Blog do Flavio Gomes
F-1

MAX RING (3)

SÃO PAULO (assim gostamos!) – Tudo caminhava para mais uma vitória de Max Verstappen em 2024, até com certa tranquilidade, quando o GP da Áustria virou de cabeça para baixo a 19 voltas do final. Foi na 52ª das 71 previstas para a corrida que o holandês foi para os boxes fazer seu segundo pit […]

Russell vence: segunda na carreira

SÃO PAULO (assim gostamos!) – Tudo caminhava para mais uma vitória de Max Verstappen em 2024, até com certa tranquilidade, quando o GP da Áustria virou de cabeça para baixo a 19 voltas do final. Foi na 52ª das 71 previstas para a corrida que o holandês foi para os boxes fazer seu segundo pit stop. Tinha cerca de 7s de vantagem para Lando Norris, da McLaren, o segundo colocado, que parou junto. Em condições normais de temperatura e pressão, a Red Bull faria a troca rapidinho, como costuma fazer, e Max controlaria a prova até o final.

Mas deu ruim no pneu traseiro esquerdo do carro #1. A parada, que normalmente é feita em coisa de 2s, tomou de Verstappen 6s5. Lembram do coelhinho da Páscoa citado no final do textão de ontem? Pois é. Quem mandou dizer que não existe? Já a McLaren realizou o pit stop sem maiores problemas. Os dois, então, saíram colados dos boxes.

Começou ali uma batalha que durou 12 voltas, deixando mortos e feridos. Morto, Norris: teve de abandonar a corrida. Ferido, Verstappen: terminou em quinto. Na UTI: a amizade entre os dois pilotos, estremecida até eles se encontrarem e falarem sobre o assunto. Se falarem.

E a vitória na 11ª etapa do Mundial caiu no colo de George Russell, da Mercedes, que estava mais de 12s atrás dos ponteiros brigões quando eles se tocaram, na volta 64, um furando o pneu do outro. Max ainda conseguiu voltar à corrida. Lando saiu espumando de seu carro. “Ele vai perder muito do meu respeito se não admitir que errou”, diria o piloto depois da corrida. “Nossa amizade? Se ele reconhecer que fez algo estúpido, vou entender. Se insistir que estava certo, acabou.” Verstappen respondeu: “Nós dois estamos irritados, não é só ele. Ele mergulhou muito tarde para passar e eu sei o que fazer nessas situações. Às vezes funciona, às vezes dá errado. Não me movi na frenagem, eu estava me movendo antes de frear para defender a posição. Vamos conversar depois que esfriarmos a cabeça.”

A direção de prova considerou o piloto da Red Bull culpado pelo incidente e lhe aplicou uma punição de 10s em seu tempo total de prova – inócua, já que o sexto colocado vinha muito atrás e ele manteve a posição em que estava quando recebeu a bandeira quadriculada.

A disputa duríssima entre Verstappen e Norris, a responsabilidade de cada um no toque, o caráter de um e de outro, as comparações com situações semelhantes no passado, a amizade entre os dois que pode ter sido sugada pelo ralo da competição, tudo isso será tema de muita conversa nos próximos dias. E é bom que seja assim. Rivalidades são ótimas para o esporte.

Na minha visão, Max jogou duro para se defender, mas dentro dos limites do aceitável. Norris, da mesma forma, fez o que tinha de fazer: atacar, atacar e atacar. Não coloco nenhum dos dois na fogueira da Inquisição. Verstappen, ontem, foi mais esperto e ágil para passar Norris no começo da Sprint. Lando, hoje, preparou demais a ultrapassagem e não conseguiu surpreender o rival.

Penso que tudo isso faz parte das corridas. Um vai culpar o outro. O outro vai culpar o um. Torcedores de um atirarão pedras nos fãs do outro. Torcedores do outro devolverão tijolos nos fãs do um. A guerra verbal nas redes sociais será intensa, com argumentos ótimos de ambos os lados.

