém para culpar, foi falta de sorte, mesmo”, falou. “A lo hecho, pecho”, como se diz na Espanha.
No Q2, Sainz fez 1min11s177 na sua primeira volta rápida e Verstappen, na sua segunda, baixou bem para 1min11s019 – um tempo que deixou o pessoal da Ferrari preocupado, quase entrando na casa de 1min10s. Leclerc, depois da primeira bateria de voltas, era apenas o quinto, a 0s270 do holandês. Estaria guardando tudo para o Q3? Saberíamos em breve.
Piastri e Russell, então, foram os primeiros a baixar de 1min11s. O australiano da McLaren amarela cravou 1min10s756. Charlinho ficou perto dele e também entrou nos 10. Na sequência, Norris subiu para primeiro com 1min10s732. Verstappen virou uma volta apenas 0s013 pior e deu o recado: era melhor não descartá-lo ainda. “Fausse alarme”, como se veria depois. Adoro escrever “fausse alarme”, como na França. Ao final do Q2, Esteban Ocon, Hulk, Daniel Ricciardo, Lance Stroll e Magnussen ficaram fora. Norris, Verstappen, Piastri, Leclerc, Pierre Gasly, Russell, Hamilton, Sainz, Yuki Tsunoda e Alexander Albon passaram, nessa ordem. Surpresas? Sempre tem, em Mônaco. No caso, Gasly em quinto e Albon em décimo. A Alpine foi ao Q3 pela primeira vez na temporada, assim como a Williams. Apenas três times levaram suas duplas à fase final da classificação: McLaren, Ferrari e Mercedes.
Leclerc abriu os trabalhos na parte final da classificação já fazendo de cara 1min10s418, o melhor tempo do fim de semana até então. Piastri fez uma volta apenas 0s026 pior e Verstappen fechou o “primeiro tempo” em terceiro, a 0s149. Até ali, estava dando a lógica: o nativo das matas monegascas em primeiro, fazendo cumprir as profecias desenhadas na véspera. Mas a McLaren patriota ainda era uma ameaça.
Na dúvida, o piloto da Ferrari sentou o pé em sua segunda volta rápida e melhorou ainda mais, fazendo 1min10s270. Piastri ficou com o segundo lugar, 0s154 atrás – uma excelente primeira fila para o rapaz de “down under”, expressão que também me agrada, mui utilizada na Grã-Bretanha. Sainz e Norris ficaram em terceiro e quarto, repetindo a ordem Ferrari-McLaren na segunda fila. Russell, Verstappen, Hamilton, Tsunoda, Albon e Gasly fecharam a turma do top-10.
Max não largava tão atrás desde o GP dos EUA do ano passado, onde também foi sexto colocado. Mas ganhou aquela prova em Austin. Algo que não deve acontecer amanhã, pela natureza do circuito e da corrida. Na sua segunda tentativa de volta rápida, deu uma lambida no guard-rail logo na Sainte-Dévote, a primeira curva que leva à Subida do Cassino, e perdeu a chance de lutar por algo melhor – a pole estava fora de questão desde os treinos de sexta. “O carro está escorregando muito”, reclamou pelo rádio.
E foi isso. Nem tudo como dantes no quartel d’Abrantes, mas dentro do previsto. A Red Bull já contava com certas dificuldades em Mônaco. Faz parte, é engolir o choro e seguir em frente. “Was dich nicht umbringt macht dich stark.” Adoro essa expressão, que usam muito na Alemanha. E tudo é questão de saber esperar. Como dizem na Holanda, “wie het laatst lacht, lacht het best.”
HAAS PUNIDA – Depois da classificação, os comissários detectaram irregularidades nas asas traseiras dos carros da Haas. Hülkenberg e Magnussen perderam suas posições (12º e 15º) e terão de largar da última fila. Todos que estavam atrás deles subiram uma posição.