Blog do Flavio Gomes
Brasil

GIRA MONDO, GIRA

SÃO PAULO (qual é a tua cara?) – Eu adoro eleições, e me sinto um soberano cada vez que saio de casa e entro no meu colégio para apertar uns botões. Não estou entre os que acham votar um saco, não estou entre os que acham “um absurdo ser obrigado a votar, porque nos Estados Unidos […]

SÃO PAULO (qual é a tua cara?) – Eu adoro eleições, e me sinto um soberano cada vez que saio de casa e entro no meu colégio para apertar uns botões. Não estou entre os que acham votar um saco, não estou entre os que acham “um absurdo ser obrigado a votar, porque nos Estados Unidos não é”. Quero que os Estados Unidos se fodam, lá os caras não sabem nem contar direito os votos, o último presidente se elegeu com menos votos que o derrotado, o erro foi comprovado, uma fraude ridícula na Flórida, e a besta que perdeu ainda achou tudo normal.

Ninguém é obrigado a votar no Brasil, é o que sempre digo, podem ir a Maresias ou ao Guarujá tranquilamente passar seu fim de semana — aliás, esses é melhor que não votem mesmo. Basta justificar depois. Não precisam sujar seus dedinhos na urna eletrônica, nem no corrimão da escola estadual do seu bairro.

Adoro eleições e adorava mais ainda antes, quando a cidade entrava no clima, cabos eleitorais se espalhavam pelas esquinas, santinhos eram atirados pelas janelas dos carros, postes e árvores ficavam envoltos por cartazes e faixas. Era um lixo só, há que se reconhecer, e é claro que é tudo bem mais civilizado hoje, nada é permitido, a normalidade impera, todos votam tranquilos e sem ninguém para encher o saco.

Mas a cidade não se envolve. É tudo normal demais. Falta o embate, a discussão, a sensação de que algo importante está acontecendo.

Tem sido assim desde 2002, pelo menos, a última eleição que trouxe ao Brasil algum suspiro de emoção. As seguintes foram assépticas e inodoras, o debate ideológico cessou no país, virou uma chatice só. OK, é do jogo, joguemos o jogo.

E seria assim neste ano, também, não fossem o Rio e Fernando Gabeira, a única coisa nova que a política carioca apresentou ao distinto público nos últimos cinco séculos, muito mais que o Brizola, para ficar apenas em exemplo recente. O Gabeira que começou lá atrás, perdendo para o almofadinha do governador e para o bispo demoníaco, numa inacreditável escolha dos cariocas, do Rio que sempre foi, é e sempre será a vanguarda comportamental deste país cafona, conservador e deprimente que é o Brasil forjado pela elite e pela classe média mais bestas de que se tem notícia desde o big-bang.

São Paulo, a cidade, por exemplo, finalmente se encontrou com si mesma neste ano. Até que enfim caiu nas mãos da escória da política nacional, o PFL, e o prefeito-quibe fez questão de agradecer pela vitória, entre outros, a Jorge Bornhausen, esse expoente do pensamento moderno — e só não agradeceu também ao coronel ACM porque esse já morreu, mas outros ficaram e serão lembrados, podem ter certeza.

São Paulo, a cidade, nunca se conformou com as eleições de Erundina e Marta no passado, nunca compreendeu como é que isso tenha sido possível com tantos caciques de boa estirpe por aqui, como Jânio Quadros, Paulo Maluf, Celso Pitta, José Serra, Geraldo Alckmin e congêneres. Ufa, até que enfim a turma conseguiu extirpar o perigo vermelho, agora somos todos DEM, até que enfim São Paulo tem a cara dos paulistanos! Não cometamos mais enganos, PFL na veia daqui para a frente, é tudo que São Paulo sempre quis!

Caguei para São Paulo, para dizer a verdade, porque aqui estava na cara que era ou o quibe ou o chuchu no segundo turno, esta cidade é a cara deles, meu bairro e a garagem do meu prédio são a cara deles. Minha única esperança, mesmo, era o Gabeira no Rio. Era a chance de o carioca se redimir de César Maia e Garotinho, essas excentricidades que não tiveram graça nenhuma, de se redimir da simples insinuação de que um bispo de uma igreja tresloucada pudesse vir a ser o escolhido para dirigir a cidade mais importante do país.

O Rio teve a chance de eleger Fernando Gabeira e de mostrar ao resto do Brasil que a brincadeira acabou, que era hora de pensar na cidade com a cabeça de gente do bem, sem se curvar à política tradicional de alianças e acordos, era hora de eleger um cara que fez e tem história, inatacável, honesto, limpo, decente, correto. Gabeira perdeu por 55.225 votos num universo de 4.579.365 eleitores, 50,85% para Eduardo Paes, 49,17% para ele. 927.250 cariocas não votaram, uma abstenção de 20,25%, o que considero uma vergonha para uma cidade que estava diante de escolha tão fundamental, uma cidade tão politizada e decisiva neste país que quando parece que vai, estanca.

Gabeira ganhou, diz o Ricardo Kotscho no seu blog. Pode até ser. Mas o Rio perdeu. O Brasil perdeu. Foi a grande derrota destas eleições, era a única coisa que precisava dar certo, e não deu. O resto era mais ou menos esperado, como a pefelização de São Paulo — que se acha o farolete da nação, a locomotiva do Brasil, mas no fundo é uma província brega e antiquada, um bazar avantajado cheio de gente que só se preocupa com futilidades. Gabeira prefeito compensaria a Paulicéia pêfêlê. Ficamos com o PFL aqui e sem o Gabeira lá.

Ô destino triste.