Fico com a impressão – olha lá a pretensão! – de quem de vez em quando disputa corridas de carros de verdade, euzinho mesmo. Nessas disputas, ninguém consegue pensar muito e a maioria das ações é intuitiva. Pedir paciência e contenção dos que estão lá dentro brigando por centímetros é querer demais. Muitas vezes não acontece nada. Alguém freia mais tarde, aproveita uma brecha, dá um drible, se vale uma vacilada, e se manda – podemos usar a própria ultrapassagem de Verstappen ontem na Sprint como exemplo. Em outras, o cara se defende com tamanha garra e disposição que, ao final, só resta ao que está atrás reconhecer o empenho do adversário. Me vem à cabeça Ímola/2005, a batalha épica entre Alonso e Schumacher que parece ter durado dias – o espanhol, então na Renault, se segurou na frente e venceu.

Há aquelas em que os dois se dão mal. Senna x Prost no Japão/1989 é o clássico dos clássicos. Hamilton x Verstappen em Monza/2021 também acabou com os dois fora da corrida, um carro em cima do outro. Tem algumas em que um se dá muito bem e o outro, muito mal. Podemos lembrar de Hamilton x Rosberg na última volta do GP da Áustria de 2016, episódio igualzinho ao que aconteceu hoje, com Nico furando o pneu e Lewis vencendo a prova. Em 2021, Hamilton e Verstappen se pegaram em Silverstone, Max se arrebentou na barreira de pneus e o inglês também ganhou.

Não fico apontando o dedo para pilotos em brigas assim, exceto em casos claros de atos voluntários como o de Schumacher contra Villeneuve em Jerez/1997. Foi o episódio típico em que a vilania sai perdendo e o mocinho acaba se sagrando campeão. Ali foi fácil apontar um culpado sem atenuantes. Mas na maioria das vezes tudo acontece em frações de segundo, tempo em que é impossível processar tanta informação para tomar decisões racionais. Vai no instinto. Pode dar certo. Pode dar errado. Para isso, inclusive, há os julgadores.

Hoje, julgaram que Verstappen não podia fazer o que fez. Na freada da curva 3, com Norris tentando passar por fora, deu uma sutil derivada para a esquerda. Lando não aliviou e se tocaram. É uma interpretação. Tão legítima quanto qualquer outra. Na minha visão, os dois lutaram pelo que queriam com as armas de que dispunham. E algumas brigas acabam assim, sem vencedor.

E vou deixar as contendas virtuais para quem quiser esbravejar em seus teclados e celulares, porque agora temos a história de uma grande corrida para contar.

A ela.

Leclerc: mau começo de corrida, zero ponto

Fez sol e calor de novo neste domingo na região de Spielberg, interior da Áustria, onde fica o Red Bull Ring. Estava tudo pronto para uma festa caseira, com Verstappen na pole depois de um sábado de gala – vencera também a Sprint e tudo indicava que faria barba, cabelo e bigode na pista de sua equipe.

A corrida começou seguindo o script, com Max, escolado com o que tinha acontecido na Sprint, pulando feito uma gazela enlouquecida quando as luzes se apagaram. Assim, escapou de qualquer possibilidade de assédio inicial de Norris com sua asa móvel. Foi embora. Na segunda volta, já tinha mais de 1s de vantagem sobre o inglês da McLaren. Charles Leclerc se deu mal na largada e teve de ir aos boxes no fim da primeira volta. Precisou trocar o bico do carro, tocado por Piastri e Pérez. Ali deu adeus à prova.

Na terceira volta, Hamilton e Russell travaram interessante duelo pelo terceiro lugar. Lewis passou, George retomou a posição. Tudo muito civilizado. Na sexta, foi Sainz quem se apossou da posição de Hamilton e avançou para quarto – o piloto da Mercedes foi orientado a deixar o espanhol passar porque na largada tinha levado vantagem sobre ele, extrapolando os limites da pista; melhor fugir de punições, entendeu o time. Mais atrás, Piastri e Pérez brigavam pelo sexto lugar. Oscar se saiu melhor.

Com dez voltas, Verstappen já tinha mais de 4s de vantagem sobre Norris. Na Sprint, foi a diferença que construiu sobre Piastri, o segundo colocado, em 23 voltas. Seu ritmo era muito forte e seguro.

As paradas previstas pela Pirelli começaram na altura da 20ª volta – a dupla da Haas fez seus pit stops um pouco antes, o que daria muito certo para o time americano. Todos os pilotos tinham largado com pneus médios, exceção feita a Guanyu Zhou, que partiu dos boxes com duros. Hamilton e Pérez foram aos boxes na volta 22. Na 23, Sainz e Russell. Na 24, Verstappen e Norris. Piastri assumiu a liderança. A direção de prova saiu aplicando punições: 10s para Alonso, que entrou na traseira de Zhou, 5s para Hamilton, que cortou a linha de entrada dos boxes em sua parada, e mais tarde Pérez tomaria 5s por excesso de velocidade nos boxes.

Hülkenberg: grande corrida da Haas

O #81 da McLaren parou na volta 26. A maioria da turma da frente colocou pneus duros no pit stop. Russell, apenas, optou por um jogo de médios. Na volta 27, com todo mundo já de pneu novo, a ordem era Verstappen, Norris, Russell, Sainz, Hamilton, Piastri, Pérez, Hülkenberg, Magnussen e Ricciardo. Max, que tinha pouco menos de 5s sobre Lando antes da troca, abriu mais de 7s na 30ª volta. Estava tudo sob controle. Aparentemente.

Nessa hora a Ferrari entrou no rádio de Leclerc, que estava em 18º, e mandou uma mensagem curiosa: “Você vai chegar nos pontos, mesmo sem safety-car”, disse a voz. “Quem está falando?”, assustou-se Charlinho, estranhando o sotaque indefinido. Era um coach, recrutado pela equipe para dar uma animada no monegasco. “Vou demitir esse cara. Há limites para picaretagem”, pensou na hora o chefe Frédéric Vasseur, culpando-se pela contratação.

A corrida se estabilizou e parecia rumar para o desfecho mais do que previsível, uma vitória sossegada de Verstappen. Na volta 36, na falta de outra coisa para mostrar, a TV centrou suas câmeras em Ocon e Gasly, que brigavam pelo 11º lugar. Saía faísca entre os dois companheiros que dispensam o companheirismo — se odeiam em francês, ótima língua para xingar os outros. Mas era bom tomarem cuidado. Ambos tinham chances de pontuar, já que a dupla da Haas à frente havia feito suas paradas muito precocemente. E logo depois Magnussen e Hülkenberg foram efetivamente para os boxes, permitindo que os alpínicos entrassem na zona de pontos. Gasly conseguiu passar Ocon na marra e pulou para oitavo. Nos boxes, a direção do time arrancava os cabelos.

Max nos boxes: pneu furou, mas ele continuou

Então as coisas começaram a ficar estranhas. Na volta 40, Verstappen, mais de 8s à frente de Norris, entrou no rádio para dizer que seus pneus, de repente, ficaram ruins. E, de fato, a diferença começou a cair. Na 44, já estava em 6s4. Lando começou a acelerar, sabendo dos problemas do rival. Vai que…

Depois de quase se espancarem na pista, Gasly e Ocon também fizeram suas segundas paradas e voltaram a ficar fora dos pontos novamente, atrás dos dois carros da Haas, Ricciardo e – pasmem! – Leclerc em 11º. “Chamem aquele coach de volta, por favor!”, pediu Vasseur. “Acho que ele tinha razão.”

A segunda janela de pit stops para o pessoal da frente começou na volta 47, quando Russell parou. Sainz veio na volta seguinte. Piastri, na pista, passou Hamilton e assumiu o terceiro lugar. Ambos fariam suas segundas paradas, ainda.

Verstappen foi para os boxes na volta 52. Demorou muito. “Eu pedi para parar várias vezes, os pneus estavam ruins, a estratégia foi uma merda, os pit stops foram ruins Tudo que podia dar errado deu hoje”, contaria depois. Norris veio junto. A parada da Red Bull foi problemática: 6s5. O resultado foi que Lando saiu dos boxes apenas 2s8 atrás dele. E para aumentar ainda mais a tensão no autódromo, Max ainda deu uma escapada na primeira volta com seus pneus médios já usados. Norris, que tinha pneus também médios, mas novos, se animou. Socou o pé e foi para cima. O controle que o holandês tinha sobre a corrida foi para a cucuia. Teríamos uma corrida de verdade nas últimas voltas.

Norris chegou de vez em Max na volta 54, já podendo abrir a asa móvel. A disputa se transformou num mano a mano franco e aberto. Lando atacou na volta 55, Verstappen se defendeu. Para ele, era preciso abrir mais de 1s para escapar do DRS. Não estava fácil, porém. Norris não deixava o #1 fugir de seu campo de visão. Na 58, colou mais uma vez, abriu a asa e preparou o bote. Na volta 59, passou. Mas foi para fora da pista e teve de devolver a posição. A briga continuava. Verstappen, com o carro meio desconjuntado, resistia. Era um jogo duro e bonito, à altura dos protagonistas e da história da F-1.

Na volta 63, nova tentativa. Norris mergulhou e passou, Max se jogou para a área de escape para não bater e voltou na frente. Teoricamente, teria de entregar a posição. Ninguém falou nada, ficou onde estava. E na volta 64, finalmente, o inevitável: os dois se tocaram. Ambos furaram seus pneus traseiros. Norris ainda seria punido com 5s por exceder os limites da pista pela terceira vez. Se tivesse passado e chegado menos de 5s à frente de Max, perderia a prova da mesma forma. Verstappen conseguiu chegar aos boxes, colocou pneus macios para tentar a melhor volta (acabou ficando com Alonso) e voltou em quinto. Lando abandonou.

Assim, a liderança inesperada sorriu para Russell, com Piastri em segundo e Sainz em terceiro. Eles acompanhavam a briga pelos telões, torcendo para que os dois líderes se pegassem de tapa. Acabou que se pegaram mesmo. Max, como já mencionado lá na abertura deste relato, levou um pênalti de 10s, considerado culpado pelo incidente com Norris. Mas estava muito à frente do sexto, não perderia posição. O clima ficou bem pesado depois da corrida entre ele e Norris, entre McLaren e Red Bull. Andrea Stella, dirigente da equipe papaia, disse que a culpa de tudo foi a condescendência da FIA em 2021 com as disputas perigosas entre Hamilton e Verstappen. “Não fizeram nada naquela época, não foram rigorosos como deveriam, e deu nisso.”

Final na Áustria: corridaça, com vitória inesperada da Mercedes

Russell venceu pela segunda vez na carreira – a outra foi no Brasil em 2022, também a última vitória da Mercedes na categoria. Piastri e Sainz fecharam o pódio. Hamilton, Verstappen, Hülkenberg, Pérez, Magnussen, Ricciardo e Gasly completaram a zona de pontuação.

Tem muita gente para aplaudir depois dessa corrida. Eu começaria com Norris e Verstappen, inclusive, pela vontade de ganhar que demonstraram o tempo todo. Passaria, óbvio, por Russell – quem espera sempre alcança, diria alguém. E não poderia jamais esquecer a dupla da Haas, com um ótimo sexto lugar de Hulk e um belo oitavo de K-Mag. Só neste fim de semana, o time fez 12 pontos, igualando tudo que marcou na temporada passada inteira. A F1Team/status/1807442210805199109" target="_blank" rel="noreferrer noopener">festa nos boxes foi comovente.

O resultado, ao fim e ao cabo, foi bom para Verstappen, que acabou somando 18 pontos no fim de semana, contando a Sprint e o quinto lugar de hoje. Norris, o vice-líder do Mundial, marcou apenas seis. Na tabela, Max tem 237 contra 156 do piloto da McLaren. A diferença, que era de 69, subiu para 81. Leclerc estancou nos 150 e já vê Sainz pelo retrovisor com 135. Pérez segue num medíocre quinto lugar com 118, tendo Piastri (112) e Russell (111) dando farol atrás dele para passar. Só na Áustria Oscar marcou 25 pontos. George, 30. O mexicano anotou ridículos sete.

Domingo que vem a primeira tripleta da temporada será fechada com o GP da Inglaterra, em Silverstone. Outra pista veloz onde a Red Bull é favorita. Se nada de anormal acontecer, como uma incomum parada lenta nos boxes, Verstappen ganha. Mas nem toda corrida é normal. Hoje não foi. E por isso foi legal pacas.